Crítica: Pobres Criaturas (Poor Things)
Diretor: Yorgos Lanthimos
Elenco: Emma Stone, Willem Dafoe, Ramy Youssef, Vicki Pepperdine, Christopher Abbott, Jerrod Carmichael, Kathryn Hunter e Mark Ruffalo
O diretor grego Yorgos Lanthimos é hábil em discutir temáticas bastante contemporâneas através de uma atmosfera de incômodo e um humor beirando ao bizarro constante de personagens ocasionalmente aprisionados num mundo particular. A solidão da sociedade moderna, as consequências da proteção excessiva dos filhos ou picardias e traições dentro da corte inglesa.
Por esse breve resumo pode-se constatar a ambição temática em correr riscos através de sua narrativa, no entanto, se a “estranheza” de sua obra foi aos poucos sendo lapidada como visto em A Favorita – talvez para caber num circuito menos acostumado com obras como Dente Canino ou O Lagosta – Lanthimos jamais esquece que, apesar de tudo, o contraste e o inusitado ainda são elementos fundamentais para a temática de seus filmes.
Elementos que não seriam diferentes nesse ótimo Pobres Criaturas, uma obra com contorno fabulescos servindo não somente como uma homenagem conceitual, uma reinvenção aos filmes de terror de Frankenstein (no caso mais apropriado, a noiva de Frankenstein), mas uma importante discussão sobre a liberdade (sexual) feminina em numa sociedade primitiva de direitos, onde os impulsos femininos são castrados pela religião e principalmente pelo patriarcalismo que vê nessas ações algo a ser temido e combatido.
Roteirizado a partir da obra de Alasdair Gray, Pobres Criaturas é eficiente ao remontar todos os conceitos filosóficos da obra de Mary Shelley ao ponto de quase se tornar uma espécie de espolio intelectual da escritora ao usar o ponto de vista feminino e não somente a visão do homem ao agir como Deus. Uma necessidade de autoconsciência da mulher para seus desejos e controle do corpo personificado na figura de Bella Baxter (Stone), cuja capacidade motora e mental de um bebê está presa do corpo de uma mulher adulta após a experiência feita pelo seu pai Godwill Baxter (DaFoe) cujo feto era visto como uma herança desse mesmo domínio masculino diante do corpo feminino.
Obviamente, a figura de Dafoe chamado de God (Deus em Inglês) é uma metáfora clara à figura de Victor Frankenstein, mas além do acréscimo dessa imagem quase divina (o que acaba engrandecendo ainda mais a discussão filosófica ao permitir o livre arbítrio como uma condição natural a suas criações), é interessante notar que Godwill não figura como alguém particularmente tirano como possa parecer devido a seu aspecto marcado pelas torturas sofridas pelo próprio pai (quem seria o pai de Deus?) em nome da ciência (claro, sua empatia com a dor e sentimentos alheios é zero e sempre visto como uma condição científica), mas ainda assim ele demonstra um certo equilíbrio ao surgir como um cientista levando ao limite do conhecimento suas experiências, que beiram o grotesco, mas ao mesmo tempo em que demonstra um sincero sentimento paterno por Bella, respeitando suas decisões de conhecer o mundo, mesmo isso custando sua felicidade e até mesmo vida.
Assim, logo após ser prometida para o jovem Max McCandles (Youssef) Bella decide antes viajar pela Europa com Duncan Wedderburn (Ruffalo, servindo perfeitamente como “vítima” para Bella); e essa aventura é o que torna a obra tão significante ao permitir à personagem servir como simbolismo desse amadurecimento feminino na presença de Emma Stone.
A atriz faz aqui uma composição brilhante (tanto física quanto psicológica) de uma personagem tão natural ao contraste ao contexto de sua origem. Suas nuances inspiradas se mostram durante a evolução física e mental de Bella, em seu aprendizado como pessoa, numa sociedade hipocritamente chamada de polida, com seu andar desajeitado e sua percepção da vida e morte bastante banal a ponto de permitir um instinto psicopata materno.
Auxiliada pelo excelente roteiro, a atriz compreende todas as etapas da protagonista, como ela pode ser influenciada quando ainda é vista como uma jovem em iniciação sexual para homens mais velhos até sua maturidade e decepção pelo mundo exterior que tanto desejava conhecer (“Eu me aventurei e não encontrei nada além de açúcar e violência”), suas idiossincrasias em pautar o humor crítico (“É um problema fisiológico? Uma fraqueza nos homens”) até sua completa transformação intelectual, mas não menos frustrante, e servindo como aprendizado sobre consciência de classes ao perceber que a vida sexual da mulher é mais importante do que fome e miséria alheia.
Aliás, essa liberdade (sexual e social) é obviamente a ênfase para uma discussão que o filme pode causar: nudez e sexo. Claro que o filme – classificado para +18 – irá atingir o fundamentalismo da sociedade atual que sempre vê no sexo algo a ser combatido. Nesse caso não adianta comentar muito, esse tipo de gente é ameaçada pela representação da liberdade que isso possa significar e ponto.
Mas também temos outra questão, a da objetificação do corpo da mulher devido à exposição de Emma Stone nas cenas e pelo filme ser dirigido por um homem. Mas, cinema é arte coletiva e como a própria atriz (e também uma das produtoras do filme) disse em entrevistas, tais decisões surgidas no filme passaram por ela também, então não levar em consideração isso é ignorar a própria importância dela dentro e fora da tela; claro que existem filmes que fazem isso (Azul é a Cor mais Quente, por exemplo, em que a atriz Adèle Exarchopoulos reclamou da maneira que foram conduzidas as cenas), mas aqui em Pobres Criaturas não é o caso.
Fotografado de maneiras marcante por Robbie Ryan, Pobres Criaturas traz sempre o espectador vendo aquele universo através de lentes angulares que deformam o aspecto visual, representando como se espionássemos através de uma redoma aquele universo igualmente disforme em que Bella tenta escapar; fora que por um momento chega até mesmo a fechar tanto o ângulo que acaba transformando a imagem na forma de órgão sexual (feminino). Além do mais, ao transitar pelo preto e branco característico dos filmes clássicos de terror, o filme flui e interage com o colorido que contribui organicamente com outros elementos filme.
Vale a pena comentar o belo trabalho da direção de artes ao compor aquela atmosfera vitoriana, mantendo o padrão durante todo o filme. Se inicialmente Bella é vista como uma prisioneira de sua mansão, é interessante notar a lógica ao vislumbramos os detalhes do interior do barco (no meio do mar) e a casa de Madame Swiney (Hunter) igualmente luxuosa em seu contexto, mas ainda visto como prisão. Assim, como o fato da cidade de Lisboa soar (por apresentar o ponto de vista de Bella) como uma fábula de fados, doces e bondinhos atravessando a cidade, representando uma visão inocente de um jovem em formação.
Até porque é valido esse ponto de visto ao percebemos que, apesar de surgir na cidade com óculos escuros e short, Bella não se sente uma estranha, ou seja, ela tem o “domínio” sobre aquele local. Além disso, o figurino de Holly Waddington reflete essa personalidade mutável de Bella e seus desejos da época retratada, inclusive, não sendo coincidência que as blusas dos vestidos façam por vários momentos uma conotação clara a um clitóris extenuando o contexto da personagem.
Inspirado ao transpor um universo tão diferente para discutir algo tão importante, a obra é a ode de Bella Baxter contra uma sociedade montada para ser hostil à mulher. Agora com essa possibilidade de transformar o universo a seu bel prazer, não haverá nenhuma dessas pobres criaturas para ousarem atravessar seu caminho.
Rodrigo Rodrigues
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que filme esquisito
A critica tende sempre a adorar diretores como Lanthimos, pq foge do lugar comum. Inovam. Atacam. Ousam. E melhor alguem errar pra mais do que pra menos, na arte. Melhor um Lanthimos errando mas tentando fazer algo original do que um Michael Bay errando por fazer mais do mesmo (e mal feito). Meu ponto é: paramos por aqui. Alem desse ar fresco que cineastas como Lanthimos traze, muito pouco eles acrescentam. TIrando a originalidade do diretor, que na pratica se traduz em personagens bizarros e situacoes quase surreais, em tramas amalucadas que ele salpica com um ar cômico so pra dar uma disfarçada, o que de fato bom e de qualidade seus filmes nos nao? Nada. Pra mim so nao fica na mesma prateleira do Michael Bay pq o Lanthimos pelo menos tenta fazer algo diferenciado (voltei ao inicio do comentario, nossa, que obvio). De resto os filmes do Lanthimos tem o mesmo resultado que os do Bay: a gente nao entende direito a trama, os personagens sao esquisitos, os dialogos nos deixam sem entender direito o que se passa com quem os fala, ou seja, os tais personagens esquisitos, e a trama é inverossimil ate o talo. Da pra se divertir? No caso do Bay, desligando o cerebro, no caso do Lanthimos, tambem. Deixa rolar, aceita que o mundo deles é uma coisa meio sem sentido e pronto. Os filmes do Lanthimos tem um ar mais cult, mas é só perfumaria: seus filmes sao tao bestas qt os do Bay. São aqueles filhos de riquinhos que se vestem bem e decoram passagens de alguns livros interessantes, mas que tem as mesmas ideias rasas e os preconceitos da molecada das quebradas, claro que essa molecada tem proconceitos diferentes, mas tb tem. E tb sao idiotas.
melhor comentario muito sensato
filme sem nada de bom nao perca seu tempo nem a Emma Stone vale a pena pq como é filme woke enfeiaram ela
nao enfeiaram, so fizeram ela ser promiscua pq afinal isso tem que representar a independencia e a evolucao dela como personagem e bla bla bla
um otimo filme que representa muito bem o começo da emancipacao feminina
muito bom recomendo mesmo com o excesso de softpor
achei um belo filme, mas ao contrário do crítico, pra mim o excesso de cenas eroticas enfraqueceu a obra ao inves de empodera-la
duvida sincera: a mesma historia, sem mostrar as cenas quase pornos, faria o filme “conservador” ser tao bem estimado? o que eu tenho visto me induz a acreditar que a resposta é “não” e ai entao temos um problema
ser humano é um bicho estranho… acha que se “empoderar” é poder fazer muito se#o de fora promiscua… e to falando tanto de homem qt de mulher, alias, homem pior ainda, se gaba de qt mais mulheres pega
um bom filme e a galera so foca no lance do sequiçu
o filme se promove em cima disso, usa ate pra gerar polemica e se promover e faturar mais, entao é normal que o tema s e x o seja a pauta das discussoes do filme
tai um filmaço
otimo filme, otimos atores… exagerado na questao do s#xo? sim, mas nao chega a atrapalhar nada nao
depende… se vc se incomoda com isso, atrapalha sim
“so acho estranho que”… sempre pra promover essas pautas supostamente igualitarias, a coisa tem que tender pra libertinagem, pro exagero, pra p*t#ria… pq? (duvida sincera)
tb nao entendo pq acham que a vulgaridade é uma emancipação feminina, uma conquista da mulher… vide o funk pornografico que seria um “empoderamento” das mulheres… que maluquice