Crítica: Lion – Uma Jornada Para Casa
Lion – Uma Jornada Para Casa
Direção: Garth Davis
Elenco: Dev Patel, Rooney Mara, Nicole Kidman, David Wenham, Priyanka Bose, Tannishtha Chatterjee e Nawazuddin Siddiqui
Baseado em fatos reais a partir do livro escrito pelo próprio Saroo Brierley e dirigido pelo estreante Garth Davis, Lion – Uma Jornada para Casa acerta em vários momentos ao transformar o longa, em sua primeira metade, numa jornada de crescimento e crueldade social indiana através do olhar infantil, sem transformar-se em algo apelativo. Em sua segunda metade, uma obra de autoconhecimento de um homem em busca de suas origens dentro de um ambiente completamente diferente de onde veio. Todavia, os grandes atrativos e conflitos da narrativa vão enfraquecendo no decorrer do tempo, alternando entre altos e baixos até sua resolução, mas ainda assim temos um filme capaz de sensibilizar pelo contexto apresentado.
Vivendo em extrema pobreza e miserabilidade, Saroo (Pawar) e seu irmão Guddu (Bharate) vivem de pequenos serviços, como roubo de carvão, para conseguirem um punhado de leite para alimentar o restante da família, composta por uma irmã e a mãe que vive de trabalhos escravos numa pedreira. Entretanto, durante um destes trabalhos, Saroo se perde do irmão e acaba pegando um trem em direção a Calcutá (mais de 1.000 km de distância). A partir deste momento, o pequeno protagonista passa dificuldades ainda maiores (alguma de conceitos que sequer entende), para encontrar o caminho de volta – caminho este que “demora 25 anos” para percorrer.
Ao acompanharmos juntos as andanças do protagonista na superpovoada Índia, a fotografia de Greig Fraser apresenta a qualidade da narrativa com uma palheta mais amarelada, esfumaçada e exaltando todos os aspectos sociais indianos que ajudam no contexto de Saroo, como por exemplo, nas cenas ocorridas dentro da estação de trem, em que a direção focaliza o ambiente sempre de maneira que a criança seja subjugada pela paisagem ao redor (ou na bela cena em que o Saroo e Guddu andam em cima dos vagões dentro de um túnel escuro). E a trilha sonora tem uma importância interessante por criar uma lógica narrativa com relação ao estado psicológico de Saroo, pois a direção usa o barulho da locomotiva para personificar tais momentos em que o jovem se encontra em conflito ou numa mudança brusca de sentimentos.
O roteiro de Luke Davies usa poucos diálogos durante o primeiro ato, mantendo a lógica pelo fato de Saroo não saber falar hindu e ter grandes dificuldades de manter o contato com pessoas indiferentes a ele. Contudo, um dos problemas que o longa apresenta, que acaba ocasionando alguma situações forçadas, se deve pelo fato de que depois da transição para o segundo ato (em um bonito corte para representar o nascimento de Saroo pela água) os conflitos não estarem estabelecidos e quando somos apresentados a novos personagens e dramas, as ações tendem a ser inicializadas novamente. isso, além de ocasionar que a história não evolua fluidamente, resulta que as motivações apresentadas não são bem construídas, o que acaba servindo praticamente para atender uma necessidade da história, como na cena em que a memória afetiva de Saroo fala mais alto e acaba se tornando – forçadamente – o ponto de partida de todos os acontecimentos seguintes de sua busca pessoal.
Contudo, admito que tal roteiro se apresentou suficientemente capaz para escapar de certa convenções pela presença de Nicole Kidman e sua atuação amável e carinhosa. Como mãe adotiva e trazendo todo um mundo de privilégios para Saroo, soava quase como uma ideia altruísta do homem branco rico salvar os mais pobres da miséria e ainda empurrando o conceito de “família feliz” de maneira abrupta (eu não poderia ser contundente em afirmar isso como verdade absoluta, pois mesmo assim, tal sentimento pode permanecer na mente do espectador por um bom tempo).
Mas durante a transição, se tínhamos uma doçura e ternura misturadas com um senso de fantasia vindo do jovem Sunny Pawa, quando o personagem é tomado pela presença de Dev Patel perdemos realmente um pouco desta identificação. Não que o ator seja incapaz de tal feito que possa remeter Quem quer ser um Milionário, mas durante boa parte do seu desenvolvimento Saroo se transforma num adulto sempre chato (birrento), inconsequente e não condizente com um homem de quase 30 anos, principalmente quando em conjunto com Rooney Mara, cujo relacionamento não acrescenta em nada a história, o ator abusa de insegurança, expressões e gestos mais relacionados a um romance adolescente.
Entretanto, no terceiro ato e consequentemente ao se aproximar de seu clímax, Lion se entrega ao sentimentalismo, mas sem jamais cair no piegas ou algo maniqueísta (mesmo que por um segundo tudo soe como uma propaganda com uma trilha sonora destoante). E engrandecido pela narrativa que usa elementos da montagem que acabam resultando em cenas delicadas e sensíveis, como visto nas cenas alternadas do jovem e do adulto Saroo, o filme acaba recuperando parte de sua emoção ao personalizar o passado que muito foi esquecido mas ainda permanece vivo no coração de quem nunca o esqueceu.
Cotação 3/5
Rodrigo Rodrigues
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