brutalista

Direção: Brady Cobert

Elenco: Adrien Brody, Guy Pearce, Joe Alwyn, Raffey Cassidy, Isaach De Bankolé, Alessandro Nivola, Peter Polycarpou e Felicity Jones

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Quando a frase “Nós toleramos vocês” é dita em determinado momento de O Brutalista, trata-se do entendimento final de todas as discussões sobre os subtextos contidos nesse épico sobre as mazelas do sonho americano.

Usando contornos religiosos emaranhados dentro do capitalismo como base da sociedade americana, a obra do diretor Brady Cobert é uma antítese desse sonho quando o László Tóth (Brody) chega aos Estados Unidos fugindo no pós-guerra em 1947. Imigrante judeu, sem dinheiro, longe da família e tendo que trabalhar numa loja de móveis com um primo que teve que mudar o nome – e religião – para ser incorporado na sociedade em pleno vapor da industrialização.

László é um corpo estranho ainda maior quando suas habilidades arquitetônicas são usadas para preencher o vazio da visão limitada do capitalismo sobre cultura – representado na figura de Harrison Lee Van (Pearce), de origem igualmente imigrante.

Se László pensa sempre na arquitetura com finalidade da inclusão e pensamento coletivo, o personagem de Guy Pearce usa seu poderio financeiro de maneira privada quando contrata László para criar um prédio dentro das suas terras em homenagem à mãe falecida. Até porque, por mais criativo que László seja, o ego do capitalismo/Harrison não aceita ser confrontado e todas as inserções deste demonstram um intenso debate de ideias, onde a arte deve gerar lucro sempre. Mas esse debate é mais bem sucedido devido a certa sutileza em apresentar esses confrontos visualmente, como planos que julgo poderosos diante do fundamentalismo a que László deve ceder em nome de sua sobrevivência

brutalistaP Crítica: O BrutalistaSe a estátua da liberdade surge inicialmente em um ângulo inverso para conotar esse sonho americano às avessas, é igualmente conflituoso que a cruz seja igualmente invertida dentro do projeto, assim como os contornos das estruturas e guindastes sejam vistos também como uma alusão religiosa e morte; não sendo a toa que o filme traga uma referência clara à famosa cena final do Sétimo Selo de Bergman.

Portanto, elogiável também que a direção de Cobert trate a construção de László como um mausoléu, algo já natimorto; um confronto ideológico de quem realmente seria o dono daquele local, uma vez que o local é uma representação (como uma obra de arte deve ser) sobre a experiência do seu realizador no campo de concentração. Assim, como vale ressalta o bom trabalho da trilha sonora que aposta em sons de batidas de construção ritmando uma espécie de base operística, seguindo a lógica imponente da obra.

Fotografado através de Vistavision (técnica que basicamente usava as películas na horizontal ganhando mais espaço para exibição, mas que infelizmente poucas salas hoje têm a capacidade de exibir desta forma), o diretor de fotografia Lol Crawley faz um trabalho coerente ao posicionar a câmera em planos médios como se quisesse manter o espectador numa posição segura daquela historia, o que poderia ser um desperdício devido a maneira como foi filmada, mas ao abrir os planos – seja para mostrar as construções e valorizar os ambientes de um país literalmente sendo erguido em concreto -, entendo a lógica do filme.

Tanto que no único momento que tenta criar algum tipo de proximidade com o protagonista é logo no inicio, quando ele fecha o plano para gerar desconforto devido à fuga do personagem; e não sei se o fato do filme não abordar muito esse contexto seja pelo fato de querer manter uma distância do personagem de Brody em O Pianista.

O Brutalista tem ares de biografia, mesmo que László Tóth seja um personagem fictício (e tive que fazer certa pesquisa sobre o assunto para entender sobre o movimento), mas entendo as reclamações dos profissionais de arquitetura sobre os erros de datas e nomes que com certeza a obra deve trazer.

Mas, liberdades à parte, o filme não é sobre esse movimento em si, e sim, sobre a percepção humana através dessa forma de expressão e Adrien Brody é intenso ao representar isso. Ele surge com uma fragilidade (repare no carinho e afeto que ele emana ao rever o primo), cuja adaptação às situações no decorrer a história é feita de forma segura como se sua vida dependesse da sua postura (e depende) diante de uma ideologia e poder acima de sua capacidade artística. Ao ponto que Guy Pearce surge como uma montanha russa inicialmente de arrogância e violência por ter sua casa “invadida” por uma minoria, mesmo com a racionalidade sempre perdendo para o ego que o poder traz levando a autodestruição. Ao ponto que Felicity Jones é quase um complemento de László devido a sua ideologia e estranhamento a aquele universo, privilegiando o pessoal (“Este lugar está podre. A paisagem, a comida que comemos. Todo este país está podre”), mas cujo desempenho é obrigado a ceder escolhas do roteiro em apelar para exagero dramático, como visto na sequencia do jantar em que confronta a família Lee Van.

Contudo, se a primeira parte do filme é mais bem sucedido por certa sutileza, o segundo ato é marcado pelo filme ceder a uma narrativa mais pragmática; como disse, além do exagero dramático, tem o fato de querer assumir com certa pressa e sua veia biográfica – a meu ver – desnecessária. E fico pensado que o diretor decidiu pelo corte em duas partes justamente para evitar um cansaço maior, mas é uma decisão do diretor e respeito, assim como respeitaria a decisão do diretor que não fizesse o corte assim; Scorsese, por exemplo, usou quase o mesmo tempo para O Irlandês, mas sem intervalo. Mas o melhor é que jamais foquemos nesse tipo de discussão!

O Brutalista ainda é um filme sobre usar a arte como veículo do bem estar das pessoas, um refúgio para manter sã uma mente destruída pelo terror. A arte nem sempre é barata, isso custa recursos – às vezes altos – mas também é sobre ocupar os espaços dedicados ao vazio existencial corroído pelo dinheiro. É um embate de poder entrar na mente do outro e transformar o bruto dos contornos da alma humana em autoconhecimento.

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Rodrigo Rodrigues

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