O Dia Depois (Geu-hu)

Direção: Sang-soo Hong

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ElencoHae-hyo Kwon, Sae-byeok Kim, Min-hee Kim e Yunhee Cho

Filmando ininterruptamente nos últimos anos e chegando ao seu terceiro filme em 2017 (Na Praia à Noite Sozinha e La Caméra de Claire também foram lançados ano passado)o diretor Sang-soo Hong mostra uma vitalidade artística que, para os que não conhecem tanto sua filmografia, possam considerá-lo a uma espécie de Woody Allen coreano. Portanto, assim como o diretor americano, Sang-soo apresenta neste O Dia Depois sua visão de situações tragicômicas de acasos dos relacionamentos pautados pelas idiossincrasias, dentro de uma narrativa que permita reflexões e julgamentos de maneira ainda mais delicada e introspectiva.

Kim Bongwan (Kwon) é o chefe de uma pequena editora de Seul, cuja esposa (Cho) desconfia da infidelidade do marido devido sua mudança de comportamento como o fato de acordar cedo para a prática de exercícios e sua mudança de humor repentina. A partir deste momento, e com a chegada de uma nova funcionária para a editora, a jovem Song Areum (Kim), Bongwan começa a refletir sobre seu comportamento e dilemas sobre seus sentimentos diante aquelas mulheres que permeiam sua vida. Para isso, o diretor faz uso da câmera de maneira econômica e eficiente por sempre se apresentar parada na maioria das vezes, mas movendo de maneira mais brusca apenas durante uma discussão como tivesse dando voz de maneira alternada ao envolvidos, um desentendimento de conhecidos através, usando inclusive, por exemplo, longos e contemplativos planos dos embates durante as refeições.

dia_poster O Dia Depois (Geu-hu)A bela fotografia em preto e branco de Hyung-ku Kim, além de ressaltar obviamente a atmosfera de pouca alegria e conflitos patrocinado pelo protagonista, serve igualmente para enaltecer o clima onde até a beleza de alguns raios solares na parede possa ser vista de maneira bucólica. Ademais, para engrandecer tal contexto, a direção explora bem os cenários em que se passa o longa, onde os personagens durante 99% do tempo encontram-se sozinhos por ruas vazias com pouco ou quase nenhum movimento de carros ou pessoas – auxiliado, claro, pelo enxuto elenco com apenas 4 personagens durante toda a projeção e aumentando a introspectividade da obra.

O design de som, inclusive, amplifica as nuances das conversas (talheres, copos, mastigação dos alimentos), dando naturalidade ainda maior no envolvimento com aqueles momentos. Como também é intrigante a trilha sonora pontuar o filme com seus acordes abafados e incômodos que, intencionalmente, dão um tom melodramático em alguns momentos.

Mas é na montagem não linear que O Dia Depois se destaca ao criar belos cortes que de tão fluidos acabam dando a entender que se trata da mesma cena (mesmo não sendo), como na sequência em que uma personagem, prestes a sair do banheiro, abre a porta e surge outra pessoa, mudando completamente o contexto e situação – o que torna ainda mais elogiável que parte de uma linha temporal do filme se passe durante o primeiro dia de trabalho de Areum.

E até mesmo usando um contraste mais gritante, o diretor consegue criar uma naturalidade e evolução dos relacionamentos de maneira igualmente natural, como visto na cena em que o protagonista e sua funcionária estão almoçando para posteriormente sermos inseridos dentro de um discussão dele com a amante durante um outro almoço no mesmo local. Interessante, portanto, a direção usar a dinâmica dos atores e seus posicionamentos para criar um interessante cenário levemente cômico e inusitado como em um determinado momento, quando Kim está se explicando a esposa que acredita que a jovem funcionária seria a dita amante, para mais a frente a mesma funcionária assumir o posto da acusadora quando ele toma um decisão que a prejudica.

Mantendo o público sempre como testemunha daqueles conflitos, a direção jamais permite sentirmos alguma artificialidade nos dilemas do protagonista e na influência que o mesmo acaba exercendo na vida daquelas mulheres tão distintas, mesmo sem grandes profundidades; principalmente através da presença de Song Areum que se apresenta com uma persona quase antagônica de Kim, mas ainda personalidades que se completam: se ele sente peso da realidade (e idade), onde as palavras por vezes sejam brutas demais para compreender o que se passa na sua realidade, ela é mais crente dentro de um tipo de verdade mais voltada à suas crenças, mortalidade e fé no mundo – e assim talvez seja a maior vítima da obra mesmo que jamais assuma um postura defensiva.

Além do mais, é uma tarefa árdua deixarmos de julgar o comportamento de Kim, ainda mais quando, no ato final do longa (auxiliado novamente pela bom trabalho da montagem), a direção gera um espécie de reviravolta dando ferramentas suficiente para comprometer o personagem e seus atos. Mas ainda sim, devido a sinceridade e casualidade dos sentimentos envolvidos é igualmente difícil condená-lo de imediato pelo seu caráter e infidelidade (algo comprovadamente vil dentro de um círculo comportamental masculino egoísta e covarde). Claro que isso não o redime (ele está errado), mas diante do tempo que cura (ou não) tais sentimentos, presenciamos uma parte de vidas distintas que seguem em frente, cujo fatos estão sempre a espreita de todos.

Nota 4/5

 

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

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