Crítica: 15H17 – Trem para Paris (The 15:17 to Paris)

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trem_poster-1 Crítica: 15H17 - Trem para Paris (The 15:17 to Paris)15H17 – Trem para Paris (The 15:17 to Paris)

Direção: Clint Eastwood

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Elenco: Spencer Stone, Anthony Sadler, Alek Skarlatos  Judy Greer, Jenna Fischer, Irene White, P.J. Byrne, Thomas Lennon e Ray Corasani

O diretor Clint Eastwood é conhecido pelo seu conservadorismo nunca escondendo de ninguém que, por ser republicano e eleitor de Donald Trump, a América “vem em primeiro lugar” – lembrando que o artista também é contra o desarmamento da população. Obviamente, não podemos levar somente isso em conta ao analisarmos sua obra (e sim aspectos narrativos do filme também), e jamais tentaria diminuir um dos maiores nomes do cinema e artista responsável por obras do porte de Menina de Ouro, Os Imperdoáveis e Bird. Até porque, política e cinema sempre caminharam juntos, apesar da surpresa ou desapontamento de alguns críticos ou formadores de opinião. Todavia, isso não significa que eu tenha que concordar com o que é mostrado, pelo contrário.

Assim, o diretor aos 87 anos parece não fazer mais o mínimo esforço para que seus filmes, como este 15H17-Trem para Paris, deixem de soar como uma propaganda armamentista, cheia de falhas, racista e moralmente ofensiva; parecendo que nos seus últimos anos de carreira ele esteja se dedicando aos heróis americanos comuns ou não (como visto em Sniper Americano de 2015), doa a quem doer. Ficando assim, um pouco longe daquele diretor que apresentou obras como Cartas a Iwo Jima e Conquista da Honra que conseguiram distribuir melhor a discussão dos dois lados de uma mesma moeda diante do contexto da guerra. Ademais, até mesmo em Sniper Americano que, por mais que reprove a glorificação de um assassino americano em terras estrangeiras, é possível identificar uma linha de pensamento do roteiro e as motivações (questionáveis, claro) através da qualidade de narrativa; algo que neste 15H17- Trem para Paris jamais acontece.

Por mais respeito que devemos ter à ideologia alheia, a crença política de Eastwood “apenas” propaga o armamento da população em tempos que jovens invadem escolas para praticarem chacinas. E mesmo que a mensagem seja clara, algo que muitos filmes não tem a coragem de fazer ao defender suas visões partidárias (como o filme da Lava-Jato), devemos lembrar que, como obra de arte, o longa ainda sim usa também de certo maniqueísmo e sutileza para plantar na mente do espectador suas ideias. Devemos lembra que “O objetivo da arte é transmitir a sensação das coisas tal como são percebidas, e não como são conhecidas” e neste caso a percepção do diretor é bem problemática.

O roteiro de Dorothy Blyskal baseado no livro de memórias de Anthony Sadler, Alek Skarlatos e Spencer Stone (interpretando eles mesmos) se mostra desastroso desde o início quando procura trabalhar a obra em três atos que praticamente não se comunicam, fora que são extremamente desinteressantes e cheios de lacunas pela motivações dos personagens nunca serem claras. Isso denuncia um paradoxo do filme em querer ser “mais realista que o próprio Rei”, principalmente por aparentar não ter tanto material para trabalhar, como visto inclusive no próprio Sully – O Herói do Rio Hudson, criando assim, barrigas no roteiro que não levam a lugar nenhum. Ademais, o fato dos atores não serem profissionais (lembrando que são os próprio envolvidos atuando), a direção ainda que corajosa pela decisão, se mostra inábil na condução dos mesmos elementos, uma vez que, por vários momentos falta introspecção, soando uma naturalidade forçada (como se alguém dissesse “agora é a sua fala!”) mesmo para pessoas “interpretando” elas mesmas!

Atos estes que trazem Spencer, Anthony e Alek se conhecendo no colégio ainda crianças, entre idas e vindas da sala da direção devido a indisciplinas (onde o negro é visto como o malandro e capaz de burlar o sistema); a segunda apresenta a passagem de Spencer pelo serviço militar e o terceiro é focado no atentando durante a viagem do título. Contudo, este que deveria ser o principal atrativo da obra acaba apenas se tornando alguns minutos de cenas no mais corretas com câmera tremida e ações de heroísmo sem qualquer preparação ou tensão maior. Inclusive, a montagem vai inserindo durante um curto tempo as passagens ocorridas no trem alternadas com o passado dos amigos, mas, ao dedicar boa parte do tempo ao passado dos jovens e a viagem pela Europa em si, acaba por fazer com que o espectador sequer lembre do que realmente o filme trata.

A narrativa se mostra perigosa e propagandista do velho patriotismo americano principalmente por ambientalizar um dos atos durante a fase infantil dos protagonistas; criando assim uma empatia de maneira sutil ao entoar uma memória afetiva através dos protagonistas mirins como se estivéssemos vendo um episódio de Stranger Things. Aliás, ao trazer os jovens sendo injustiçados, menosprezados, sofrendo bullying e perseguições do inspetor, o filme abre margem de entendimento – ou justificativa? –  que tal elemento, ao mesmo tempo em que pode entrar armado num local e matar inocentes, também pode ser um herói ao salvar um trem de um ato de terrorismo. Doentio, no mínimo!

Uma criança (no caso de Spencer) com fascínio pela vida militar desde cedo, que possui um arsenal de réplicas de armas em casa, usas vestimentas militares e tem na porta de seu quarto um pôster de Nascido para Matar (fora que o mesmo é enfático ao rasgar um cartaz de sua candidatura ao grêmio da escola em que ele estava armado com se demarcasse território). Não sendo a toa que a direção procure sempre apresentar Spencer como um rapaz amigável, sempre disposto a dar a vida em nome da pátria, sem qualquer traço de sociopatia e sim uma pessoa sempre sorridente e companheira.

Ademais, o diretor demonstra seu lado sexista e misógino às figuras maternas sem qualquer vergonha, pois quando uma das mães precisa enfrentar as dificuldades do filho diante do assédio no colégio, a solução fornecida pela filme é fazer com que o jovem seja criado com o pai ausente – demonstrando a ideologia machista que a própria escola religiosa prega. Uma mãe solteira cuja solução para os problemas na escola do filho seja feita através de suas crenças de que o “deus dela é maior” que a fé do diretor da escola, onde o design de produção faz questão de ressaltar os crucifixos e um enorme quadro de Jesus na sala do diretor da escola, ou seja, uma briga ecumênica que simplesmente se torna mais risível que qualquer outra coisa. Mesmo que fosse real, a obra apresenta de maneira abrupta a situação, e a mãe é vista como uma incapaz, fanática e que somente com a presença paterna poderia transformar o filho em”homenzinho” para enfrentar seus conflitos. E não para por aí, pois numa das cenas sem qualquer sentido (durante um alarme disparado na base militar), o diretor acredita piamente que, através das falas de Spencer, as pessoas que fogem destes momento são covardes (estamos falando de uma ameaça possivelmente fatal). Não me admiraria que Eastwood seja a favor que professores americanos tenham porte de armas nas salas de aula.

trem_meio Crítica: 15H17 - Trem para Paris (The 15:17 to Paris)Praticamente estereotipando todos os europeus do imaginário americano, as sequências passadas em Roma e Berlim são patéticas e trazem as mulheres sempre objetivadas e prontas para serem seduzidas (como podemos ver na atendente italiana “fogosa” do hotel e a comissária alemã do trem). Assim como temos o holandês viciado em “truffas” (como se todo holandês fosse usuário de drogas) e o guia turístico alemão visto como alívio cômico cantarolando “primavera de Hitler”, dando a entender que todos os habitantes tem apreço pelo passado nazista e que somente os americanos são os heróis da segunda guerra mundial.

Fora que as cenas na Itália, por exemplo, beiram ao amadorismo ao mostrar os heróis americanos passeando pela capital italiana, jogando moedas na Fontana de Trevi, visitando museus, andando de barco e pedindo pizzas nos restaurantes (com uma óbvia trilha ao som de “Volare Cantare”); fazendo o espectador sentir-se num programa de viagens da GNT – fora que no meio do caminho ainda conhecem uma americana (óbvio que rolou um clima com a moça) que simplesmente entra e sai do filme sem qualquer explicação. E não sendo o bastante nesta filmagem de férias, a direção não se cansa de mostrar os heróis como em uma representação da mente que parece ter parado no ano de 1945. Uma espécie de alegoria em que  os americanos surgem no trem como representantes da paz mundial ajudando os aliados na luta contra o inimigo (saem os nazistas e entram os muçulmanos). Inclusive (esta parte eu não me contive e tiver que rir), um dos personagens surge com uma camisa de um time de futebol alemão e ajuda um velhinho a chegar à plataforma.

Fora que é sintomático que o terrorista seja visto como um desconhecido, sem nome, inicialmente sem rosto (ajudado pelos posicionamentos da câmera sempre vista atrás do personagem sem denunciá-lo) e sem um impulso aparente (uma decisão sempre interessante, mas neste caso contextualmente nem tanto). Claro que a questão religiosa está intrínseca e houve sim uma grande ameaça a inocentes, mas duvido que a intenção da narrativa não tenha sido apenas alimentar uma visão de preto no branco na mente do público contra um vilão definido – até porque é mais que simbólica a maneira que o terrorista é carregado depois de capturado. Isso sem contar que a direção brinca de maneira indireta – e sutil – com esta visão simplista da sensação de segurança pelas mãos dos Estados Unidos quando, num determinado momento, um dos heróis entra armado no vagão apenas para que os passageiros levassem um susto como dissessem para o espectador: “Ufa, é um americano branco, estamos bem!”.

Finalizando com as imagens reais da premiação dos heróis, o filme ainda tem tempo, dentro dos seus curtos e sofríveis 97 minutos, para uma lição de moralismo como: “Onde há trevas, levarei a luz” e “Onde há dúvida, levarei fé“, denunciando ainda mais sua indulgência. Enfim, 15H17 – Trem para Paris é narrativamente falho e ideologicamente sincero devido ao seu criador (não podemos negar), mas ao concordar com tal premissa, o filme torna-se moralmente desprezível.

Nota 1/5

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

9 thoughts on “Crítica: 15H17 – Trem para Paris (The 15:17 to Paris)

  1. Menina de Ouro é um filmeco… as adversárias, principalmente a de cabelo azul, parecem vilãs de filmes de super herois, o cara é maniqueísta demais, me deixa put*

  2. ate nao vi muitos problemas conceituais com relaçao a armas, “exército”, e ideias de armamentização, afinal, isso é mais opiniao… mas achei o filme muito muito ruim e fraco, meu Deus, tudo isso potencializado pela atuação horrivel dos “atores”… filmes como Cidade de Deus que tb usou amadores nos papeis conseguiram resultados muito melhores, e tb achei o filme bem machista, coisa que olhando agora (falar depois é fácil, mas…) o Clint sempre foi

    1. Francine
      Bem vinda
      A intenção é que você visse e tirasse suas conclusões rs. Mas acho que não vai ser possível ne? rs

      Abraços

  3. Triste ver um diretor como ele caindo a cada novo filme. Autor de grandes obras, do ponto de vista técnico, começou a entregar longas ruins, com erros, direção falha, roteiros fracos. Uma pena. Esse novo filme pelo visto é uma patriotada ruim, panfletária e que expões o machismo e os preconceitos que ele sempre “não mostrou”, mas, dado o viés político, sua idade e sua origem, não chega a ser surpresa. Surpresa seria se um republicano, homem que foi sempre “comedor”, machão, brucutu, tivesse uma visão mais humana e igualitária da vida, das mulheres, de tudo. Com relação a conceitos armamentistas, por exemplo, apesar de discordar da visão “direitista” do assunto, discordo tb da “esquerdista”. Aliás, acho um equívoco que alguém já tenha opinião formada sobre um assunto tão novo, tão sujeito a conceitos antigos e pessoais, que ainda carece de estudos conclusivos e aprofundados. Pessoas se dizem a favor e contra com base em achismos, convicções pessoais sem fundamento, sem que haja um grande estudo informando as vantagens e desvantagens do armamento da população (as únicas informações são sempre as veiculadas pelos partidos a favor e contra, ou seja, só mostram o viés que lhes interessa). Qt ao filme do Sniper americano, discordo que o filme retrate um “assassino”. O filme mostra uma situação de guerra, com soldados em ambos os lados, fazendo seu trabalho (que, no caso, é matar inimigos). Se mostrasse ele matando a população não envolvida no conflito, daria para aceitar essa visão. Acho até que o filme foi mais longe do que poderia nesse caso, mostrando inclusive a distorção de quem é belicista e fica depois da guerra cultuando o uso das armas, inclusive um dos fanáticos é que mata o protagonista.

    1. Café
      Bem vindo

      Realmente, tenho que concordar, o nível vem decaindo e sua maneira de pensar velada cada vez mais exposta (apesar, como disse no texto, não considerar Sniper um filme tecnicamente ruim). Entretanto, mesmo assim ele ainda foi capaz de criar obras sensíveis dentro de um contexto como Menina de Ouro, As Pontes de Madson e Um Mundo perfeito.

      Bem, agora minha replicas sobre os outros pontos abordados : Eu não usei o termo direitista ou esquerdista em nenhum momento, todavia, é notório que por mais que você queira (e acho nobre) em não polarizar tal assunto, o diretor (através do seu filme) deixa bem claro a posição dele.

      E independente do assunto ser “novo”, acho que todos devemos ter uma opinião, isso não significa que não possamos mudar tal pensamento com o tempo. Contudo, devemos lembrar que tais tragédias ocorrem há década nos EUA e por isso não é correto dizer que a discussão seja algo novo – o documentário Tower relata o episódio ocorrido no Texas (estado conhecido pela liberação de porte de armas) em 1966.

      Quanto à falta de grandes estudos sobre as “vantagens” ou “desvantagens”, convicções pessoais e “achismo”, acho que as centenas de pessoas inocentes mortas nestes ataques são suficientes para encerrar a discussão. Até porque, o mais cruel, é que a discussão nunca foi sobre vidas humanas (o que é o mais grave) e sim sobra o poder da industria de armas dentro do congresso americano.

      E quanto ao Sniper ser visto como assassino, não há outro termo para ele. Independente das suas motivações, ele é um invasor que matou mais de 100 pessoas num país estrangeiro ( e sempre a distância, o que tira a opção de defesa do atingido). E se fosse o contrário? Como seria denominado um muçulmano entrando no EUA e matando do alto de um prédio centenas de pessoas? O problema que o diretor “esqueceu” que existem dois lados, duas vertentes defendendo seu interesse. Mas que no filme é sempre mostrado apenas um destes lados. Se considerarmos o protagonista um herói por matar em nome da bandeira americana, também deveríamos defender a posição das pessoas defendendo seu país.

      Enfim, agradeço o debate e espero que tenha contribuído para a discussão!
      Abraços

    2. Bom tema esse. Qd me referi a vantagens e desvantagens, quis dizer que ainda não há estudos conclusivos sobre se é melhor a populacao se armar ou não. Isso depende de muitos fatores. Vc pegar o numero de vitimas de um massacre como esse e usar como unica fonte de informações do caso fica muito rasteiro, pois nao se sabe ainda se a restricao às armas impediria o massacre (eles poderiam comprar no mercado negro), ou se uma populacao armada impediria isso. Alem do fato de que restringir apenas a idade menor ou outros fatores, mas nao a compra de armas em si, poderia ajudar ou nao. Enfim, como eu disse, por mais que alguns queiram e outros nao, a verdade é que ainda não se sabe qual o melhor caminho nesse sentido. Qt ao sniper ser assassino, ha um equivoco em sua linha de raciocinio. Ele é um SOLDADO, a serviço das forças armadas do seu país. Está em uma missão, em uma guerra (ainda eu haja ressalvas qt ao país invadido tb estar em guerra ou não, diplomaticamente falando). Isso é totalmente diferente de alguem sair na rua com um rifle a matar pessoas. Se um muçulmano entrar nos EUA por conta propria e matar pessoas, ele é um assassino. Se o Irã declarar guerra com os EUA e o exercito do Irã invadir a Florida, e soldados iranianos matarem americanos, eles não serão assassinos. São coisas diferentes, apesar de execraveis do mesmo modo. Mas sao diferentes.

    3. Café
      Bem vindo novamente
      Antes de mais nada, tenho que agradecer pela oportunidade de poder criar um debate através de uma crítica. Isso prova que o texto atingiu seu objetivo

      E acho que seu ponto de vista deve ser respeitado, e até entendo sua visão. Assim como é louvável que procure avaliar os dois lados da discussão

      Abraço

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