Crítica: Clash (Eshtebak)

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Clash_cartaz Crítica: Clash (Eshtebak)Clash (Eshtebak)

Direção: Mohamed Diab

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Elenco:  Nelly Karim, Hani Adel, El Sebaii Mohamed, Tarek Abdel Aziz, Ahmed Malek , Mohamed El Sebaey , Mai El Ghaity e Ahmed Abdel Hameed

O cinema jamais será uma arte apolítica assim como todo bom filme é um documentário sobre sua época. E a arte cinematográfica sempre foi usada para tal desde seus primórdios. Tanto como propaganda de revoluções e regimes, como “simplesmente” apresentar (e denunciar) o que acontece dentro de um país, seja através de um indivíduo ou de um grupo, como visto em Z de Costa-Gavras, Eles Não Usam Black-Tie, Persepólis etc. Assim chegamos a este Clash de Mohamed Diab trazendo o panorama sócio político egípcio, cujo estágio avançado da polarização nos traz ensinamentos que TODOS devemos aprender.

A Primavera árabe depôs o presidente Hosni Mubarak, depois de décadas de governo, e os egípcios elegeram democraticamente o candidato da Irmandade Islâmica Mohammed Morsi. Porém, um ano depois, o país foi tomado por um golpe liderado pelo general Khalil AL-Sisi que se mantêm no poder até hoje. “Ditadura”, “democracia” e posteriormente “golpe” são palavras comuns no nosso dia a dia e devido ao nível político visto nas redes sociais, estas palavras e seus respectivos significados parecem entrar por ouvido e saírem por outro de muita gente. Portanto, é fundamental que assimilemos o que se passa na vida sociopolítica de um outro país para nos servir como um espelho para a nossa própria sociedade.

Iniciado num dia “comum” de dores e protestos contra o governo de AL-Sisi, o longa denuncia a repressão dos militares contra a imprensa quando encarceram dentro de um caminhão da polícia dois jornalistas que registravam os conflitos. No caminho da prisão, os militares enfrentam os protestos e literalmente vão arrastando para dentro do veículo qualquer pessoa que seja considerada “inimiga” (podendo ser integrantes da Irmandade Muçulmana quanto àqueles que são contra ao governo militar vigente, mas ao mesmo tempo não desejam a Irmandade no poder). E quando nos damos conta, o roteiro de Khaled Diab e Mohamed Diab insere várias personalidades e facetas da sociedade egípcia, formando um complexo mosaico social, cujas diferenças sociais, políticas e religiosas são postas em discussão. Tudo isso pautado pela tensão  e clima de guerra sendo alternando de maneira fluída com uma espécie de comédia de erros dentro de um ambiente claustrofóbico, cuja pressão interna é “nada mais” que o reflexo do conturbado processo político externo.Clash_meio-1 Crítica: Clash (Eshtebak)

Cenário este moldado por figuras comuns, cujos desejos e sonhos são identificáveis por qualquer pessoa. Pode ser o pai de família, a enfermeira, o DJ, o líder religioso ou político, a jovem muçulmana, o morado de rua, o policial, o adolescente, os militantes, os jornalistas, o ator, o judeu escondendo sua fé verdadeira etc. Todos de uma maneira são vítimas de um radicalismo que não escolhe hora para atacar e transformando aquele local num tabuleiro de divergências sem fim. E nem mesmo os próprios militares estão isentos de tais conflitos e dramas dentro de um ambiente de histórias e lutas que passaram por ali, como podemos comprovar pelos nomes e datas escritos nas paredes do ônibus e que acabam se tornando apenas lembranças.

Ademais, se torna interessante que o diretor consiga criar dentro de um espaço tão pequeno este universo de conflitos de maneira única, mas em perder as características do contexto que os cercam, como num determinado momento em que a jovem muçulmana precisa ir ao “banheiro”, mas devido ao espaço reduzido, tensão e sua religião acabam tornado a tarefa numas das mais complicadas. Ou como o fato de fazerem rodízio para usarem um celular e quem tem o “melhor” contato para tirarem eles dali e se depois de uma discussão o jovem adolescente deseja saber o estado de seu penteado (assim como o fato deles precisarem colocar suas diferenças de lado para sobreviverem ao percurso, dividir a pouca água que possuem e revezarem mas janelas em busca de um alento ao calor  sufocante do local).E se não bastasse tal complexo panorama, o diretor demonstra grande controle  de sua narrativa como no posicionamento dos personagens através de sua mise-en-scène (algo complicado pelo numeroso elenco) e dinâmica espacial sem jamais cansar o público pelo fato do filme se passar dentro de um ambiente apenas, onde todos os planos externos são visto somente através das janelas . Mesmo quando balança a câmera para invocar tensão, a direção não torna a narrativa confusa ou , ratificando, cansativa  – talvez um, ou dois planos mais fechados que possam ter sido usados para quebrar a regra, mas nada prejudicial.

Clash é uma obra fundamental para possamos compreender como o radicalismo é prejudicial em qualquer esfera, seja ela política ou não. E que não podemos tornar tudo numa disputa de clubes de futebol fermentada pelas elites, pois no dia em que a própria população não conseguir mais ouvir a si mesma estaremos todos condenados.

Cotação 4/5

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

2 thoughts on “Crítica: Clash (Eshtebak)

    1. Ticiane
      Bem vinda.

      Sim , esta nos cinemas, mas acredito em pouquíssimas salas. No RJ, onde assisti o filme, esta em apenas um cinema. Infelizmente.

      Abraços

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