Crítica: A Guerra dos Sexos

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GS_cartaz Crítica: A Guerra dos SexosA Guerra dos Sexos

Direção: Jonathan DaytonValerie Faris

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Elenco: Emma Stone, Steve Carell, Andrea Riseborough, Natalie Morales, Sarah Silverman, Alan Cumming, Fred Armisen, Jessica McNamee, Austin Stowell, Elisabeth Shue e Bill Pullman.

Lembro de uma capa de um caderno esportivo de um influente jornal (não vale a pena mencionar, mas infelizmente é um grande veículo da mídia brasileira) que ao relatar uma vitória da tenista Maria Sharapova em Roland Garros, trazia em sua manchete a seguinte frase: “Sharapova supera a chuva, mas não as celulites, e arrasa rival“. Então para o conceituado jornal, apesar da vitória, os destacados furinhos da jogadora eram contextualmente mais importantes que a vitória em si. Fico imaginando caso fosse um homem: “Federer, depois de depilar a perna, perde o jogo para Nadal“. Acho difícil isso acontecer! E no caso da atleta russa estamos falando de uma jogadora considerada uma das mais belas atletas da atualidade – portanto, a partir daí, é fácil diagnosticar o que acontece no dia a dia (ou quando não, a imprensa fez concurso para eleger o melhor vestido das tenistas em vez de focarem no jogo em si). Isso sem falar, obviamente, na diferença com relação aos prêmios pagos aos homens, mesmo que os torneio feminino vendam a mesma quantidade de ingressos – e dando uma pesquisada simples, verifica-se que em 2016, para defender um titulo de Grande Slam, os homens receberam quase o dobro das mulheres.

Assim, mesmo se tratando de um filme que retrata um fato ocorrido em 1973 (em que elas recebiam oito vezes a menos que os homens), é notadamente incômodo que a luta daquelas mulheres ainda é a mesma agora em 2017 (não somente financeiramente falando). Entretanto, a partir do momento que uma obra se propõe a reforçar tais elementos para que sirvam como exemplos para mudar o quadro, e que estas diferenças sejam cada vez menores, será sempre válido. Portanto, este A Guerra dos Sexos (filme de Jonathan Dayton e Valerie Faris, de Pequena Miss Sunshine) com tons de humor e mesmo com uma narrativa as vezes expositiva e engessada em seus diálogos, consegue propor a denúncia e discussão sobre a igualdade entre os gêneros masculino e feminino dentro do esporte e da sociedade através da tenista Billy Jean King que acabou se tornando um símbolo desta luta pela igualdade, numa época em que as modalidades esportivas para mulheres eram completamente subjugadas pelas masculinas – isso quando existia a prática do esporte em si.

A obra inicia-se quando, depois de pedirem aos realizadores que a premiação dos torneios femininos fosse as mesmas do masculino, as tenistas lideradas por Billy Jean King (Stone) decidem largar a então entidade que dirigia o tênis e partir junto com outras jogadoras para criarem sua própria liga, mesmo com as ameaças de Jack Kramer (Pullman) de não participarem dos eventos de Grand Slam (circuito dos quatro maiores torneios de tênis do mundo). Mas no meio deste tumulto surge a figura do ex-tenista Bobby Riggs que decide desafiar toda tenista mulher a vencê-lo numa partida para provar a “supremacia masculina”. A partida entre Billy Jean King e Bobby ficou celebre por ser transmitida para milhões de pessoas que acompanhavam o jogo que foi tratado com a verdadeira “batalhas dos sexos”.

O roteiro de Simon Beaufoy pode até ser acusado de apostar constantemente em diálogos e frase prontas que poderiam soar maniqueístas e até forçadas em alguns casos, todavia, além de eficiente, é impossível não ficarmos indiferentes ao contexto e a representatividade junto à causa e contra o machismo, até porque o filme é recheado de conversas nauseantes de tão absurdas e imbecis usadas pelos homens para mascarar a misoginia – como se faz diariamente até hoje, por exemplo. Nem dá para dizer mascarar, pois é evidente que a intenção do longa é deixar bem claro quem são os “vilões” e assim ter sua mensagem absorvida de maneira rápida e direta, como o fato dos organizadores dos torneios dizerem que o valor pago a menor às mulheres se deve ao fato dos “homens terem famílias“, ou “mulher não aguenta a pressão“, e até o fato de usarem covardemente a biologia para explicar a diferença física como desculpa, inclusive tratando o embate como a “luta contra a maternidade“! – e mesmo quando vencem, ainda sim,  dizem: “parecia um homem jogando“, como se somente  um homem tivesse condições de praticar o esporte de maneira profissional.

Os que atacam as mulheres ou as feministas parecem não entender que a questão não é dinheiro somente, mas sim a mensagem de igualdade que o esporte pode e deve fazer junto a outros segmentos da sociedade para por fim ao sexismo diário. Ou o fato de algum “porco chauvinista” (termo bastante usado no filme) dizer que a disputa de Billy Jean e Bobby Riggs foi injusta por ele ser um senhor de 55 anos e ela estar no auge de seus 29 anos. Entretanto, devemos lembrar que este mesmo Bobby provocou de maneira irracional tal disputa e se favoreceu dela ao desafiar e manipular anteriormente a tenista Margaret Court para alimentar seu ego.

E já falamos de Bobby Riggs: mais uma vez Steve Carrell apresenta um personagem pautado pelo humor, mas sem jamais deixar de servir de maneira interessante e com doses dramáticas ao filme. Não podemos dizer que Bobby Riggs seria um vilão exatamente, mas uma espécie de fantoche manipulado pela misoginia. Ele seria o valentão do colégio, mas em casa é tratado como uma criança, e que no filme sofre expõe suas frustrações machistas por ser ironicamente sustentado e subjugado pela esposa Priscilla (Shue). O problema do personagem, que apesar de sempre ser visto como um bufão, alguém que não tem medo do ridículo para promover seus ideais, é que ele é real (e não o único). Assim, mesmo pautando seu personagem como um típico vilão de frases feitas, Bill Pulman é capaz de causar identificação e antipatia com seu personagem, que assim como Bobby, é uma personificação do preconceito, assim como seus colegas com seus charutos e bebidas torcendo contra o sucesso feminino. Contudo, assim como hoje, a mídia tem papel fundamental para propagar tal ódio e machismo ao ponto de implantar na mente do público (masculino, principalmente) ao exibir com orgulho camisetas dizendo porco chauvinista – e mesmo que ainda se defenda que a imprensa esta fazendo seu trabalho em promover o embate, esse é inversamente proporcional à omissão em discutir o assunto minimamente de maneira racional.GS_meio Crítica: A Guerra dos Sexos

A fotografia a cargo de Linus Sandgren (La La Land) realça os coloridos do bons figurinos que jamais tiram os espectador do filme e aumentam sua áurea retrô, assim como o fato de usar o contraste da mesma para exemplificar o mundo daqueles personagens. Se o universo feminino sempre é pautado pelas cores (como por exemplo, as cenas ocorridas dentro do salão), o universo masculino possui cores mais sóbrias e aconchegantes como nas cenas ocorridas dentro do escritório em que eles se reúnem. Assim como o fato de criar uma atmosfera delicada com uma luz sempre ao fundo e cores claras quando Billy Jean esta sozinha com Marilyn, como na cena em que a duas estão na estrada ao som de “Rocket Man” de Elton John – fora algumas rimas visuais para desmistificar o contexto masculino como o fato de um personagem em determinado momento usar um secador de cabelo (e nem por isso ele deixaria de ser mais ou menos masculino que outro homem).

Como, acertadamente, a direção evita o máximo expor o jogo em si (deixando somente para o final) a dinâmica se dá mais nos arcos dramáticos, onde mais uma vez Emma Stone nos brinda com uma personagem multifacetada e forte, construída com delicadeza nos detalhes e gestos, onde a atriz é capaz de transmitir uma doçura e tormento pelas mudanças e pressão que recai em seus ombros por assumir o desafio em que estaria não somente uma categoria de profissionais do esporte, mas todo movimento feminino. Ademais, o relacionamento entre King e Marilyn é um dos pontos altos do filme por sempre exalar sensibilidade entre as atrizes, um romance pautado pela cumplicidade, descoberta e receios. Para tal, Emma Stone e Andrea Riseborough mostram grande química e os trabalhos das duas se completam em gestuais e planos bem definidos com o contexto, como aquele em que as duas de mãos dadas no elevador têm poucos segundos para manterem o contato antes que as vejam.

Assim como é elogiável a construção de Larry King (Stowell) como marido da tenista, cuja reação sobre a orientação sexual da esposa se mostra com um resiliência tão nobre por não somente respeitar a decisão, mas entender que cabe somente a esposa como mulher e tenista tomar as decisões que ache correta. E até mesmo a discussão sobre a orientação sexual da protagonista é refletida em outros personagens, como os estilistas vividos por Alan Cumming e Fred Armisen, mesmo assumindo uma áurea estereotipada, dá integridade por esperar que um dia possam amar sem medo. Entretanto, a abordagem se mostra inequívoca na personagem da Margaret Court, que conhecida como “O braço” por possuir uma grande força, surge de maneira expositiva em cena levantando halteres!

Mesmo assumindo uma narrativa bem convencional no seu clímax e até mesmo frágil pelos clichês, onde a edição intercala o embate entre Bobby e Billy Jean com a reação de outros personagens e do público, a direção mantém a energia da sua obra, trazendo o público na torcida, creio eu, por se Billy Jean contra o machismo, e se aproveitando o máximo do tom carnavalesco dado ao confronto, numa atmosfera envolvente. E com sua mensagem bem definida e assimilada pelo espectador, esperamos que de alguma maneira a denúncia agregue e possa ajudar ainda mais na luta pela desigualdade e contra o sexismo covarde e intrínseco. Sexismo este, inclusive, atacado recentemente pelo tenista Andy Murray numa entrevista em que ele corrigiu um jornalista quanto lhe foi perguntado como se sentia a respeito do fato de que determinado tenista americano havia sido o primeiro a chegar à semifinal de um certo torneio (o jogador exigiu que o repórter corrigisse o termo para “jogador masculino”, uma vez que as irmãs Williams já tinham conseguido tal feito antes e mereciam tal reconhecimento).

Nota 4/5

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

2 thoughts on “Crítica: A Guerra dos Sexos

  1. Emma Stone como sempre muito bem e me pergunto se usaram dublês nas partidas pq o pessoal que é mostrado joga bastante bem! Vc tem informações sobre isso? Tem um filme do chatérrimo Woody Allen em que o Paul Bettany e a Kirsten Dunst em que parece que os proprios atores fizeram algumas jogadas mas da pra perceber que nao sao tao bons ao ver o filme…

  2. Sei la na epoca mulher era mesmo subjugada socialmente e todo homem aprendia isso em casa… muitos machistas da epoca eram boas pessoas q nao sabiam q pensar assim era errado… tb nao da pra julga los monstros por isso… hj sim com todo o esclarecimento sobre o assunto quem ainda eh machista eh monstro

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