Crítica: Você Nunca Esteve Realmente Aqui (You Were Never Really Here)

7

DireçãoLynne Ramsay

Roteiro: Lynne Ramsay

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Elenco: Joaquim Phoenix, Ekaterina Samsonov, Judith Roberts, Alex Manette, Dante Pereira-Olson, Frank Pando e John Doman

Nota 4/5

Você Nunca Esteve Realmente Aqui poderia facilmente – inconscientemente ou não – entregar parte de sua narrativa a um thriller de ação ou suspense que, mesmo trazendo temas como abusos de menores, ainda assim correria o risco de subjugar vários aspectos pessoais da história em detrimento de uma narrativa comum. Todavia, a diretora Lynne Ramsay, assim como feito no inesquecível Precisamos Falar sobre Kevin, jamais cede a qualquer narrativa que não seja para exaltar o estudo de seus personagens, seus traumas, lembranças e violência a que estão submetidos de maneira incômoda (inclusive, ao apresentar suas inspirações em Taxi Driver, por exemplo, a direção de Ramsay demonstra total controle sobre tais elementos ao usá-los a seu favor e criar suas rimas); o que de certa maneira não deixa de ser uma análise sobre sua temática!

Iniciando com planos fechados, simbolizando um sufoco de Joe preso em um mundo particular, a obra já começa de maneira eficaz ao montar sua história: um ex-militar e agora um assassino de aluguel de poucas palavras, morando com a mãe com saúde debilitada pelo Alzheimer (com quem tem uma relação de extremo carinho, mas desgastante); sobre o qual, aos poucos, vamos conhecendo e construindo um cenário sobre seu passado, família e danos emocionais que o transformaram no que ele é hoje. Neste momento que o roteiro da própria diretora, baseado na novela de Jonathan Ames, demonstra suas qualidades de maneira econômica sem jamais deixar de ser completo, pois se inicialmente não sabemos exatamente o que Joe faz ou suas motivações, são através de pequenos detalhes que vamos montando tal cenário psicológico. Tanto que o longa é envolvente ao submeter seu protagonista em uma espécie de jogo conspiratório sem que jamais tome proporções que não sejam pessoais, e tenha poucos envolvidos, o que ajuda na identificação com os acontecimentos (seria muito fácil cair na armadilha de uma trama que envolvesse políticos onde houvesse uma recompensa final, uma denúncia a uma pessoa poderosa com exposição na mídia etc…).

Assim, Joaquim Phoenix é absoluto em sua personificação de um personagem que jamais duvidamos de sua brutalidade através de uma aura de discrição, cuja aparência desgrenhada, suja e emanando dor interna (e externa), entrega uma composição memorável e forte suficiente. Um homem perigoso, brutal, solitário e transitando entre este estado animalesco e um aparente autocontrole; situação vista em detalhes, como o fato de suas memórias – ao manusear uma doce – remetem a lembranças que ele evita fazer. Tanto que, inteligentemente, a direção engrandece sua essência sem exatamente apelar para grandes embates físicos, pois se testemunhamos um corpo de um inimigo caído, tal contexto é mais que suficiente para acreditarmos em sua capacidade . Fora que a direção consegue trabalhar a dinâmica entre Joe e Nina (Samsonov) de maneira intrínseca, onde suas tragédias e abusos são ingredientes que os unem dentro de uma jornada física e psicológica (trazendo obviamente a mecânica comportamental de Travis e Iris de Taxi Driver, como dito anteriormente).

Mas se a complexidade de Joe já tinha elementos suficientes para torná-lo célebre, a direção usa de rimas visuais de maneira elogiável que fecham de maneira simbólica os arcos (violentos), como fato de Joe calorosamente retirar os óculos de sua mãe que estava a dormir, para que tal cena tome um contorno completamente diferente quando ele repete a ação posteriormente , onde tal momento serve como estopim para outra sequência cheia de simbolismo ocorrido em um rio. Assim, como é psicologicamente aterrorizante, que o método permeado de brutalidade de Joe (devido ao uso de um martelo), tal ferramenta é mais que um “objeto de trabalho”, mas um expurgo auto-punitivo de seu passado de violência patriarcal. Ademais, a trilha de Johnny Greenwood dá o tom perturbador ao protagonista e seu mundo com acordes dissonantes e desconfortantes pontuando de maneira que remeta até mesmo a uma obra de terror; o que não é por acaso que tal elemento se faz presente durante o final do longa de maneira eficiente – tanto gráfica quanto psicologicamente.

Entendendo a alma por trás dos seus personagens, Você Nunca Esteve Realmente Aqui é complexo em trazer tais indivíduos que carregarão fardos e traumas que talvez nunca superem (principalmente no caso de Joe). Assim, não me pouparia em dizer que seus arcos são mais que conflitos dramáticos, mas instintos de sobrevivência.

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

7 thoughts on “Crítica: Você Nunca Esteve Realmente Aqui (You Were Never Really Here)

  1. Vim pelo comentário do autor em outro post. Excelente crítica, e excelente filme! Parabens Rodrigo! Quem espera só ação e lutas como se fosse um filme do Jason Bourne, vai se decepcionar. Quem gosta de um filme com conteúdo intelectual e emocional, vai adorar.

  2. nao gostei do filme o protagonista é um cara 100% antipatico como vc compra uma historia com um protagonista que vc odeia?

  3. Filme vai flopar… nao emenda sequencias alucinadas de ação, lutas e tiroteio, não entrega tudo mastigadinho pro espectador, é “cabeça”… galera analfabeto funcional de cinema vai reclamar geral: “filme chato”, “muito parado”, “enfadonho”, “nao entendi”…

  4. olha so que legal qd eu soube desse filme nao tinha a menor intencao de assistir ele mas ao ler essa critica passei a querer ver, parabens sr Rodrigo pela excelente explanacao sobre o filme, e convenhamos que atorzaço é o Joaquim Phoenix ne

    1. Josiane
      Bem vinda
      Obrigado por despertar o interesse em ver o filme. Acho isso um elogio como crítico !
      E realmente Joaquim Phoenix é excelente
      Abraços

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