Crítica: Entre Facas e Segredos (Knives Out)

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Direção: Rian Johnson 

Elenco: Ana de Armas, Daniel Craig, Jamie Lee Curtis, Chris Evans, Toni Collette, Don Johnson, Michael Shannon, Lakeith Stanfield, Katherine Langford, Jaeden Lieberher, Riki Lindhome, Marlene Forte, Frank Oz, Edi Patterson, M. Emmet Walsh e Christopher Plummer

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Nota 4/5

Funcionando como uma homenagem aos clássicos de Agatha Christie (Hercule Poirot e Miss Marple) e Conan Doyle (Sherlock Holmes), o diretor Rian Johnson (Star Wars: Episódio VIII – Os Últimos Jedi) faz de Entre Facas e Segredos uma agradável e revigorante obra baseada nos clássicos da literatura policial sem jamais perder o tom característico que beira ao caricato e humor (quase no estilo de um Assassinato por Morte, mas bem mais sutil), onde tal capacidade de controle narrativo sobre o material salta aos olhos e o separa, por exemplo, de J. J. Abrams com seu A Ascensão Skywalker, na qual ele notadamente perdeu o controle sobre o material.

Após a morte do patriarca e famoso escritor de novelas de mistério, Harlan Thrombey (Christopher Plummer), o detetive Benoit Blanc (Craig) é contratado para investigar o caso; suspeitando de toda a família o detetive precisa de toda a habilidade e paciência para desvendar que é o culpado. E se falarmos, por exemplo, em desconstrução, o próprio Daniel Craig tem a proeza de conseguir encarnar nuances da imponência de seu James Bond, mas completamente tomado pela astúcia as vezes discretamente atrapalhada de Blanc.

Astucioso em inserir outros gêneros de maneira sutil (como noir), o diretor mostra habilidade no roteiro ao usar o ponto de vista do espectador (mas com este ciente inicialmente dos fatos, antes dos personagens); assim Rian Johnson vai envolvendo o público com se levasse para a tela elementos vivos dos livros protagonizados pelos detetives de Christie e Conan Doyle. Trazendo de maneira eficaz elementos de “pista e recompensa” (como, por exemplo, as facas que permeiam o ambiente), Rian ainda é capaz de saltear elementos sociais e políticos (ops, fujam, fandom!) com a presença da personagem Marta Cabrera (de Armas, excelente) em que a família Thrombey, por mais que insista em dizer que Marta “faz parte da família”, mostram que, ao jamais acertarem sua nacionalidade (ora equatoriana, ora paraguaia, uruguaia e até brasileira), demostram todo o desapego à jovem imigrante – tal contexto me fez remeter a uma espécie de “Assassinato em Gosford Park” ao grosso modo de gente que diz que “começou do zero”, mas sem mencionar que teve um aporte milionário por trás (como aqueles comerciais de fundo de investimento que os defensores da meritocracia amam). Aliás é uma metáfora bem clara, e bem vinda, que a própria família Thrombey  seja uma representação da América, não sendo para menos em que seu plano final, o longa deixa claro sua intenção de inverter o status quo.

Contando com um elenco que compra a ideia do diretor, o cast demonstra entrosamento e engrandece a própria sátira social como, por exemplo, o fato de que um dos netos de Harlan seja visto como “trolador de direita, nazista e que se masturba no banheiro” e o fato de que uma discussão familiar seja “embasada” porque alguém “viu na internet” sobre determinada pessoa ou assunto (algo que incomum hoje em dia). Vemos, portanto, personagens que se tornam interessantes dentro daquele universo e que possuem personalidades distintas e carismáticas (Jamie Lee Curtis, Chris Evans, Don Johnson, Toni Collette e Michael Shannon trazem um peso e um humor, quando necessário, de maneira densa e eficiente através de seus personagens).

Apresentando um design de produção que é o sonho de todo leitor de mistério, o filme explora de maneira fiel os ambientes da mansão e seu exterior como o espectador estivesse lendo realmente um livro do gênero e as pistas que ele oferece, inserindo o público naquela atmosfera (jamais sombria, ressalte-se). Ademais, vale mencionar a capacidade da montagem e do roteiro em trazer as informações de maneira sucinta (seja um flashback ou uma teoria do que pode ter acontecido) sem que o espectador se perca ou sinta-se ofendido ao oferecer elementos óbvios, mas que passam despercebidos e que vão tomando proporções maiores; e se tinha informado que em determinado momento o ponto de vista é assumidamente daqueles personagens, quando nos damos conta, nem o espectador sabe o que irá acontecer mais. E neste ponto, quando um filme, independente do gênero, alcança esta simpatia com o público, é quase um jogo ganho!

Enfim, Entre Facas e Segredos usa o potencial que apresenta durante seus 130 minutos e demonstra capacidade de criar um suspense agradável sem apelar para elemento narrativos amadores e ainda assim conseguir imprimir personalidade própria. Algo que muitos filmes milhonários não conseguem!

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

23 thoughts on “Crítica: Entre Facas e Segredos (Knives Out)

    1. engraçado como o Johnson aqui fez um humor certeiro, coisa que no StarWars dele saiu uma porcaria

    2. nao vi nada de errado no que ele fez em Star Wars, tava bem legal o humor

    3. por exemplo no SW ele inseriu gags em momentos errados, como qd a Rey entrega o sabre pro Luke ou entao qd o Luke enfrenta a primeira ordem e no climax do filme, qd todos os walkers atiram nele e ele sai ileso, era hora de espanto dos soldados, mas o Johnson insere o Hux fazendo uma piadinha infantil… ja no Entre Facas as tiradas nao estragam os momentos, pelo contrario

    4. Karina
      Bem vinda
      Obrigado pelo elogio. Isso significa que o texto atendeu sua expectativas. Me conforta muito rs
      Abraço

    1. Ed Consultor
      Bem vindo
      Bem , caso não tenha visto, sugiro “Testemunha de Acusação”.
      Abraços

    1. Issa
      Bem vinda
      Bom que tenha gostado e obrigado por expor sua opinião aqui!
      Abraços

  1. Rian Johnson é um cara inteligente e politizado. Se ve as tentativas dele de criticar os tempos atuais, com os personagens citando o Trump e sua politica imbecil. Por outro lado, como todo engajado, o Johnson so critica a direita, nao se ve nada dele contra a esquerda, como se a esquerda nao tivesse suas mazelas tb. E qd o Johnson quer lacrar demais, como em Ultimos Jedi, ele exagera e perde o foco, ja nesse Facas e Segredos ele se segura e entrega algo mais coeso.

    1. Guesli
      Bem vindo

      Desde já agradeço por participar da discussão e por ler nosso texto. Isso é muito importante!

      Bem, todo artista é POLITIZADO (ou pelo menos deveriam), pois usam a ARTE como ferramente de trabalho – e a arte SEMPRE é política. Eu não fico ofendido com o fator do diretor criticar um lado , pelo contrário, eu acho pior alguém se ofender quando ele critica um sistema opressor a grande parte das pessoas (como , infelizmente, acontece com boa parte dos fãs de STAR WARS). No entanto , em O ULTIMO JEDI ele criticou o que seria a “esquerda” através do personagem de BENÍCIO DEL TORO que fornece armas para os dois lados.

      Eu não consigo entender (não estou dizendo que é sobre sua opinião, ok? ) a lógica de LACRAR seja algo ofensivo quando se procura criar uma maior representatividade no cinema. Durante décadas o cinema foi plataforma para um sistema dominado por homens brancos (e ainda é), e nunca se falou em “lacração”. Mas basta uma mulher , um negro ou um latino assumir um filme de uma grande franquia, cujo diretor procura criar um contexto politico e social (sempre presente na saga) vira lacração ! Não entendo.

      Enfim, quanto ao Entre Facas e Segredos eu discordo quanto ao fato de ele se segurar. A protagonista é uma latina que subverte uma situação e acaba dominando o poderio americano (no caso a família protagonista)

      Obrigado pelo comentário e espero ter agregado a discussão

      Abraço

    2. acho que no caso a birra com a lacração é no sentido que ela precisa destruir o outro lado e isso incomoda… por milenios o machismo e o patriarcado imperou, e agora na tentativa de acabar com isso, o feminismo vai ganhando força, mas alguns exageram e passam a fazer uma especie de inversão, de jeito que não se fale em direitos “iguais” mas sim em um ódio aos homens… Ultimos Jedi foi isso onde pra elevar Leia, destruiram o Luke de todas as formas possiveis, ainda que alguns vejam isso como uma evolucao natural do personagem e bla bla bla mas a verdade é que sim fizeram o possivel para desconstrui-lo e poder no episodio 9 fazer de Leia a grande protagonista da trilogia, infelizmente a atriz faleceu e os planos foram por agua abaixo… outro exemplo: a Rose e o Finn foi claramente um romance para preencher cota lacradora, pq ali nao há nenhuma quimica, historia, nada que justifique a historinha deles em Canto Bait, e isso irrita é isso tem que acabar mesmo o padraozinho homem branco heroi e mulher fragil salva, mas por goela abaixo essas lacracoes irrita

    3. em fAcas e segredos sim ele nao lacrou ele fez tudo do jeito certo, inclusive com metaforas muito boas da representatitivdade e ate citacoes anti Trump ai sim nao teve lacracao ve a diferenca, como um saiu forcado e o outro saiu organico? veja a serie how to get away with murdre com a Viola Davis la tem de tudo, gays, lesbicas, bi, negros, etc, sem lacracao, tudo naturalmente, a protagonista é mulher negra (ok deram uma forçadinha numa temporada e jogaram um passado bi pra ele mas blz kkk foi bem feito e nao lacrou)

    1. Coronel
      Bem vindo
      Obrigado pelo comentário. Bom que gostou do filme!
      Abraço

    1. Tati
      Bem vinda
      Sim, ele esta no filme. Faz uma participação importante!
      Abraço

  2. Last Jedi: roteiro cheio de furos e erros e decisoes sofriveis
    Facas e Segredos: roteiro impecavel
    Nos dois a direção foi boa… resumindo: o Rian é bom diretor, se tiver um bom roteiro a disposicao

    1. Karol
      Bem vinda
      Quais são os furos de roteiro que você identificou em LAST JEDI?
      No caso do Rian Johnson realmente ele é bom diretor. Lembrando que Entre Facas e Segredos o roteiro é dele!
      Abraço

    2. Rodrigo, nao faz sentido a Leia e a Holdo nao contarem pro Poe o plano delas, e deixar ele até fazer motim na nave. Rey e Poe se cumprimentam no fim do filme como se nunca tivessem se conhecido, mas em Despertar da Força eles se reuniram juntos na celebração do ataque à Starkiller. Luke cria a ilusão dos dados do Solo pra Leia (que depois deixa la jogado no chao kkk quanta consideração) e mesmo depois da morte do Luke, os dados continuam la no chão pro Kylo achar. Nem vou falar do lance Finn/Rose e sua idiota ida a Canto Casino pq nem é furo de roteiro é só roteiro ruim mesmo.

    3. Karol
      Bem vinda e agradeço desde já usa participação. Mesmo !
      Bem, uma das vantagens de um boa construção narrativa é que ao tomar certas decisões somos compelidos a aceitar instintamente os fatos (claro que nem sempre funciona). O fato de ficarem combustível e a primeira ordem não, e mesmo assim eles seguirem perseguindo os rebeldes, foi mais um decisão óbvia não? até porque se fazem o que sugeriu o filme acabava ali. rs

      Mas brincadeiras a parte, a própria saga de STAR WARS possuem vários “lacunas” neste quesito. Se quiser pode ler aqui um text que publicamos antes (http://maxiverso.com.br/blog/2017/12/15/analise-entendendo-os-ultimos-jedi-e-o-novo-star-wars/)

      Obrigado

    4. Ah e a perseguição à frota rebelde convenhamos foi tosca heim. Ok os rebeldes nao terem combustivel pra fugir, mas a Primeira Ordem tinha combustivel, bastava dar um salto à frente e volta, pegando os rebeldes de frente, fala serio… foi muito mal feito aquela perseguição. Last Jedi vale pelos momentos do Luke, mais nada. Pior, como ficou ruim, e muita gente com razao reclamou, em Ascensao Skywalker tudo em Last Jedi acabou ignorado. E eu fui um dos que gostou de ver o Luke dizendo que aquele nao era o jeito de tratar uma arma Jedi, toma essa Rian Johnson, aprende que pra empoderar um nao precisa destruir o outro!

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