Crítica: O Escândalo (Bombshell)

5

Direção: Jay Roach

Elenco: Charlize Theron, Nicole Kidman, Margot Robbie, John Lithgow, Kate McKinnon, Allison Janney, Connie Britton, Liv Hewson, Mark Duplass, Brigette Lundy-Paine e Malcolm McDowell.

Nota 3/5

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Durante determinado momento deste filme, um jornalista masculino – ao interpelar uma mulher por ela questionar determinado comportamento – pergunta se ela o faz por “ser feminista”. Nesse momento já nos damos conta de que aquele universo masculino tóxico da TV tem como pensamento confundir (com desdém) direitos básicos e profissionalismo como se fossem algo específico das pautas feministas. Não que não seja, mas tal argumento serve na cabeça dos homens apenas como uma réplica, que deveria, na visão deles, invalidar o argumento feminino.

Se apresentando como “baseado em fatos reais”, mas soando quase como uma ironia por representar e caracterizar figuras amplamente conhecidas da mídia americana e assim não ter “nada de coincidência”, O Escândalo, dirigido por Jay Roach, apresenta as diversas denúncias vindo de jornalistas capitaneadas pela famosas âncoras Gretchen Carlson (Kidman) e Megyn Kelly (Theron) contra o então CEO da Fox News, Roger Ailes (Lithgow), durante os anos em que o executivo esteve à frente da famosa e influente emissora estadunidense.

Roteirizado por Charles Randolph (A Grande Aposta), O Escândalo tem sua montagem bem semelhante ao filme de 2015 sobre a crise imobiliária ao apostar em uma narrativa dinâmica e fazendo uso da quebra da quarta parede (principalmente com a personagem de Margot Robbie); ademais, mesmo trazendo uma atmosfera bem menos pesada e sisuda que A Grande Aposta, ainda assim mostra-se eficiente em não deixar de trazer o peso das denúncias e de como tais elementos serviram como gatilho para que outras mulheres se levantassem contra o assédio.

Gatilho esse que deu voz a mulheres como Rudi Bakhtiar, que em 2006 (caso não esteja enganado) teve sua carreira praticamente finalizada por não aceitar o assédio de um colega de profissão, e os fatos abordados agora dão uma pequena dimensão do horror psicológico e físico causado e o sofrimento em silêncio que esta sofreu.  E não somente ela, mas todas as outras profissionais do setor televisivo (algumas claramente já não mais tão novas, como visto nos depoimentos em determinado momento do filme) passaram pelo mesmo, ou por situações parecidas. Ou como o fato de se inibirem (política e pessoalmente) no exemplo visto na personagem interpretada por Kate McKinnon, uma “democrata que não saiu do armário” tenha sua sexualidade como um elemento perigoso, por não ser vista com alvo – e assim uma demissão seja algo iminente.

Inclusive, ao pintar o prédio da Fox News como QG do conservadorismo e da extrema direita americana, o longa deixa claro como a empresa usa todo seu poderio para destruir ou pavimentar o caminho de acordo com seus interesses (“TV tem que ter alguém no leme, senão dá uma guinada para a esquerda”, como disse em certo momento Roger Ailes, antes das denúncias de assédio sexual virem a tona). Assim, é louvável toda a coragem das duas âncoras em suas denúncias contra a própria empresa sabendo que seu futuro dentro do jornalismo estaria comprometido, uma vez que nenhuma outra TV aceitaria com facilidade as profissionais pela influência da própria Fox News. Principalmente quando, diante do lema “assustar e estimular”,  os seus executivos acham que por ser um mídia visual, seria uma desculpa para exigir que suas jornalistas usassem vestidos mais curtos como chamariz para o noticiário. E um dos grandes exemplos deste cenário doentio se dá logo após um entrevista, quando o então candidato Donald Trump ataca Megyn com insultos misóginos como “raiva menstrual”; e adivinhem de que lado a opinião pública (maioria homens brancos, héteros e de “cidadãos de bem”) ficou? nem precisamos responder, porque é o que acontece aqui no Brasil também.

Sendo assim, é elogiável a presença de Nicole Kidman, que inicialmente vai aceitando parte daquela objetificação (já logo afirmando que isso não é um padrão a ser seguido pela mulheres) durante seus anos como apresentadora de um programa matinal para, logo após, perceber que sua presença  (leia-se “aceitar um assédio”) não será mais necessária.

E se Charlize Theron se destaca com imponência ao retratar Megyn (apoiada por um excelente trabalho de maquiagem e figurino, a deixando quase idêntica à Megyn original), mesmo que a apresentadora na vida real tenha uma bela ficha corrida de intolerância e preconceito (como o caso de racismo em que protagonizou devido a um blackface), é Margot Robbie que tem os mais importantes momentos ao misturar doçura e determinação de iniciante para rapidamente constatar o jogo sujo, criminoso e doentio em que é submetida, como visto na forte cena em que é “entrevistada” por Roger e em que percebemos todo o dano físico e psicológico a que é submetida, devido ao trauma em ter que expor seu corpo.

Três mulheres representando situações similares, como um exemplo do passado, presente e futuro de um padrão de comportamento imperdoável. E por mais simples que seja, o recurso de tentar humanizar o personagem de Lithgow acaba surtindo o efeito desejado por passar uma imagem familiar e mesmo com as denúncias, o mesmo ainda tenta se passar como um homem somente “atrevido”.

Acho uma pena, ao meu ver, portanto, que o filme abandone um elemento como Trump e sua eleição em seu final (algo importante no primeiro ato do longa), pois todo o modus operandi da conservadora e apoiadora rede de TV representante do conservadorismo americano resulta na eleição dele como presidente, soando como uma “vitória” do patriarcalismo maléfico; até porque Rudolph Murdoch (dono da Fox News, na presença ilustre de Malcolm McDowell) e seus filhos (abordados quase como caricatura pela semelhança na maneira de agir) tem relacionamento estreito com Trump ao ponto de combinar, assim como fazia com Roger, os passos dados na sua eleição e nos assuntos abordados pela emissora em suas entrevistas.

Mas apesar disso é indiscutível que a semente plantada pelas denúncias começaram a dar frutos com o surgimento de movimentos como o #MeToo, e assim esperamos que tais denúncias contra o machismo nocivo possam fazer com que um dia esses canalhas se sintam intimidados a seguirem o assédio como se fosse “um direito” deles e um “destino” que as mulheres são obrigadas a cumprir. E por mais que ainda tais seres asquerosos sejam eleitos para cargos políticos, ainda acredito que tais movimentos de resistência são também vencedores por jamais deixarem essas mulheres sem voz novamente.

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

5 thoughts on “Crítica: O Escândalo (Bombshell)

  1. um filme com esse elenco merece ser visto, baixei ele ontem e amanha a tarde vou me deliciar com essa grande obra, certeza

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