o-ultimo-azul-meio-amargo-2-1024x576

Direção: Gabriel Mascaro

Elenco: Denise Weinberg,  Miriam Socarrás, Adanilo, Rosa Malagueta e Rodrigo Santoro.

Anúncios

A qualidade dos filmes do diretor Gabriel Mascaro não é somente soar como uma penúria sobre um contexto social, e sim, mergulhar de maneira tão singular dentro daqueles personagens em busca de um alento sobre seus conflitos.  Uma análise micro, mas de extrema amplitude sobre nossa própria realidade tão próxima quanto daquela vividas por eles ; seja na visão infantil e melancolicamente colorida de Boi Neon (2015) ou no perigoso fundamentalismo religioso visto em Divino Amor (2019). Assim, em O Ultimo Azul, Mascaro continua usando seu cinema para essas discussões dentro de uma distopia brasileira cada vez mais realista, mas também trazendo tons surrealistas (devido ao um elemento que dá o título ao filme) como fuga mesmo que às vezes de maneira inconsciente.

azul Crítica: O Último AzulAgora conhecemos Tereza (Weinberg), cujo grande desejo é viajar de avião, mas deve ir para uma espécie de retiro devido uma lei que obriga todos idosos ao atingirem os 75 anos de idade (ela está com 77) como uma espécie de aposentadoria compulsória. Assim, O Ultimo Azul já escancara o drama do etarismo numa sociedade que não aceita perder recursos com essas pessoas, e o fato da polícia usar literalmente uma carrocinha (“cata-velho“) para capturar os idosos soltos na rua, tornando essa cenário ainda mais agravante por tratar parte de nossa população como algo descartável.  Ademais, não é um exercício difícil imaginar que tipo de ideologia controla a sociedade, até  porquê o fato de marcarem a casa dos idosos com uma espécie de louro da vitória – e presentear com uma medalha pelos anos dedicados ao país – , só não é hipocritamente menor que o perigoso simbolismo que isso traz como feito no regime nazista e seu antissemitismo. A diferença que o regime é substituído aqui por um mercado que faz vista grossa para regimes ditatoriais, mas é um cão raivoso quando se tratar amenizar as mazelas da população. Obviamente, e mesmo estando numa distopia, claramente identificamos o contexto do filme se passando no norte do Brasil em suas palafitas e cidades desassistidas confirmando a visão do diretor em jamais abandonar a crítica social sobre pautas sempre presentes.

Fotografada com uma beleza envolvente por Guillermo Garza, o visual do filme não desperdiça suas locações com suas metáforas, como por exemplo, para o aprisionamento de personagens como Cadu – na ótima presença de Rodrigo Santoro -, e sua lisérgica busca sobre fantasmas do seu passado. Assim, como usar os caminhos suntuosos dos rios Amazônicos como símbolo do percurso de Tereza diante das incertezas dessa jornada país adentro. Sendo assim, a jornada de Tereza é engrandecida pelo seu crescimento e revelações até mesmo sobre sua sexualidade, o que nos traz a presença da excelente atriz cubana Miriam Socarrás como uma missionária vendedora de bíblias digitais para população Ribeirinha. O que não deixa de ser interessantemente sutil o fato do filme justamente criar o refúgio das personagens exatamente através da religião; algo que pelo contexto, mesmo não tão explícito como em Divino Amor, tal ingrediente sempre é algo recorrente em regimes em defesa da família tradicional.

O Último Azul é levado junto com o comportamento de sua protagonista e Denise Weinberg constrói de maneira natural a personagem em jamais cair numa armadilha de tornar Tereza numa personagem ranzinza, mas sim, com um energia interior que aos poucos vamos sendo apresentados. Ela não é uma mulher pessimista, mas desconfortável com a mudança de habitat com único intuito de seguir seus instintos de liberdade e sentimentos aprisionados tornando-se timoneira do seu destino. Mas isso não torna o filme totalmente otimista, devemos lembrar que a beleza dos rios e as entranhas das florestas são apenas um refugo. Portanto, não sabemos onde os caminhos sobre as águas levarão Tereza e o que a esperará do outro lado do rio, mas para nossa reflexão tem algo a espreita , inquieto. Independente disso, queremos que Tereza consiga sempre alcançar voos mais altos que seu coração permita.

The following two tabs change content below.
FB_IMG_1634308426192-120x120 Crítica: O Último Azul

Rodrigo Rodrigues

"Todo filme é político na medida em que política é toda forma de relação humana em que o poder está implicado" (Costa-Gavras)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *