Crítica: The Post – A Guerra Secreta
The Post – A Guerra Secreta
Direção: Steven Spielberg
Elenco: Meryl Streep, Tom Hanks, Bob Odenkirk, Bruce Greenwood, Mathews Rhys, Michael Stuhlbarg, Jesse Plemons, Travy Letts, Sarah Paulson e Alison Brie.
The Post – A Guerra Secreta, assim como o vencedor do Oscar 2016 Spotlight e tantas obras do cinema investigativo são vistos como filhos daquele é considerado a referência maior de filmes jornalísticos do cinema: Todos os Homens do Presidente de Alan J. Pakula. E não é para menos, o filme de 1976 se tornou célebre ao mostrar ao público as entranhas do processo de Watergate culminando com a renúncia de Nixon. Portanto, é visível que Steven Spielberg não poupe a imagem do ex-mandatário americano, onde o ex-presidente é sempre visto como alguém vilanesco e capaz de usar todo o poder como presidente para retaliar quem seja.
Obviamente não se trata somente da abordagem sobre o governo de Nixon (sempre mostrado de costas e usando as gravações originais em que ele ameaçava a imprensa), mas de toda a política de manipulação da opinião pública, o anacronismo (hoje transformado em “pós-verdade”) e desinformação que levaram, por exemplo, Trump ao poder (até porque isso não é “privilégio” americano, uma vez que o mundo passa por uma onda de conservadorismo). Contudo, como obra de arte, o novo filme de Steven Spielberg (lançado apenas um ano depois de seu último filme nos cinemas, o que pode denunciar certa pressa no resultado final), ainda que escorregue nas suas idiossincrasias particulares, é capaz de impor o sentido de urgência auxiliado pela presença de Meryl Streep e Tom Hanks.
O filme é sobre a falta de liberdade de imprensa, a questão do jornalismo investigativo, a imprensa servindo ao povo e não aos governantes. Governantes estes, como tão bem disse um personagem, que se acham o próprio Estado. E qualquer afronta a eles é vista como traição, sem levar em consideração que omitir informações à população já é um grave ato de traição, principalmente se tal omissão levar à morte milhares de jovens numa guerra insana. Assim, imperando a hipocrisia da política, o governo americano usa seu discurso da paz mundial para apenas manter o controle do eleitorado e manipular a opinião pública. Nada que infelizmente não saibamos, mas o diretor vai um pouco mais fundo na questão ao usar, por exemplo, Ben e sua decepção com figuras que ele mesmo tinha certa admiração como John Kennedy que, assim como Lyndon Johnson, também usou tais artifícios.
Iniciado durante o conflito do Vietnã, o longa já apresenta um contraste interessante e pautando todo contexto da obra: a presença de uma máquina de escrever simbolizando a importância e a força que as palavras e informações terão diante do público. Principalmente quando o personagem McNamara (Greenwood) oculta a verdade durante a coletiva ao dizer que os EUA progrediram contra o inimigo mesmo que as informações no campo de batalha digam o contrário. E assim somos apresentados à redação do jornal The Post pertencente à Kay Grahan (Streep) e comandado pelo editor Ben Bradlee (Hanks) que sem grandes furos de reportagem fica a margem do jornalismo e cobrindo notícias sobre o casamento da filha do presidente – ao contrário dos seus concorrentes, como The New York Time, que saíram na frente com as denúncias divulgadas através do jornalista Daniel Elseberg (Rhys). Um jornal que ainda precisa equilibrar seus lucros como toda empresa, mas que através de sua dona ainda tem em mente que o lucro virá através da qualidade (algo que se pensarmos no contexto de hoje, soa quase como um idealismo inocente).
O roteiro de Liz Hannah e Josh Singer (roteirista também de Spotlight) trabalha duas linhas de ação divididas (que somente entrarão em sintonia mais para o meio do filme): a questão financeira através das decisões de Kay com relação à sobrevivência do jornal e o núcleo editorial propriamente dito, liderado por Ben. O que acaba tornando o primeiro ato pouco claro, não dizendo muito ao que veio e que acaba causando certa confusão com nomes e pessoas sem um ponto em que direcionar o público em sua denúncia.
A dinâmica entre Tom Hanks e Meryl Streep é funcional por ser mantida de maneira nobre através do sentimento de respeito de um pelo outro, mesmo com pensamentos inicialmente conflitantes, onde ela preza pela cautela e a responsabilidade de centenas de empregos, e Ben jamais deixaria fatores externos mancharem seu idealismo de uma imprensa livre. Até porque, sua decepção com o governo se torna cada vez maior, uma vez que o envolvimento dos presidentes anteriores (incluindo JFK no qual ele tinha uma grande aproximação) também se beneficiaram das mentiras descobertas através dos relatórios. Um homem que no dia a dia não se permite questionar os meios até as fontes, assim quando um funcionário pergunta para Ben sobre a legalidade de uma ordem dada, a única lógica que vem a sua mente é: “Como acha que ganhamos a vida por aqui?!”. Até porque um dos mantras do filme é: se um jornal publicar com medo de ser repreendido, este mesmo jornalismo já não existe mais.
E se Hanks vai rapidamente transitando entre a empolgação e medo do envolvimento a cada nova informação coletada, Streep é quem possui o arco mais identificável ao apresentar sua personagem como única mulher num mundo exclusivamente masculino, cuja presença feminina não passava de objetos decorativos e que precisam, por exemplo, se ausentarem depois do jantar para os homens conversarem sobre os negócios – ou que ficavam em casa fazendo artesanato. Portanto, Kay tem consciência de que precisa provar sua capacidade diante dos investidores, ao mesmo tempo temendo por suas decisões por nem sempre se sentir segura, nem que para isso precise endurecer suas palavras e assumir de vez sua posição.
Para agilizar a narrativa, a direção de Spielberg mantém quase sempre sua câmera indo e voltando acompanhando os personagens em pequenos planos sequência característicos do diretor para dar a dimensão daquele contexto. Entretanto, o mesmo demonstra certa pressa na composição das cenas ao transformá-las quase em peças coreografadas cujas marcações dos atores são bem definidas, mas que às vezes incomoda, como visto numa das conversas entre Kay e Ben na residência da primeira. Contudo, o diretor ainda mostra maestria para conduzir uma sequência, como visto na conversa telefônica entre vários participantes, cujos cortes se aceleram denunciando a urgência da ação dos repórteres com poucas horas para consolidar milhares de páginas e culminado num plano acima de Key em que a câmera vai girando para simbolizar a dúvida de levar adiante a publicação que poderá trazer graves consequências ao jornal.
Assim, é igualmente válido notar o design de produção ao reconstruir com detalhes o clima da redação do Washington Post. Principalmente ajudados com planos nos maquinários dando a dimensão de um mundo analógico com seus tubos pneumáticos levando as informações aos porões da redação e os mecanismos de um jornal dos anos 70. Mas mesmo assim, se tornando de certa maneira atemporal pela necessidade do contexto em privilegiar as informações e o trabalho jornalístico tido como um campo de guerra, independente da época retratada.
Obviamente, como não poderia deixar de ser, Spielberg volta a dar seus escorregões no sentimentalismo e moralismo, principalmente quando tais cenas são vistas como pano de fundo das resoluções do filme. Ou seja, se num determinado momento o filme simplesmente para de maneira brusca para anunciar a decisão da justiça (como se dissesse: “Olha vamos dizer algo importante!”, “Esta prestando atenção?”), o mesmo podemos dizer para a cena entre Key e sua filha lendo uma carta, cuja sequência poderia sem problema algum ser descartada. Mesmo assim é elogiável a decisão que o longa não se entregue ao clímax de tribunal e todos seus clichês quase inevitáveis, ainda mais quando nos últimos segundos do longa Spielberg rende homenagem de maneira direta ao próprio “Todos os Homens do Presidente“; numa espécie de epílogo bem encaixado que por momentos fiquei com a sensação de que os personagens de Robert Redford e Dustin Hoffman pudessem surgir (o que seria algo simplesmente genial se acontecesse).
The Post – A Guerra Secreta consegue atingir seu objetivo. E caso façamos um exercício de comparação, é interessante mencionar que após a sessão que estava presente, ecoaram gritos a favor da liberdade de imprensa daqui. Todavia, mas não menos grave, o maior problema da imprensa aqui (a mainstream, pelo menos) não é a falta de liberdade exatamente (apesar de que por momentos ela é ameaçada, principalmente quando se volta contra o sistema), mas usar seu poder para servir como porta voz de uma elite política e determinados grupos econômicos como sempre aconteceu – e que agora ressurge com força. E se baseando nisso, nosso jornalismo diariamente dá provas de sua condenação. Infelizmente.
Nota 4/5
Rodrigo Rodrigues
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Spielberg nao consegue mais fazer filmes grandissimos, mas mesmo assim faz excelentes filmes. Tropeços como o Cavalo de Guerra ainda assim são acima da média. É um dos 5 maiores diretores de cinema dos últimos 30 anos.
Samy
Obrigado pelo comentário.
Como cresci assistindo aos grandes filmes do diretor fico até mesmo em posição desconfortável para criticar rs.
Tropeços como certeza Spielberg teve (fato). Até porque a exigência com ele sempre será maior. Mas mesmo assim, Spielberg sem ser grande ainda é melhor que muitos filmes.
Abraço
Sou “Spielberguista” de carteirinha desde E.T. Sempre que o diretor lança um filme (seja ele bom ou ruim) estou lá na porta do cinema para conferir. O anuncio deste filme, me deixou meio preocupado, se iria ver uma produção enfadonha e chata, de um pessoal correndo pra cima e pra baixo dentro de uma redação de jornal enquanto investiga um caso…um grande engano, graças, o filme é sensacional, e Spielberg dirigiu com maestria, levando primeiramente as pessoas direto a Guerra do Vietnã pra depois construir a história em si. Meryl Streep está otima como sempre, praticamente fazendo um grande papel e o Tom Hanks, bem, este ai, parece que faz sempre o mesmo papel nos filmes, mas está bem ao lado da Sra.Streep. O final fazendo uma ligação com o evento que posteriormente levaria Nixon a sua queda final, faz o filme uma espécie de prequel não oficial de “Todos os homens do presidente”. Abraços.
Curiosidade: O filme The Post é inspirado na aventura de Katharine “Kay” Graham e do editor Ben Bradley que, em 1971, divulgaram no seu jornal – o Washington Post, os “Pentagon Papers” sobre o envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietmam, desafiando a proibição do governo americano. Esta decisão mudou para sempre a história do jornalismo nos Estados Unidos. Em 1971 o New York Times começou a publicar documentos secretos sobre o envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietmam, desde os tempo de Eisenhower. Depois de 2 dias de publicações o jornal foi proibido de publicar mais sobre estes Pentagon Papers …e foi aí que o “Washington Post” de Katharine “Kay” Graham pegou neste arriscada tarefa e decidiu publicar os documentos proibidos. Katharine tinha herdado o jornal do marido e, arriscando o futuro do seu Washington Post, decidiu publicar os documentos proibidos que o público precisava de conhecer.
Realmente o filme e otimo, meus parabens vão para o diretor de fotografia que fez um trabalho excepcional. Meryl Streep está otima como sempre mas não acho que merecesse a indicação ao Oscar.
No geral fiquei muito satisfeito com o filme, e bom ver que Spielberg esta conseguindo contar esses fatos históricos sem cair na pieguice, como foi com Lincoln. Concordo com a nota.
Stalker
Bem vindo
Bom que gostou do filme. Se quiser pode discorrer mais sobre o trabalho de fotografia que te agradou. E Spielberg fez o filme não somente por questões históricas, até porque o filme também é um crítica ao governo americano atual. A nota em si (4) é um mero detalhe…rs
Abraços e obrigado pelo comentário.
quase dormi no filme