Crítica: O Ódio que Você Semeia (The Hate U Give)

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Direção: George Tillman Jr.

Elenco: Amandla Stenberg, Russell Hornsby, Regina Hall, Common, Algee Smith, Issa Rae, Sabrina Carpenter  e Anthony Mackie

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Nota 3/5

Quando, em um determinado momento deste O Ódio que Você Semeia, a protagonista Starr (uma adorável e carismática Amandla Stenberg) se vê envolta a problemas típicos de uma adolescente no colégio, me arrisquei a pensar que estaria vendo mais um daqueles filmes baseados em livros para o público adolescente que em muitos casos soam vazios e estereotipados em suas abordagens cinematográficas.

Não que aqui não surjam tais momentos, pois existem – inclusive há momentos expositivos e uma inexplicável necessidade de cobrir tudo com uma aura de fábula, de sentimentalismo e apaziguamento que a direção insiste em manter na obra, algo que quase põe tudo a perder mesmo. Mas, com o longa trazendo como personagem principal uma jovem negra e todos os ingredientes da dura rotina social que a cerca, o filme do diretor George Tillman Jr. se mostra invocativo e eficaz sempre que abraça as denúncias, a militância e crítica social através do ponto de vista da adolescente que presencia o assassinato de um amigo de infância.

Estudando em um colégio predominantemente branco, a jovem Starr precisa conviver com uma realidade que a torna mais uma atração que propriamente igual aos colegas, apesar da mesma sentir-se incluída por ter amigas brancas e um namorado (branco); tanto que ela evita “ser negra” ao usar gírias que os brancos usam para se fazerem uma média, mas dar margem ao famoso “não sou racista, tenho até amigos negros“. Inclusive, para aumentar esta dualidade entre dois mundos da jovem, como o fato da mãe de Starr procurar sempre fugir e se distanciar dos problemas antes que seja tarde demais; enquanto o pai incentiva a filha a jamais se calar e se tornar uma espécie de heroína e ajuda a se armar para denunciar aquele mundo de opressão, ou seja, por mais que ambas se mostrem lógicas e antagônicas dentro do contexto são tais informações que moldam o caráter de Starr – e ainda assim importantes em suas influências. 

Inclusive, essas influências do pai e os ensinamentos de como se comportarem quando parados pela polícia ao mesmo tempo em que precisa quase que de maneira autoritária recitar a declaração de direitos dos Panteras Negras para ter um pouco de autoconhecimento sobre as origens e valores da cultura negra, são fundamentais para suas próprias sobrevivências. Uma dureza que soa como rotina enquanto para outros soaria um absurdo, mas é um dos exemplos do panorama da comunidade negra. Elogios, portanto, ao desempenho de Russell Hornsby como pai da protagonista que traz um peso dramático para a obra por ele ser uma espécie de “sobrevivente”. Alguém que viu de perto todos os perigos que uma vida de poucas opções lhe proporcionou, fazendo inclusive um paralelo com o próprio Khalil que entrou para a gang liderada pelo personagem de Anthony Mackie e que o próprio Mav fez parte no passado para ajudar sua família em um momento de desespero. Um caminho mais “fácil”, que em muitos casos é o único!

O diretor George Tillman Jr., quando consegue fugir dos problemas do roteiro de Audrey Wells, traz elementos narrativos que se mostram eficientemente simples, como trazer pistas e recompensas que ajudam a entendermos ainda mais o estado psicológico que atinge a protagonista; assim quando Starr automaticamente põe as mãos em cima da mesa (como ensinado pelo pai) somente ao estar na presença da polícia durante o interrogatório, ratificamos a programação a que a jovem foi submetida. Inclusive, a fotografia de Mihai Malaimare Jr. pode não apresentar tantos recursos, mas ainda traz uma lógica clara ao trazer as cenas ocorridas na comunidade sempre permeadas por uma palheta de cores quentes mesmo em momentos de dor e perda, para demonstrar afetuosidade, enquanto as cenas ocorridas dentro do ambiente da escola sempre são vista através de cores frias, representando aquela atmosfera sem vida.

Claro que o roteiro apresenta falhas na própria construção da personagem principal (que falarei mais no fim), mas entre idas e vindas de maneira irregular na sua abordagem, o filme demonstra sempre a capacidade de recuperar o interesse do assunto principal e manter a tensão. Por exemplo, em um determinado momento permeado de sentimentalismo e frases de efeito durante um jantar, logo em seguida entramos em um momento de tensão causado pelo pai da protagonista sendo abordado pela policia de uma maneira que nenhum branco seria abordado em uma Mercedes. Ou principalmente na seqüência que se inicia na festa em que Starr reencontra Kahil, cujo ponto de virada do roteiro se dá a partir de uma confusão e tiros que culminará na cena do assassinato criando uma dolorosa rima; ademais, vale comentar que mesmo o público ciente do vai acontecer, não deixa de ser sempre um choque situações como estas.

Até porque quando o longa se torna quase didático ao passar toda a crítica ao racismo institucional; como o fato da polícia questionar mais o passado da vítima de assassinato que propriamente discutir o crime (na verdade não há o que discutir devido às provas contra o policial), entretanto, sabemos que isso nunca acontece. Como tão bem disse um personagem: “A vitima será acusada do próprio assassinato“. Ou o fato dos alunos brancos sequer ficarem cientes do que ocorreu e quando se dão conta a usam tal motivo apenas como razão para matarem aula e exibirem uma hipocrisia de usaram cartazes com a frase “vidas negras importam” em uma espécie de engajamento até a segunda página. Adolescentes que mesmo com possibilidades de evoluírem e mudaram sua madeira de pensar e agir com as minorias, ainda vêem o racismo como algo distante.

Em seu terceiro ato, O Ódio que Você Semeia assuma a veia ideológica da protagonista e entende que a maior e mais poderosa arma contra a injustiça é jamais se calar diante de uma sociedade que julga uma manifestação pela morte de jovem negro como ilegal. Contudo, ainda assim, é decepcionante que o filme não evolua com sua protagonista ao simplesmente dar a entender que tudo aquilo influenciou ou mudou em nada a vida de todos, como se desse um giro de 360 graus em seu próprio eixo. Mas fica a mensagem, que foi dada, pelo menos…

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

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