Crítica: Pequenas Coisas como Estas

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Direção: Tim Mielants

Elenco: Cillian Murphy, Eileen Walsh, Giulia Doherty, Rachel Lynch, Aoife Gaffney, Faye Brazil, Agnes O’Casey, Louis Kirwan, Michelle Fairley e Emily Watson

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A profissão de carvoeiro de Bill/William Furlong (Murphy) traz simbolismo após mais um dia entregando as encomendas: a lavagem das mãos sujas diariamente após expediente, traz conotações religiosas que ficarão mais claras no decorrer do filme. Mas isso não seria necessário, pois para um morador de uma pequena cidade da Irlanda nos anos 80, o conceito religioso e suas influências ainda são mais explícitos.

peuP Crítica: Pequenas Coisas como EstasCasado, cuja esposa – assim como maioria da população – usa a doutrina da igreja católica como bússola moral dentro da rotina de um casamento prosaico, Bill é um pai atencioso com suas cinco filhas ao tentar ajudá-las com trabalhos escolares, dons musicais e, claro, dividindo a preocupação da esposa para que nenhuma delas se “desvirtue” (mas esse medo de abandono, para Bill, é estendido a todas as crianças por motivos óbvios). Inclusive, a ausência de um filho homem eleva ainda mais pressão (não levar seu nome adiante), e é vista apenas como um protocolo social, pois seu sobrenome materno é uma maneira da manter as memórias da mãe viva. Ademais, tal conceito serve como evento desencadeador para um dos vários traumas do passado do Bill criança, principalmente a perda, quando morava numa casa de uma rica mulher que o tratava também como filho. 

Pressão Religiosa? Assédio? Gravidez Precoce? Tudo é possível naquele contexto relacionado a Bill.

Esse é um dos méritos da direção desse ótimo Pequenas Coisas com Estas em deixar esse elo com o presente do protagonista como algo que vamos compreendendo a medida do tempo (e a narrativa que se desenvolve paulatinamente é crucial para isso); e assim cada vez mais ficamos apreensivos ao nos darmos conta desse sofrimento, que ele pouco deixa transparecer.

Entrecortando o passado do protagonista e o presente, a montagem é eficaz para apresentar esse contraste (nem tão diferente, dramaticamente falando), realçada pela fotografia que deixa um grande espaço e luzes para o jovem em seu entorno para, quando adulto, os planos serem mais fechados nos ambientes domésticos e a iluminação das ruas tomadas pelas sombras deixam os becos na cidade, como se realçasse a mente de Bill em conflito interno.

Silencioso, é notável como Murphy faz para transparecer os sentimentos  dessa forma (incluindo revolta) quando presencia uma violência a jovens mulheres dentro do convento em que faz serviço. Além do mais, é igualmente revelador por parte dele ao tomar a decisão de fazer o personagem contrair sua postura diante de uma autoridade religiosa; autoridade que inicialmente faz Bill não se envolver nos assuntos devido ao medo, mas também serve como um novo gatilho para não se calar mesmo com a repercussão negativa diante da sociedade ao expor a situação das garotas (“Bill, você sabe como as pessoas pensam caso faça algo” – questiona a esposa ,”Sim, sei exatamente como elas pensam” – diz ele).

O que não deixa de ser mais notável: a capacidade da direção em tornar o já citado silêncio do filme em uma poderosa ferramenta para envolver o espectador ao criar uma tensão eficiente, como visto na sequência com Emily Watson como irmã Mary. Um olhar frio e atento da personagem, sua voz em tom firme e com ações de ordem que se confundem com conforto, é apenas um véu do tipo de comando, subjugação e autoritarismo.

Mesmo com um pesado fardo (não somente físico, devido à profissão), William Furlong é uma vitima de um tipo de crime que se perpetuou durante séculos “Em nome de Deus” como justificativa para purificar as almas perdidas de mulheres oprimidas e violentadas. William entende dolorosamente isso, e ao deixar de ceder a esses medos, estendendo a mão a quem precisa (nem que seja apenas uma moeda diante de um momento de preocupação) é um grande gesto de altruísmo e amor.

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Rodrigo Rodrigues

Você é chato demais com alguns filmes para alguém que diz gostar de Cinema. - Eu não “gosto” de Cinema. Eu amo Cinema! Mas quando não gosto do que vi, eu não engulo!
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