Crítica: O Lar das Crianças Peculiares (Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children)
O Lar das Crianças Peculiares (Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children)
Direção: Tim Burton
Elenco: Eva Green, Asa Butterfield, Ella Purnell, Samuel L. Jackson, Rupert Everett, Chris O’Down, Judi Dench, Lauren McCrostie, Hayden Keeler-Stone, Georgia Pemberton, Milo Parker, Finlay MacMillan e Terence Stamp.
Baseado na obra (que não li) de Ransom Riggs O Lar das Crianças Peculiares possui todos os elementos fantásticos das obras juvenis que tem permeados os cinemas nos últimos anos (Nárnia, Harry Porter, etc.), acrescido de referências a clássicos como Alice no País das Maravilhas e Peter Pan, com enredo envolvendo viagem no tempo, uma dose de X-Men, nazismo, luta do bem contra o mal e, claro, os dramas e conflitos do próprio protagonista saindo da adolescência e entrando na vida adulta.
Seria, portanto uma colcha de retalhos que causaria certa confusão, correto? Em termos narrativos sim. Até porque conseguir unir todos estes elementos (que provavelmente geram discussão entre os leitores dos livros, que nunca vem ao caso) não é uma tarefa das mais fáceis. Todavia, todas estas referências foram jogadas nas mãos de um diretor acostumado com um mundo fantasiosamente bizarro (mas ao mesmo tempo doce), Tim Burton, que consegue com seu estilo absorver (e subjugar) tudo isso e transformar o filme numa agradável aventura de visual caprichado, mesmo com alguns momentos com irregularidade, que é uma própria metáfora da filmografia do diretor.
Depois de um incidente com seu avô Abe (Stamp), Jacob (Butterfield) parte em busca de informações sobre o passado do mesmo numa distante cidadezinha litorânea do País de Gales. Para isso ele precisa entrar em contato com a Miss Peregrine (Green) e acaba encontrando um mundo fantástico habitados por crianças com dons sobrenaturais presas no ano de 1943.
Pelo parágrafo acima fiquei um pouco pensativo no que escrever devido à trama ir apresentando elementos seguidamente, o que torna muitos pontos mal explorados e apresenta problemas ao abraçar tantas frentes, como o conceito das fendas permitindo que os personagens vivam o mesmo dia em pleno ataque nazista (de certa maneira uma prisão). Ou até mesmo o personagem Enoch (MacMillan) que com seu interessante poder de ressurreição é apenas aproveitado para o clímax do filme.
Devido a isso é obvio que o filme sofre um falta de aprofundamento dos seus personagens e premissas que não sejam a do personagem principal. Mas mesmo tendo muitos elementos – o que normalmente é um problema – alguns personagens poderiam soar desnecessários, mas a abordagem e construção de cada um têm um mote de interesse devido as suas características intrínsecas.
Assim, para amarrar esses elos, Eva Green surja como uma espécie de Mary Poppins para por ordem no núcleo e em conjunto com um bom Asa Butterfield consegue criar a identificação mais convincente. Mas é realmente Samuel L. Jackson que se diverte com o papel do vilão Dr. Barron que deseja raptar as crianças para ajudar na sua fórmula para que fique imortal e, ajudado por uma maquiagem e penteado para lá de caricatural, o ator não poupas nas falas de impacto e piadas que acabam funcionando despretensiosamente.
Mas falemos daquilo que mais chama a atenção no filme e não temos como fugir: a direção de Burton. Inicialmente o diretor conduz seu filme de maneira econômica e vai criando a atmosfera ideal para as ações seguintes, principalmente durante a chegada do protagonista e sua adaptação na ilha. Para isso a fotografia de Bruno Delbonnel é correta ao exaltar os contrastes dos coloridos do orfanato e o mundo cinzento da cidadezinha sem que o 3D prejudique como normalmente se costuma fazer (mas lembrando que a tecnologia em nenhum momento é útil à narrativa).
Depois de um segundo ato mais problemático onde o roteiro de Jane Goldman (responsável por X-Men: First Class) parece não saber exatamente em que direção seguir e perde um pouco do ritmo inicial para no seu clímax realmente abraçar de vez seu lado aventura típica, que rende até mesmo uma pitada de Goonies.
Com um belo visual do design de produção, a construção dos elementos apresentam cenas que realmente empolgam. As bela sequência se passando dentro do navio e a divertida homenagem a Ray Harryhausen (e as próprias origens de Burton, como visto na figuras dos seres chamados Etéreos referenciando O Estranho Mundo de Jack) são um belo exemplo do capricho da direção. Ou a própria concepção visual do orfanato destruído e seus jardins coloridos e não menos fantasiosos.
Assim, o visual nesse caso não serve somente a uma lógica escapista, mas sim para ajudar a construir e fortalecer nos detalhes o conceito dos personagens, como podemos ver na personagem de Ella Purnell que precisa de sapatos de chumbos para se manter no chão e percebemos a dificuldade da atriz ao andar. Ou no personagem, mesmo invisível, que percebemos sua presença não somente pela roupa, claro, mas por detalhes como o balançar do chapéu, a poltrona se afundando ao sentar e claro pela construção vocal do ator (algo que a dublagem irá como sempre aniquilar). Até mesmo os personagens com menos presença em tela são interessantes e também possuem uma dose de cuidado da direção (como a menininha com força sobre-humana e os gêmeos com as faces ocultas).
O Lar das Crianças Peculiares vai agradar em cheio aqueles que pretendem exigir pouco de uma fábula com contornos fantásticos num mundo que alterna entre melancolia e inocência. Contudo, mesmo não se tratando de Tim Burton em sua plenitude não é uma obra que possa deixar de encher os olhos.
Cotação 3/5
Rodrigo Rodrigues
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não sei não heim… será que se o filme fosse de outro diretor, vc iria gostar como gostou? será que por ser do Burton, nao há uma aceitação tácita e subconsciente de problemas que, por serem dele, viram estilos e virtudes? Burton vem decaindo e vivendo de sua boa forma, la atrás, dos anos 90… O lar das crianças peculiares era chance da redenção. E o que fez o Tim Burton? Fez filme para a torcida. Em aventura francamente voltada ao público infantojuvenil, com muita alegoria, adereço e os característicos visuais belíssimos, ele misturou “Harry Potter” e “X-Men” e fez mais uma versao “Alice” de uma aventura fantástica. Uma pena…
Paulo Carvalho
Obrigado pelo comentário.
Não gosto muito fazer este tipo de exercício de adivinhação. O fato de ter gostado do filme não foi por ser dirigido por Tim Burton, e sim porque a direção de Tim Burton, neste caso, apresentou uma narrativa e elementos que agradaram.
Até porque, se seguíssemos esta lógica (gostar por ser um filme dele), teríamos que gostar de outas obras menos aprazíveis como “Alice”, “Sombra da Noite” etc..
Quanto a mistura e ser apontada para um público juvenil, não me incomoda. Mas normalmente um filme tem que ser analisado pelo que é , não pelo que gostaríamos que fosse.
Abraço e obrigado novamente pelo comentário.