Crítica: Trama Fantasma (Phantom Thread)

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Direção: Paul Thomas Anderson

Roteiro: Paul Thomas Anderson

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Elenco: Vicky Krieps, Daniel Day-Lewis, Lesley Manville, Richard Graham, Camilla Rutherford, Jane Perry e Pip Phillip

Nota 5/5

Iniciado com uma conversa entre Alma (Kriesp) e o médico Dr. Hardy (Gleeson), a moça admite certa culpa por não ter ”entregue seus pedaços” a seu amado Reynolds Woodcock (Day-Lewis) durante um determinado momento do relacionamento entre eles. A partir deste momento, o diretor Paul Thomas Anderson envolve o espectador num elegante thriller psicológico sobre obsessão e controle com pitadas hitchcockianas; onde o diretor demonstra novamente a habilidade de trabalhar uma linha tênue das personas de seus personagens multidimensionais através da sua visão estilística. Se, por exemplo, em O Mestre ou até mesmo na sua obra prima Sangue Negro, nos deslumbramos com as nuances de sentimentos quase antagônicos (amor, altruísmo, ódio e ganância), em Trama Fantasma testemunhamos uma visão sufocante, amorosa e doentia de um Complexo de Édipo sobre um homem egocêntrico, genial, solteiro por convicção, autoritário, frágil, cujo relacionamento com as mulheres é visto (além de prejudicial), como um engodo. Um reflexo da onipresença materna, com quem era extremamente ligado, mas que a partir do momento que uma Alma decide enfrentar tal cenário e impor sua posição feminina, faz surgir um relacionamento de desdobramentos compulsivos e quase surreais – mas não menos identificáveis.

Reynolds Woodcock é um renomado estilista na Londres dos anos 50, mas ao mesmo tempo que todo o reconhecimento que a fama traz o faz ser o escolhido pela alta sociedade londrina, é um homem que faz do seu trabalho uma espécie de expurgo (isso se não puder se considerado “enclausurado”) pelo ofício ter sido ensinado pela mãe, tida como uma santidade. Um homem que transforma suas peças de roupas em objeto de desejo das mulheres da alta sociedade sem que elas saibam que qualquer aproximação ou apelo – sexual ou não – é visto igualmente com desprezo e como algo fútil. Não sendo a toa que, vendo que uma de suas clientes não estaria ”à altura” de usar seus vestidos, não se comede de reavê-los, independente da oportunidade e condições físicas da cliente no momento.

A obra apresenta um estado psicológico em que o protagonista projeta o comportamento de sua falecida mãe nas mulheres da sua vida, principalmente num momento de fragilidade ou enfermidade como se buscasse um redenção afetiva. Ademais, podemos conotar uma espécie de “Complexo de Dorian Gray”, dado que Woodcock descarta as modelos/musas/acompanhantes apenas por estas parecerem acima dos padrões de beleza (ou idade), cuja recompensa para o convívio com ele (ou serviços prestados) sejam um dos seus famosos vestidos – como se tal elemento fosse um prêmio único simbolizando sua arrogância e desleixo com suas protegidas como fosse peças descartáveis. Inclusive, não sendo coincidência que a única mulher em sua vida que Reynolds respeita (e teme) seja justamente sua irmã Cyril (uma excelente Lesley Manville exalando sagacidade e imponência), por ela ser vista como a mais forte representação física de sua mãe, onde inteligentemente o diretor insere um velada disputa entre Cyril e Alma pela alcunha de Sra. Woodcock.

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O estilista é uma personificação de egocentrismo que que vai sendo posto a prova depois de conhecer Alma, cujo relacionamento se torna cada vez mais intenso. Elogiável, portanto, a maneira que o roteiro (do próprio diretor) vai pautando as ações da jovem entrando na mente de Reynolds e demonstrando seu amor (normalmente não correspondido) gerando o principal conflito do filme.

Fora o fato da relação entre eles ser explicada por boa parte do comportamento amargo de Woodcock diante do sexo feminino (lembrando que Reynolds costuma tratar as mulheres que o servem com desprezo e o casamento ser interpretado como algo desonesto), acaba criando um cenário instável de duas pessoas sempre em rota de colisão;  até porque tal sentimento se relaciona diretamente às lembranças maternas devido ao vestido do casamento de sua mãe ser algo mais abstrato pela sua não localização (e deste contexto vem uma das metáfora ao próprio título e o conceito “Fantasma”). Ademais, não sendo para menos, que os figurinos são vistos como elemento puros, castos, com vida própria e servindo também como metáfora para a própria existência de Woodcock. Não sendo para menos, pois quando o artista se tornar o responsável pelo vestido de casamento da princesa e  o mesmo precisa de reparos urgentes devido a um acidente, a roupa é tratada como um paciente numa mesa de operação ao mesmo tempo que Reynolds se recupera de sua enfermidade – salientado pelos uniformes brancos das costureiras como se fossem cirurgiãs diante de um paciente moribundo.

Em seu dito último trabalho (o que o aumenta ainda mais como objeto de culto), Daniel Day-Lewis parece entrar numa forma de interpretação que ele molda ao seu bem entender, e ao repetir a parceria com o diretor, demonstra total domínio de cena. O ator transforma seu Reynolds Woodcock num homem de voz e gestos delicados, emanando uma sensação de autocontrole e segurança separadas por um tênue linha por momentos de irritação por motivos banais (como o fato de não suportar os barulhos de Alma ao comer e andar) resultando num aspecto de psicopatia e por vezes imaturidade.

Assim, Vicky Krieps realiza um grande trabalho e se torna uma presença suficientemente capaz de criar um embate ao personagem de Daniel Day-Lewis ao incorporar com competência o arco de uma garçonete do interior inicialmente inocente. Uma jovem que aos poucos vai demonstrando um desconforto por perceber que é tratada como uma espécime da moda como todas as outras; e ficando a mercê do seu criador para modificá-la ao seu bem querer através de suas roupas (“Posso fazer você aparentar ter mais seios, se eu quiser’‘) enquanto tenta aos poucos reverter o cenário de dominação por parte do amado. Inclusive, Vicky rejeita qualquer situação que não se adeque aos seus desejos, ou seja, mesmo com suas tentativas de uma relacionamento normal (onde um ”Eu te amo” é facilmente ignorado no dia seguinte), Alma demonstra uma determinação única e doentia para adentrar naquele mundo particular de Reynolds antes imutável (“Para evitar que meu coração amargo seja sufocado. Para quebrar uma maldição. Uma casa que não muda é uma casa morta“).

Demonstrando uma extrema fluidez e leveza na condução da narrativa, a direção de Anderson, por exemplo, resume a posição do protagonista de maneira elegante logo no seu início ao usar ângulos plongées (de baixo para cima) com a câmera percorrendo e elevando a imponência da residência de Woodcock e principalmente da figura representada ali, principalmente por tal sequência inicial ser finalizada num plano detalhe sobre a etiqueta com o nome do estilista. Inclusive, a fotografia (a cargo do próprio diretor, o que pode explicar o uso de menos planos mais abertos vistos nos trabalhos feito por Robert Elswit em Sangue Negro) é evocativa ao exaltar as cores dos vestidos através de uma luz fazendo as vestimentas tomarem uma aura quase divina e etérea; como podemos comprovar em um desfile de suas peças, onde, através de um plano sequência, Reynolds assume seu lado voyeur (Norman Bates?) ao observar suas obras através de um olho mágico. Não é por acaso, portanto, que a trilha de Jonny Greenwood quando não usa um tom mais minimalista, aposta sempre em acordes dissonantes e agudos de violinos, típicos dos clássicos do gênero de suspense.

Mesmo esticando um pouco seu terceiro ato, Paul Thomas Anderson é capaz de manter o espectador inserido dentro daquele cenário de amor profundo, incompreensão e dinâmica daqueles personagens. Reparem, por exemplo, na excelente construção e condução da cena de jantar entre Alma e Woodcock, no detalhes do gestos, no discreto sorriso de Alma ao perceber que seu plano está indo conforme planejado e na inserção da água enchendo um copo, como se engrandecendo o clima de tensão e humor negro – assim como a expressão de dubiedade de Reynolds em aceitar tal comportamento, provavelmente ciente do seu desfecho.

Trama Fantasma é um complexo jogo de mistérios, hipocrisias, dores e ciúmes de um relacionamento. Uma obra atemporal de contornos clássicos por abordar seres humanos em uma possível rota de auto destruição em nome de seus sentimentos. E neste cenário, de maneira tangente, a criatura molda seu criador à sua vontade e vice-versa, mesmo que interpretemos tal jogo como algo mórbido. E é nesta dicotomia incômoda – e doentia –  que o amor, para eles, se mostra.

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

11 thoughts on “Crítica: Trama Fantasma (Phantom Thread)

  1. Essa gente deve assistir o filme dublado e depois vem aqui dizer que não viu nada de mais nesse tal de Day Lewis… Melhor voltarem pras novelas mexicanas, cinema de qualidade não é pra qualquer um.

  2. filme chato, arrastado, enfadonho, futil, bobao, com uma mulher se submetendo a idiotices sem fim e a gente nao entende o motivo, ja que ela nao amava ele de cara. Terrivel.

  3. Day-Lewis me lembra fisicamente outro excelente ator, Billy Bob Thornton. Os dois são incríveis, conseguem alternar sua atuação de um papel para o outro, com extrema competência técnica, sem exageros, sem tiques ou nada assim. Mudam postura, cabelo, fisionomia, sotaque, expressões faciais e corporais, tudo sutilmente, naturalmente, organicamente… Tb gosto demais do camaleão Gary Oldman (sairá vencedor do Oscar esse ano, tenho fé!), que acho que já representou TODO tipo possível de personagem, sempre de forma incrivelmente competente.

    1. Marcos Paulo
      Bem vindo e obrigado pelo comentário.

      Bem, realmente Billy Bob Thorton é um ótimo ator (Fargo e Goliath estão aí para provar), mas ainda acredito que poucos podem ser comparados atualmente com Daniel Day Lewis.

      Abraços e agradeço por participar do debate

  4. bom filme, bos atores, boa direção, boa história… o filme que eu mais gostei no ano ate agora… e que deleite é ver o Day-Lewis atuar… maior ator de sua geração!

    1. Lucas,
      Bem vindo
      Tenho que discordar. Ninguém ganha 3 Oscars a toa.
      Abraços

    2. Maria Lucia
      Bem vinda
      Realmente o filme é um deleite e muito bem dirigido. E falar sobre a atuação do Day-Lewis é redundância.
      Obrigado pelo cometário.
      Abraços.

    1. Joseani
      Bem vinda
      Ele vai desistir da ideia, vamos torcer!
      Abraços

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