Crítica: A Vigilante do Amanhã – Ghost in the Shell
A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell
Direção: Rupert Sanders
Elenco: Scarlett Johansson, Peter Ferdinando, Pilou Asbaek, Michael Pitt, Takeshi Kitano, Michael Wincott, Kaori Momoi e Juliette Binoche
Num futuro distópico a humanidade chegou a um estado tecnológico avançado ao ponto de serem possíveis implantes robôs em humanos e a substituição de órgãos de maneira quase rotineira, sendo natural até mesmo a implantação de um cérebro no corpo artificial, mantendo inclusive, as lembranças quase intactas (caso não se use uma substância capaz de inibir tais memórias). Assim, surge a figura de Major (Johansson), a mais bem sucedida experiência da empresa Hanka Corporation em ajudar a polícia no combate ao crime e a um grupo de terroristas liderados por Kuze (Pitt). Contudo, mesmo sendo o exemplo perfeito da junção da tecnologia com a estrutura humana, Major entra em conflito ao tentar lidar com os fantasmas do seu passado, que constantemente vem à tona em sua mente recém implantada.
Com tal conceito, o roteiro baseado na obra homônima de Masamune Shirow, tenta abrir espaço para a discussão acerca da nossa humanidade e de como encaramos um padrão perfeito de beleza imposta pela tecnologia, ao ponto em que a naturalidade de nossos corpos é completamente substituída pela frieza dos implantes – e o impacto desta tecnologia em nossa sociedade. Assim, numa determinada cena em que a protagonista toca os lábios de uma garota de programa, damos conta da velocidade em que deixamos para trás alguns dos mais puros sentimentos humanos. Mas infelizmente esta seja o único momento que há alguma tentativa real em discutir tal abordagem ou, pelo menos, disponibilizar dentro da sua narrativa um espaço para o espectador compreender de maneira aprofundada a proposta do filme.
Estruturalmente frágil, o longa de Rupert Sanders é segmentado apenas em apresentar tais conceitos para partir em seguida para as cenas de ação como se somente a questão técnica e algumas caras e bocas fossem capazes de suprir o debate como um todo. Pulando de uma cena a outra, e ratificando ser incapaz de aprofundar qualquer elemento, A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell é permeado de lacunas incompletas de aprofundamento dos temas existenciais e filosóficos que tenta abordar. Principalmente ao usar expressões e diálogos que sequer conseguem preencher um escopo razoável, como “Na singularidade encontraremos a paz” e a mais clichê de todas “O que fazemos é o que nos define”. Tais frases parecem mais condizentes a uma animação Disney do que a trabalhar o amadurecimento de um personagem sem grandes experiências que propriamente tentar abranger um contexto social e existencial complexo.
Obviamente sendo o grande atrativo do filme, o design de produção e seus efeitos rendem um espetáculo visual totalmente influenciado pela referência das referências, Blade Runner (1982). Com seus prédios aglomerados e becos molhados e sujos, a cidade é um metrópole tecnológica cujas propagandas gigantescas se misturam no horizonte com suas imagens holográficas vendendo os mais diversos produtos (reparem também como os automóveis do filme remetem exatamente o que seria a visão nos anos 80 dos carros no futuro). Contudo, sem qualquer tônica sombria e estranhamente até certo ponto pouco povoada, como logicamente deveria ser ao tratar de uma cidade oriental do futuro e provavelmente cosmopolita.
Interessante também os detalhes e concepções apresentadas, como o fato de existir um mercado negro de órgãos artificiais e as profundezas da internet sendo representada como um mundo povoado de seres sem face – assim como o uso da tecnologia para substituir um dos maiores símbolos do japão (gueixas). E obviamente todo o conceito inspirador visto em Matrix (fios conectados na nuca quando necessário para adentrar uma realidade virtual, um personagem assumindo o corpo de transeuntes…). Todos estes elementos são facilmente reconhecíveis ao mesmo tempo em que denuncia (se baseando no filme das irmãs Wachowski) o quanto desperdiçou o potencial da obra demonstrando certa covardia em arriscar junto ao público qualquer tipo de abordagem. A questão não é querer que fizessem o mesmo (até porque, devo sempre insistir que o filme deve ser analisado pelo que é, e não pelo que desejássemos que fosse), mas sim tentar desenvolver algum conceito, mesmo que remetesse a algum outro filme.
Agora chegamos ao outro problema que infelizmente parece sempre ser tratado como um pormenor e consequentemente não denunciando a própria incapacidade dos realizadores enxergarem seus próprios umbigos: a tal da ocidentalização da obra. Caso fosse a velha e tradicional apropriação cultural que Hollywood impõe até o dia de hoje (Mickey Rooney como Sr.Yunioshi em Bonequinha de Luxo, Charlton Heston em Marca da Maldade, John Wayne como Gengis Khan em O Conquistador, Liz Taylor Cleópatra, Christian Bale em Êxodo: Deuses e Reis...), mas trabalhando de maneira correta toda a essência, ideológica e comportamental que o longa se propõe, ainda sim poderíamos elogiar, mesmo com tais ressalvas. Ou até mesmo se transformassem o filme numa “versão americana” como visto em Os Infiltrados (Coreano), O Chamado (Japonês), O Homens que não Amava as Mulheres (Sueco) e O Segredo dos Seus Olhos (Argentino). Mas querendo “adaptar” o cenário étnico do filme ao misturar um elenco anglo-nipônico (este segundo, obviamente, sempre com papeis secundários), o filme consegue ser no mínimo desastroso, moral e etnicamente falando. Como podemos constatar pelo fato do penteado e principalmente a maquiagem de Scarlet Johansson levemente forçar o olhar oriental (ou quando Major, ao encontrar uma personagem relacionada às suas origens, a segunda usa um inglês trôpego ao conversar com Major como se não reconhecesse a própria origem “oriental” da protagonista).
Assim, pouco se pode fazer com o restante do elenco. Fora o problema supracitado, que ratificamos também no papel do ator Michael Pitt (aqui mais caricato ao querer dar uma aura de Rutger Hauer ao seu papel de renegado), tem-se no personagem Cutter (Ferdinando), o velho estereótipo unidimensional do representante corporativo pondo os interesses da empresa acima de tudo. Todavia, e ironicamente falando por ser um ator japonês, o destaque – mesmo por uma única sequência – fica a cargo do delegado Aramaki, interpretado pelo veterano Takeshi Kitano, como um velho policial ainda guardando elementos de um mundo em que o senso de justiça era feito dentro de um contexto “mais pessoal”.
Óbvio e frágil, A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell é superficial e uma metáfora da protagonista que teve seu cérebro transplantado para um corpo sem vida. Ou seja, artificial e sem vida como o filme.
Nota 2/5
Rodrigo Rodrigues
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É curioso observar como a obra alcançou um patamar de destaque dentre as animações japonesas, se popularizando consideravelmente no ocidente. Sua narrativa filosófica não se preocupa em ser ágil, mantendo o espectador em constantes sequências de ação, muito pelo contrário, a grande maioria do longa se destina a construir o existencialismo de sua protagonista, inserindo inúmeros conceitos e linhas narrativas sem se preocupar com o entendimento daquele que assiste. Dito isso, o anime certamente não é algo fácil de se entender, forçando uma concentração redobrada da audiência, que, ainda assim, pode acabar confusa. Mas Ghost in the Shell é mais sobre sentir do que efetivamente captar alguma mensagem e, nesse quesito, somos completamente absorvidos pelas imagens e sons nos oferecidos.
Coral,
Obrigado pelo seu comentário
Abraços
Acabei de sair da sessão.
Sim.
É possível adaptar um anime sem estragar a obra original.
É o que temos em “A vigilante do amanhã”.
Respeita no visual, nas ideias, nos personagens, em partes da trama e sem ficar como uma mera cópia live action.
Scarlet vai bem no papel da Mira/Motoko, gostei da interpretação que ela dá ao personagem.
As caracterizações de Batou e Daisuke ficaram ótimas.
As cenas que são tiradas do anime, ficaram maravilhosas e arracaram um sorriso de satisfação.
Vejo um potencial para mais e espero que o filme faça uma grana.
Quero mais da franquia.
Valeu cada centavo.
discordo quanto a respeita as ideias do original. o filme é mais raso que uma colher de chá. a scarlet foi mesmo muito bem, mas o filme é só mais um filme de aça medíocre, uma prova disso é sua fraca bilheteria. enquanto o anime e o mangá são clássicos dos seus estilos.
Respeito sua opinião.
O filme divide, porém para mim, ele fica na média e é em comparação, um bom ponta pé inicial para este gênero.
Confesso que não conheço o mangá, mas sei de sua qualidade.
O anime fui conhecer após assistir a primeira temporada de Attack on Titan (animes nunca foram o meu forte), desde então, assisti mais de 4 vezes.
Fui pesquisar agora e o filme ta fazendo água… É uma pena sobre a bilheteria, levei fé que o público iria comprar a ideia.
Puro engano.
Apesar disso tudo, espero que o investimento neste tipo de adaptação continue.
WILLMDIAS e MILTON
Obrigado pelos comentários e fico feliz que meu texto tenha originado alguma discussão sadia sobre o filme.
Apenas ratifico que o filme deve ser sempre analisado por “como ele é” , não necessariamente “sobre o que é” e muito menos como “queríamos que fosse”.
Assim é fundamental termos sempre em mente que o filme deve jamais seja avaliado tendo base sua origem , caso ela seja de um linguagem diferente. Mesmo que seja um manga famoso ou não. Isso é umas das regras sobre linguagem cinematográfica. E também não podemos julgar a qualidade de um filme pelo sua bilheteria , isso é um dos grande erros que os cinéfilos cometem. O que dever ser avaliado é sua qualidade como cinema e não como números.
Admito, como disse no texto, o filme tem alguns aspectos interessantes, principalmente no visual. Mas no resultado final , fico aquém do que ele se propôs.
Esperamos, como disse Will, que venha mais adaptações. Mas com qualidade
Abraço
Adriana M
Obrigado pelo comentário
Como você disse muito bem: falta de coragem. Isso é um problema crônico . Por isso que todos que dizem gostar de cinema , devem sempre ter uma análise apurada.
Você foi capaz de comentar sobre as várias interpretações sobre o titulo e historia . Parabéns, o caminho é por ai.
Abraços
Boa crítica… Quando foi anunciado que Ghost in the Shell viraria filme, o meu alarme de “não sei não” apitou alto. Conceitualmente é muito complexo e visualmente não é algo simples de fazer, mas o diretor Rupert Sanders optou por escolhas interessantes e outras nem tanto. Visualmente o filme exagera um pouco na construção conceitual da cidade, mas mostra bem um futuro maluco cheio de hologramas e cores, chegando muito próximo ao filme. Outras escolhas que foram felizes, são cenas emblemáticas que foram reproduzidas com uma fidelidade assombrosa.
Por outro lado, algo que não podia ter sido alterado é o conceito que propõe a obra original. Veja bem, é uma adaptação, e como tal, precisa encaixar coisas que antes não seriam possíveis, até mesmo para o público geral entender a trama. Agora, a necessidade hollywoodiana de colocar um inimigo declarado só mostra que ainda não há a coragem de fazer um filme com que as pessoas precisem mastigar e refletir sobre certos assuntos.
O significado Ghost in the Shell traz muitas interpretações e o jeito que foi colocado no filme tem boas intenções, mas repete, bate tanto na mesma tecla, que acaba fechando toda e qualquer reflexão. O resultado final também me desagradou.
Não li o mangá, mas vi os filmes de 1995 e 2004 e assisti o anime do Stand Alone Complex e o filme de 2006. Só não vi ainda o anime do Arise e nem li os romances. Mas pelo que conheço da história, eu gostei do filme. Teve gente que reclamou que em termos filosóficos a trama é superficial, isso é fato, mas deve ser levado em consideração alguns aspectos. O filme de 1995 foi lançado originalmente exclusivamente para o mercado japonês, isso quatro anos após o término do mangá. Algo ainda recente e a empolgação ainda continuava. Além disso, é comum da cultura japonesa fazer obras que levam a reflexão, isso remonta a literatura nipônica desde o século XVII, pelo menos. O filme em live-action foi lançado em 2017, onze anos após o término do anime Stand Alone Complex e apesar de o Arise datar de 2013-2015, ele não fez o mesmo sucesso que os primeiros filmes e o Stand Alone Complex. Logo, o filme em live-action optou em levar ao grande público essa história iniciada em 1989, daí todas as referências ao filme de 1995 e o anime do SAC. Como normalmente as pessoas não curtem filmes filosóficos, tiveram que diminuir essa profundidade na trama de Ghost in the Shell, optando em deixar mais os elementos de scifi, drama e ação para assim atrair um público mais amplo, principalmente aqueles que não conhecem o mangá e o desenho. O fato de colocarem a Scarlett como protagonista também faz parte do marketing. Inclusive no filme deixa subentendido o motivo da Major não ter aparência de uma japonesa. Caso venha ter uma continuação, talvez possam aprofundar mais outras temáticas filosóficas e morais que conhecemos da série, já que não se fará mais necessário apresentar a origem da protagonista.
Chile
Obrigado pelo comentário.
Bem, em nenhum momento disse que um filme DEVE ter menos AÇÃO e mais FILOSOFIA. Até porque devemos analisar sempre um filme pelo que ele se PROPÕE a ser e não o que GOSTARÍAMOS que fosse (disse isso no texto)
Enfim, mas a partir do momento que o filme se julga capaz de impor uma discussão sobre algo (independente do assunto) devemos analisar, baseados por uma série de requisitos históricos e cinematográficos, se foi bem realizado ou não. No caso do filme Ghost in the Shell se propôs a discussão filosófica e existencial humana , mas de maneira rasa e vazia. Foi isso!
Lembrando também , como crítico, não posso basear o filme a partir de uma linguagem diferente do Cinema (seja ela qual for, famosa ou não).
Abraço
sei la heim tudo vcs querem que tenha menos ação e mais filosofia? nem tudo é um Matrix da vida… e não tem como um filme passar tudo o que o um anime passou