Crítica: Sem Data, Sem Assinatura (No Date, No Sign)
Diretor: Vahid Jalilvand
Roteiro: Vahid Jalilvand
Elenco: Amir Aghaee, Navid Mohammadzadeh, Zakieh Behbahani, Hediyeh Tehrani e Alireza Ostadi
Nota 4/5
Admito que o cinema iraniano tem me encantado toda vez que o visito, mesmo que de maneira esporádica durantes os anos; seja através de uma obra de Abbas Kiarostami como Cópia Fiel, o belo Táxi Teerã de Jafar Panahi ou os premiados longas de Asghar Farhadi com O Apartamento, A Separação ou A Procura de Elly. Obras tão contemporâneas como reveladoras sobre uma sociedade sempre em conflito entre a tradição e a modernidade de um país que surpreende aos olhos de boa parte do ocidente. Assim chegamos a este Sem Data, Sem Assinatura do diretor Vahid Jalilvand mantendo a qualidade através de uma narrativa bem conduzida, apresentando personagens em conflitos com suas consciências dentro de drama e conflito de classes.
Depois de um acidente de trânsito envolvendo o Dr. Nariman (Aghaee) e a família de Moose (Mohammadzadeh), o médico aconselha a levar o caçula da família para um hospital para averiguar os ferimentos, e mesmo após a recusa do pai, o contratempo parecia resolvido. Entretanto, dias depois, com o falecimento de um dos envolvidos, o filme levanta a dúvida de negligência entre o médico e Moose. E nesta situação, somos inseridos imediatamente dentro do cenário social iraniano; um choque cultural e um panorama social de um homem simples com sua família em conflito com um reconhecido e bem sucedido médico forense. Onde, até mesmo o conhecido patriarcalismo do país é visto de maneira complexa, uma vez que as mulheres vão se impondo diante dos maridos de maneira crescente.
O roteiro do próprio diretor jamais se mostra frágil, tanto ao desenvolver dos fatos em si relacionados ao acidente (criando uma dramática sucessão de tragédias pessoais) como ao apresentar aqueles personagens (sempre emanando remorso pela suas ações) sempre influenciarem o outro de maneira distinta, mas intimamente ligados e levando sempre a questão moral ao extremo ao alternar seus pontos de vista de maneira fluida. E sempre conseguindo deixar os motivos da morte do menino em suspenso por mais que as provas sejam contundentes em relação a intoxicação alimentar.
Por exemplo, se Moosa é visto pela esposa como responsável direto pela sua perda (e tal culpa o fará tomar decisões sem volta), Nariman convive com a incerteza que a morte da criança pode ter sido ocasionada por negligência resolvida com alguma quantia. Fora que ao levar sua dúvida adiante, ele mesmo entra em confronto com a esposa que realizou a primeira autópsia e o fato de ele sempre ser visto como padrão moral no ambiente de trabalho onde é constantemente solicitado ao atendimento de pessoas mais simples – agrava tudo, pois ele mesmo recusou chamar a polícia por estar com os documentos do carro atrasados em meses.
Inclusive, a direção por várias vezes leva o espectador apenas como testemunha daquele cenário ao trazer a câmera na posição de passageiros dos veículos, como comprovamos em uma cena que apenas visualizamos dois personagens discutindo do lado de fora do carro. A fotografia merece destaque por apresentar sua lógica ao trazer o longa sempre mergulhado em uma palheta de cores lavadas, quase cinzas, simbolizando uma atmosfera em que a dor e falta de vida são presentes todo o tempo.
Ademais, é elogiável que Jalilvand mostre uma coerência até mesmo em seus planos, pois ao manter sempre planos médios e fechados, ao abrir os planos a cena se torna bem mais impactante e ainda servindo como dicotomia social dos personagens, como podemos ver no momento em que Moosa expurga aos gritos sua dor dentro de um lixão (algo assim) enquanto ou doutor se mostra dentro de uma grandiosa cozinha de um apartamento – isso sem contar, abrindo neste caso um aspecto de importância cultural, a cena do enterro que não poderia ser mais dolorosa. Além disso, em seus minutos finais, a direção se mostra eficiente ao emanar sentimentos de dúvida do doutor apenas criando contraponto de elementos simples, pois se a seqüência se inicia com o barulho da maca correndo pelos corredores e portas sendo abertas de maneira abruptas, é emblemático que depois de obter a resposta, somos tomados pelo total e assustador silêncio destes mesmos corredores desertos do hospital ecoando uma resposta que provavelmente não saberemos qual será.
Elogiável, portanto, que a força de seu elenco seja matriz principal da história, principalmente na presença de Navid Mohammadzadeh que transita entre o exemplo patriarcal iraniano – sem jamais deixar de mostrar afeto e proteção à família – para o desespero e tom total de culpa na sequência ocorrida no abatedouro; onde cada palavra emana uma sensação de dor, veracidade (voracidade) e angústia, fazendo rapidamente nos identificarmos com aquele homem sem nada a perder. E mesmo que não precisasse, a presença de Navid acaba que contaminando o restante do ótimo elenco, como podemos ver na interação com o próprio Nariman.
Se mantendo seguro em sua história, Sem Data, Sem Assinatura ratifica sua aura de uma obra onde a culpa pode até ser admitida (mesmo que estes não sejam vistos como vilões ou realmente tenha sido causadores de determinado fato), mas jamais poderão imaginar que possam chegar perto de alguma redenção.
Rodrigo Rodrigues
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circulo vicioso: é voltado pra um publico seleto, logo poucos cinemas exibem, logo a bilheteria é fraca, logo menos cinemas querem exibir, logo o publico fica mais seleto… e por ai vai
Babolat
Bem vindo
Realmente se torna um circulo viciosos, a questão de bilheteria etc… Todavia, discordo quando diz que é feito para um público seleto (principalmente quando se trata de um filme de um país estrangeiro). Não existe esta diferenciação de filmes ”cult” com os ditos ”comerciais”. E o fato de você assistir tais filmes não o torna mais seleto. São filmes que tratam de aspectos humanos e sociedade geral. E isso é fundamental para entendermos o mundo que nos cerca.
Abraço e espero que possa retornar em breve
Na pratica é para publico seleto sim, pq o grosso do publico quer Michael Bay, explosoes, tiros, efeitos especiais, qd vc faz um filme no estilo desse aqui da critica vc ja sabe, por bem ou por mal, que tem um publico alvo seleto, pode ser chato admitir isso, mas na pratica todo mundo sabe
esses filmes orientais devem ser incriveis, um dia terei coragem de assistir, tenho medo de ser algo muito massante e tedioso, mas parece bom
Bem vindo
Não precisa de coragem, somente assista. Cinema é muito mais que filmes hollywoodianos. E a partir que você se permitir conhecer outras culturas, conflitos e situações, seu horizonte se expande! Te garanto.
Abraço e muito obrigado pelo seu comentário.