Análise: Cristopher Robin e o desentediamento infantil
1) Levantar de manhã, brigar com o sono; 2) cuidar da higiene matinal; 3) partir para o café da manhã ou partir com o café da manhã; 3) realizando essas tarefas enquanto vai atualizando, escutando o jornal ou dando uma espiada na vida alheia; 4) Segue para um tempo ou um bom tempo num trânsito cansativo; 5) Chegar e correr para o trabalho ou estudos; 6) Agora são longas e intermináveis horas em que o relógio nos hipnotiza; 7) Falações sem fim e fome que aperta nosso estômago e nós que nos apertamos, pois temos que comer (as vezes) e bem rápido, para ganhar mais tempo… 8) A tarde, mais horas de correria e agora contra o tempo, pois parece que a manhã não rendeu e quando rende parece que temos que dar mais de nós… 9) Fim do expediente, para aqueles que tem fim (os que não, vão ficar trabalhando), enfrentar mais alguns tensos momentos no trânsito para volta…. Não para casa NÃO, para estudar, aprimorar, ter uma atividade física…, para otimizar o trabalho; 10) Só depois nos damos um pequeno luxo de – em casa – ter alguns minutos com a família; 11) Hora de dormir, não sem antes dar uma revisada pelo menos mental, nas tarefas do trabalho da manhã seguinte (quando não vamos com relatórios e pastas para cama…. Afinal os “Sonhos não se fazem sozinhos é preciso lutar e trabalhar muito por eles”…).
E assim entre no modo repeat e siga todas as instruções de novo, de novo, de novo, até você perceber que o tédio e o estresse de lutar por um sonho que você nunca deixa chegar, já chegaram.
Pois é, nesse mundo de “tempos pós modernos”, cada vez mais complicado e repetitivo, cada vez mais mecânico, o cinema nos brinda com obras como Mary Poppins, BIG – Quero ser Grande, Em Busca da Terra do Nunca, Toy Story 3, dentre outros, que relembram nossa criança interior e nos fazem pensar como brincar faz falta ao nosso dia a dia…
E é isso que Christopher Robin – Um Reencontro Inesquecível, adaptação/remake/continuação em live action dos livros e desenhos do Ursinho Pooh vem fazer. O Filme inicia com o último encontro desses amigos e desenvolve-se em forma de livro infanto juvenil com as passagens da vida de Cristopher. Essa parte, que se assemelha ao começo do filme UP – Altas Aventuras, é muito terna e reflete como as circunstâncias e adversidades nos moldam, como somos chamados a ser adultos e muitas vezes forçados. Forçados pelos outros ou por nossas necessidades. E quando percebemos, vivemos num tédio muito desumano e consumista – que acaba nos consumindo.
E por um disparate, por milagre ou pela arte, somos jogados novamente junto com nossa criança interior (e bem criança, com negações, birras, manhas e ataques de ira), fazendo de modo apressado e desajeitado o que antes não tínhamos tempo para fazer!
O filme vai trabalhar todas as questões de maneira muito sutil e “fofa”. Lógico que o filme se vale da nostalgia, principalmente para aqueles que como eu amavam assistir o desenho do Ursinho Pooh nas manhãs do SBT. Só que a obra não se resume a ser mais uma da onda nostálgica oitentista. A referencia está ali! O andar se equilibrando do Pooh pela ponte, os poemas melancólicos do Io, a madeira jogada na água, a ponte, as paisagens e até a perigosa cascata. Todas essas referências são lindas e emocionantes, todavia elas são um pano de fundo para lembrar-nos de porque não fazemos mais isso, porque não tiramos tempo para ir a “lugar algum” ou para “não fazermos nada”.
O filme família tem sua parte infantil aflorada quando encontra uma Medeline (a filha do Robin), aliás as formas de como os encontros e reencontros se dão são muito reflexivas e oportunas, que levam pro momento aventura. Isso é ponto alto do roteiro, que consegue fazer a animação se expressar e se fazer sentir para diversas idades.
Aliás o roteiro é muito filosófico: as falas simples do Ursinho Pooh, a verborragia do Io, ou a erudição esquecida do Coruja, sintetizam e contrastam os sentimentos do Christopher, que sempre é puxado por frases curtas para comparar sua vida atual com o que ele quer e o que de fato está perdendo! O filme joga questões e puxa essas discussões apontando de forma bem explicita as diferenças do tédio, do ócio produtivo e da criatividade
E tudo isso é brindado com a direção de Marc Foster, que já demonstra uma cativa habilidade de dirigir história adaptadas com o cuidado de introduzir conceitos novos e utilizar a nostalgia como ponto de empatia e não de cafonice. E os protagonistas Hayley Hatwell, Bronte Carmichael estão excelentes. Sobretudo Ewan McGregor, que volta ao sotaque britânico, fazendo um tipo comum de homem cotidiano, mas que nos identificamos nele – o que abranda o preocupado Cristopher.
Notamos também a trilha sonora sofisticada com aquela sensação de chamada do desenho, o que acentua os pontos altos do roteiro e que são brindados por uma múltipla fotografia com vários tons de acordo com as passagens dos atos e das personagens. O que ajuda a sentir como se estivéssemos ainda lendo um livro ou vendo um cartoon!
Não que o filme não tenha uns defeitos (e poderia ter explorado mais algumas personagens e situações) e tenha um final apressado. E mesmo que o final do filme pareça simplista, lembre-se: ele quer que você tenha contato com o seu lado infantil…. e quando crianças, por mais elaborados e mirabolantes que fossem nossos planos, nós só queríamos ver o fim de forma simples para poder brincar ou ficar com a família.
Aproveite o filme e vá para chorar – nas duas primeiras sessões que vi, a choradeira foi geral… – e para rir, descansar e sair da sessão com alguns novos bordões e ensinamentos como “As vezes a melhor coisa a fazer é fazer coisa alguma, fazer nada!”
Derlei Alberto
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filme meio fraco tecnicamente, mas caramba pega vc em cheio na nostalgia, eu derramei um suor hetero dos olhos k k k k k
Visual e sonoramente, além dos efeitos digitais, o filme não fica devendo muito às outras superproduções recentes da Disney. A fotografia de Matthias Koenigswieser aposta em temperaturas frias, mas faz uso elegante da granulação e de luzes duras para criar uma forte atmosfera de época. A trilha musical da dupla Geoff Zanelli e Jon Brion, então, apresenta a mesma elegância e também é criativa no uso de certos instrumentos, como as trompas que representam os temíveis Efalantes que rondam o decadente Bosque dos Cem Acres.
Em toda a minha infância Christopher Robin se chamava Menino Cristóvão, deixa como era poh. O mesmo fizeram com o Caco o Sapo, que pra se aproximar do original virou Kermit, poxa, se toda criança brasileira viu o desenho dublado como Caco ou como Menino cristóvão, deixa assim, é o fator nostalgia.