Crítica: Detroit em Rebelião (Detroit)
Detroit em Rebelião
Direção: Kathryn Bigelow
Elenco: John Boyega, Will Poulter, Algee Smith, Jacob Latimore, Jason Mitchell, Kaitlyn Dever, Hannah Murray, Jack Reynor, Anthony Mackie e Ben O’Toole
Obras como 13° Emenda e O.J Simpson: Made in América, por exemplo , são grandes exemplos de como alguns fatos que poderiam soar aleatórios desencadeiam guerras e assassinatos, com base na ignorância do racismo, cujas “consequências” na justiça, por exemplo, se tornaram verdadeiros teatros patrocinados por sua grande maioria por um júri branco de uma sociedade que se recusa a entender, aceitar e corrigir diferenças de séculos!
Casos que possuem diversos elementos em comum: a pobreza em si, a falta de oportunidade devido à migração das empresas para o subúrbio, concentração de renda, racismo em si e outros elementos que sempre pontuam tais fatos, principalmente a violência policial que ocorre na maioria das vezes em que o Estado lida com uma situação dessas envolvendo pobres e minorias étnica (o que reforça a sensação de que grande parte da instituição é corrupta e corporativista). Assim é elogiável que o novo filme da diretora Kathryn Bigelow apresente mais um capítulo abrangendo vários aspectos e denúncia de fatos que até hoje ainda são – infelizmente – corriqueiros dentro da sociedade americana (também), através de uma narrativa características da diretora com sua câmera ágil e sempre em movimento, sem jamais tornar-se cansativa, inserindo o espectador no clima de tensão e no lugar daquelas pessoas, vítimas de um sistema violento e opressor.
Basicamente a obra é apresentada através do ponto de vista de três personagens e como cada um se coloca diante daquele cenário de preconceito e racismo: o jovem policial Krauss (Poulter), o segurança Dismukes (Boyega) e o cantor Larry (Smith). Entretanto, é elogiável que a montagem de William Goldenberg e Harry Yoon consiga fluir adequadamente com os fatos, e que o roteiro de Mark Boal interligue uma consequência na outra, ou como uma reação em cadeia que culmina na tensa cena ocorrida no interior do hotel, em que cada um dos três personagens acima tenha o tempo necessário para surgir em interferir no arco do outro – até porque seus destinos estão tematicamente ligados, mesmo com suas visões e comportamentos tão diferentes. Se Dismukes age como um diplomático dentro do conflito, chega a ser constrangedor que o jovem – somente por vestir uma uniforme e procurar remediar os conflitos com sua índole – se ache imune ao preconceito ou culpa. Todavia, na primeira oportunidade para envolvê-lo nos crime ocorridos no hotel, uma testemunha o faz. Mas se o sonhador Larry é o tradicional arco do jovem talentoso e que (mesmo inconscientemente) se divide entre seus sonhos e a própria questão social que ocasionou o fim destes mesmos sonhos, o destaque fica por conta do policial vivido por Will Poulter. Transitando entre a inexperiência de um novato à total psicopatia nada disfarçada, o personagem é suficientemente capaz de fazer com que sua imprevisibilidade se torne um ameaça para todos quando este assume as ações – e o mesmo é o maior exemplo da sensação de impunidade do sistema, uma vez que a sua sede por sangue é algo que contamina (apesar de que na sua cabeça, tudo não passa de uma”brincadeira” para assustar os outros).
Iniciado em 1967, este Detroit em Rebelião abrande alguns dos motins que ocorreram durante uma semana do verão daquele ano na cidade americana. Motins estes iniciados através de ações policiais que reprimiram, por exemplo, festas e bares frequentados por negros, ocasionando a revolta e destruição causada pelos moradores. Fatos que a mídia, como numa determinada cena, alega estar incrédula ao ver tal violência acontecer em solo americano. Todavia, não estamos falando da violência da polícia e do abandono do governo, mas sim do fato das políticas sociais americanas marginalizarem cada vez mais tais pessoas. Até porque é muito fácil para uma elite ou até determinada pessoa acusar um grupo social de vandalismo sem perguntar como se chegou naquela situação – e mesmo que o filme não tente explicar tais elementos (não é o objetivo aqui), somo capazes de rapidamente nos identificarmos com a situação.
Ou seja, um barril de pólvora prestes a explodir por qualquer motivo dentro de um cenário tratado pela direção – e nem precisaria de muito esforço – como um campo de guerra. Tanto que, quando uma criança é ferida (ou morta) por tiros vindos de uma metralhadora posicionada num tanque, por exemplo, não precisamos saber exatamente o que aconteceu depois por estarmos vendo uma sequência que claramente poderia ter sido adaptada de Guerra ao Terror (e sendo assim, o impacto é o mesmo). Um cenário em que todos perdem (leia-se “população”), onde sonhos são mutilados, famílias destruídas e futuros ceifados, em que a direção exemplifica em alguns casos de maneira sensível sem necessariamente usar a dinâmica do restante do filme para causar comoção, como na cena em que um pai vai ao hospital, depois de uma ligação sobre seu filho, entretanto a sua negação causada pela dor é capaz de causar um desconforto e aperto na garganta principalmente pelo fato da direção apenas expor os motivos da presença do pai no hospital no final da cena.
Aliás, a sensação de medo, e consequentemente uma visão completamente bruta da realidade, é algo sempre presente naquelas pessoas que em sua maioria jamais conseguem sair de um estado psicológico de alerta constante. Assim quando um personagem diz, mesmo que numa conversa entre conhecidos, “Um negro sabe o que é ter uma arma apontada para a cabeça“, temos consciência da pressão diária que aqueles personagens (reais) sentem. Mas nada mais emblemático que a sequência ocorrida no hotel, onde por exemplo, mesmo fugidos dos distúrbios causados pelo motim, Larry e seus irmãos vão sendo inseridos de vez naquela tensão iniciada como um ato isolado que culmina na batida policial liderado por Krauss – e por mais que possam acusar que o ato em si tenha começado como uma provocação irresponsável, deve-se sempre levar em conta a resposta desproporcional e criminosa das autoridades de Detroit – inclusive, ação esta, que de tão covarde leva a polícia de outra cidade a “fazer vista grossa”, como se não quisesse se envolver.
A sequência em si é muito bem conduzida pela direção, pois Bigelow consegue extrair o medo daquelas vítimas pela tortura física e psicológica e impor certa insegurança nos próprios comandados de Krauss com planos fechados e sem apelar para cortes exagerados, que auxiliados por um ótima mixagem de som a cada disparo, ajudam a imprimir um sensação de tensão. E ao assumir o controle da situação, o personagem se impõe com extrema naturalidade, cuja personalidade domina ao ponto de impor certo medo, até mesmo nos seus comandados, que acabam se tornando extremamente influenciados pelas sua psicopatia. Assim, na cena em que o policial diz que cumpriu a tal ordem de Krauss (interpretada ao pé da letra por ele não entender aquela lógica doentia do chefe), acaba causando um sensação de nervoso no espectador, como se disséssemos “Putz, ele não fez isso!” (claro que normalmente teria um palavrão no meio…).
Em seu terceiro ato, a obra assume a visão de apenas um dos envolvidos e usando a questão religiosa (mesmo sendo um elemento importante daquelas pessoas), soa um pouco descolado por talvez o filme sempre se propor a abranger a pluralidade dos arcos dramáticos. Todavia, isso não oculta aqueles atos criminosos praticados pelas autoridades e os arcos dramáticos inseridos naquele contexto. Não é uma obra completa neste sentindo, mas uma parte importante que jamais deve ser esquecida.
Nota 4/5
Rodrigo Rodrigues
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