Crítica: Thelma
Thelma
Direção: Joachim Trier
Elenco: Eili Harboe, Kaya Wilkins, Henrik Rafaelsen, Ellen Dorrit Petersen, Anders Mossling e Grethe Eltervåg
Começando de maneira intrigante, este Thelma do diretor Joachim Tier parece inicialmente inserir o espectador num perigoso thriller psicológico, onde uma tragédia familiar se transformou num trauma e motivação para relações conturbadas entre a protagonista e seus pais, cuja criação baseada numa forte conotação religiosa é um fator preponderante para sua persona e dramas. Quando a mesma começa seus estudos na capital norueguesa e passa a morar sozinha, a jovem Thelma (Harboe) se vê em conflito ao descobrir novas sensações e sentimentos, principalmente em relação à sua sexualidade ao conhecer Anja (Wilkins) – criando assim uma clara alegoria ainda maior sobre o afloramento em conflito com seus dogmas. Mas, se nas suas elogiadas obras anteriores, como no consistente Mais Forte que Bombas, e no igualmente sólido Oslo 31 Agosto, Joachim Trier mantêm e conduz bem o clima de conflitos familiares e das consequências das escolhas num cenário de diversas emoções, aqui o diretor continua sem apelar inicialmente para grandes informações e apostando na sensibilidade e identificação do público para “pequenos” momentos, mas todavia, transitando de maneira pouco convincente (apesar de sutil) entre gêneros, acaba por desequilibrar sua narrativa a partir do seu segundo ato.
Tanto, que o primeiro ato consiste em praticamente estabelecer de maneira mais pausada tais dinâmicas e dramas da protagonista sem pressa, mas que aos poucos, no entanto, o diretor insere um clima levemente fantasioso que inicialmente somos levados a acreditar ser mais uma metáfora do estado psicológico da protagonista em si do que propriamente aquilo que sugere – mas, após crer nesta simbologia e no que pode estar acontecendo, o roteiro acaba realmente entregando ao público o que se tinha imaginado (e causando certo estranhamento, principalmente levando em conta a filmografia do diretor). Não que seja, obviamente, uma obrigação do artista ficar preso a um estilo ou tema, mas é visível que em Thelma, Joachim Trier apesar de toda a sensibilidade, não consegue um equilíbrio ao conciliar tais aspectos da histórias, como visto, por exemplo, em Mother! de Darren Aronofsky. Portanto, a partir deste momento o longa começa a abraçar dentro da sua narrativas, alguns elementos do gênero de terror que acabam prejudicando um pouco aquele que deveria ser o aspecto principal a ser abordado: o conflito e as metáforas sobre a questão da homossexualidade diante do aspecto religioso vindo dos pais, que a impede de ser quem ela é. Todavia, e repetindo, não é exatamente isso o que acontece e a obra derrapa em alguns aspectos que explicarei mais a frente.
Contudo, estes simbolismos ainda são bem relacionados, principalmente quanto à questão da própria sexualidade da mulher e como a religião pode oprimir a mente feminina ao transformar seus desejos em algo pecaminoso e auto punitivo (inclusive, não é à toa, que Thelma surja em cena sempre com um crucifixo, como sua mãe, simbolizando a opressão constante vinda da sua criação). Assim como num momento de libertação de uma vida baseada no medo e orgulho, ela deflagra palavras de cunho sexual envolvendo Jesus, motivada por Anja, mas não encarando aquilo como uma ofensa, e sim uma quebra de paradigmas sem necessariamente ter que abandonar sua crença – onde a metáfora mais óbvia se dá no momento que a direção representa um destes momentos conflituosos como o fato de Thelma interpretar o sexo como algo objetivado e perigoso como uma serpente.
Como dito anteriormente, o roteiro de Eskil Vogt e do próprio diretor começa a pender tais elementos fantásticos com algo mais presente que propriamente uma metáfora para o estado psicológico da protagonista já no segundo ato, o que acaba enfraquecendo justamente a temática do conflito principal como informado antes – não que o filme não aborde tal assunto, pelo contrário, até porque o tema ainda fica em pauta, mas agora assumindo o lado mais fantasioso. Inclusive é belo e delicado como o diretor expõe o crescimento de Thelma ao se relacionar com Anja, como na cena em que dormem juntas, e de como Thelma encara aquela até antes desconhecida em sua cama representada nos detalhes das lembranças vinda até mesmo de um simples fio de cabelo. Ou como visto na sequência do teatro, como um prazer nervoso, a jovem se entrega aos seus desejos, mas ao mesmo tempo ela tem a necessidade de se punir com sua religião através das orações – não é coincidência que esta cena ela surja sem o crucifixo e a necessidade de ligar para o pai serve também como um símbolo do controle exercido pela religião.
Inclusive tal abordagem dúbia abre margem a uma discussão, mesmo que pelo desfecho se torne pouco improvável: que o trauma ocasionado no passado poderia ter sido causado por questões psicológicas maternas relacionadas a uma depressão pós-parto, e cuja visão de Thelma quando criança seja retratada como um bloqueio que propriamente o que a narrativa tenta abranger – não seria nada absurdo pensar assim. Ademais, ao interpretar tal sumiço momentâneo de uma personagem, por exemplo, encarei como uma personificação das lembranças de Thelma sendo apagadas de seu subconsciente. Uma maneira de expressar ou expurgar seus sentimentos devido à sua criação religiosa – o que infelizmente, para mim, em ambos os casos, a direção não levou em conta por querer abraçar de vez uma narrativa menos mundana e levar tal fato do campo subjetivo para o “físico”, o que ocorre de maneira frágil por não ter uma base de sustentação para tal.
Mas neste momento, o roteiro também comete deslize pela sua pouca profundidade em discutir a religião e acaba soando superficial e frágil, como visto no diálogo entra Thelma e seu pai sobre a questão da origem da vida e debate entre a ciência e religião, a conversa simplesmente é finalizada com o chavão “O que veio antes então?”. Ou pior, quando questionada por um colega que somente acredita em algo comprovadamente explicado pela ciência, a mesma replica com um “você sabe como seu celular funciona?”. Fora que torna expositivo e desnecessário a tentativa do filme explicar a origem do trauma de Thelma estar relacionado a questões históricas como a igreja interpretar certas enfermidades como possessão, e de como aquilo influencia na repressão sexual feminina – assim como incluir um subtrama envolvendo o passado de um parente também que provavelmente passou pelos seus mesmos dramas.
Em seu clímax, mesmo assumindo de vez sua vertente ainda próxima de uma Carrie – A Estranha (pronto, falei), Thelma ratifica seu dilema temático ao expor as explicações para os conflitos familiares da jovem (inclusive para a cena inicial) e resoluções que ainda ficamos na dúvida se realmente estão acontecendo ou não – mas estão. Não sei exatamente qual era a intenção do diretor, mas ficou claro que a obra não percebeu – ou não quis admitir – que para causar medo e engrandecer o conflito da jovem, o mundo real e suas devidas concepções psicológicas já seriam o suficientemente interessantes.
Nota 3/5
Rodrigo Rodrigues
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acho que faltou so um resumo mais claro sobre o que é o filme, tipo, o filme fala sobre isso, isso e isso…
Patrulha Canina.
Bem vindo
Acho que nem tanto, claro que o filme tem uma dubiedade ( e isso pode ter refletido no texto), mas acho que consegui expor o que seria o filme. Até porque não poderia, pelo menos neste caso, expor tanto a trama.
De qualquer maneira, espero que tenha gostado do texto
Abraços e se possível curta a página por favor
Obrigado