Crítica: Eu, Tonya (I,Tonya)

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Direção: Craig Gillespie

Elenco: Margot Robbie, Sebastian Stan, Allison Janney, Paul Walter Hauser, Caitlin Carver, Julianne Nicholson, Bojana Novakovic e Bobby Cannavale

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Nota 4/5

Iniciado com entrevistas simuladas, este Eu, Tonya já brinca de emular a realidade que durante toda a projeção é desafiada pelo tom quase surreal dos verdadeiros fatos relacionados à patinadora Tonya Harding (Robbie) acusada de planejar, junto com seu ex-marido Jeff (Stan) e seu guarda costas Shaw (Hauser), a agressão à rival Nancy Kerrigan (Carver) durante as prévias para as Olimpíadas de Inverno de 1994; cuja ação tomou conta dos noticiários através de uma história com desdobramentos cada vez mais surpreendentes e abalando o esporte na época (indivíduos vistos como “idiotas” pelo jornalista Martin Madoxx que, interpretado por Bobby Cannavale, faz com que o ocorrido assuma ainda mais uma aura absurda).

Além da própria Harding, participam dos “depoimentos” o ex-marido de Tonya, Jeff Gillooly (Stan) e a mãe da jovem, interpretada por uma ótima Allison Janney (justamente indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante).  A obra acaba se tornando uma agradável surpresa, um longa sobre fama e fracasso, servindo, inclusive, como uma prévia para a discussão sobre a necessidade do público americano em criar um elemento de amor e ódio relacionado as personalidades como um capítulo descartável da novela até o próximo escândalo envolvendo alguém famoso (não sendo a toa que identificamos no noticiário na TV o início do caso de O.J Simpson – que se tornou célebre por praticamente parar o país durante o julgamento inflamando o debate sobre o racismo americano).

Tonya_cartaz Crítica: Eu, Tonya (I,Tonya)

O diretor Craig Gillespie poderia facilmente transformar este Eu, Tonya num drama biográfico carregado nas encenações correndo o risco inclusive de abusar nos tons novelescos e cansativos. Todavia, ciente de estar diante de uma história permeada de personagens e situações que, dentro de sua realidade já absurda de acontecimentos que somente poderiam ter sido realizados por indivíduos sem qualquer discernimento ou bom senso, Gillespie tem o mérito de manter o interesse na história sobre a patinadora com nuances narrativos, por exemplo, de Os Bons Companheiros de Scorsese – e por mais estranho que aparenta, funciona. Ademais, por mais que negasse tal informação prévia, a narrativa jamais deixa de ocultar sua inspiração devido aos diversos fatores como: o humor negro misturado com violência, o uso por diversas vezes da quebra da quarta parede e algumas telas divididas dando agilidade a estrutura, inserindo de maneira orgânica o espectador na trama e julgamento dos personagens. Assim durante uma das incontáveis brigas entre Tonya e o marido,  e quando a mesma se volta para o público dizendo ”Eu não fiz isso” ou ”Não foi assim”, a obra mexe com nossas interpretações sobre a veracidade dos fatos  – não faltando, inclusive, um pequeno plano sequência se passando dentro de um bar com a fotografia de Nicolas Karakatsanis exaltando o vermelho e uma referencia aos famosos treinamentos típicos Rocky Balboa.

(E se a narrativa ajuda a criar este clima quase dicotômico de humor e tragédia, é através dos personagens secundários que temos a certeza que estamos diante de algo que denota estranheza. Como visto na ótima presença do ator Paul Walter Hauser, cujo personagem serve como alívio cômico por ele criar um mundo imaginável dentro de sua cabeça e ser responsável por levar o plano de agressão adiante). Inclusive, a trilha sonora dos anos 70 (Bee Gees, Bad Company, Supertramp, Fleetwood Mac), passando por sucessos dos anos 80 (”Gloria” de Laura Branigan, ”The Passenger” com Siouxsie and the Banshees), servem como um exemplo deste distúrbio da protagonista e sua história.

Entretanto, é no conflito entre Tonya e sua mãe que temos a dimensão de quanto destrutivo e instável era seu mundo a ponto de facilmente identificarmos suas frustrações e medos. Tendo na figura materna uma pessoa dominadora, hostil, exigente , pouco agradável e que, mesmo surgindo nos depoimentos com um periquito em seus ombros (o que criar uma atmosfera quase caricata), somos convencidos a entender que, por justificáveis que sejam os atos de tornar sua filha uma vencedora no esporte, jamais deixamos de odiá-la e vê-la como um monstro, mesmo que cheguemos ao ponto de achar que veremos uma espécie de arco de redenção do amor de mãe e filha (expectativa esta quebrada de maneira que torna tudo ainda mais duro). Dois indivíduos que há muito tempo deixaram de coexistirem de maneira pacífica e vivendo em mundos diferentes,e mesmo que Tonya tente uma reaproximação, o encontro sempre termina com algum tipo de violência – salientado, por exemplo, quando em num momento de imensa alegria da filha, a mãe é esta posicionada dentro das sombras enquanto a filha permanece no claro, ressaltando suas diferenças.

Tonya não se via como uma “pessoa de verdade”, e a patinação era vista como um esporte em que a mulher era tratada como um objeto frágil.  Um tipo de bibelô que Tonya jamais fez o biótipo devido ao seu gênio forte e senso competitivo precoce influenciado pela mãe e um relacionamento familiar que nunca foi um exemplo da família tradicional americana, como a própria personagem admite. Tal fato a tornava “masculinizada” e um “patinho feio” para o esporte a levando a constantes brigas e atritos com jurados durante a carreira por não concordar com as notas.  Contudo, e sem se dar conta, o problema nunca foi sobre patinação, mas a tal da imagem dela ser uma afronta aos bons costumes do país devido a sua postura. E neste ponto, por nunca ter tido um núcleo familiar estável, o filme nos permite criar a identificação com relação ao arco da personagem vendo cada vez menos a possibilidade de exercer a única coisa que realmente gosta de fazer.

Méritos para Margot Robbie em expor as facetas de Tonya de maneira intensa através dos relacionamentos abusivos a que foi submetida. Uma mulher que precisa questionar a própria mãe sobre os sentimentos maternos e que abre qualquer defesa apenas para dizer que desejava realmente ser amada. Tanto que, confiando na presença da atriz, o diretor criar vários momentos que qualquer um ator adora: monólogos em frente a espelhos e situações que a personagem transmite vários conflitos internos. Como podemos ver na cena em que a patinadora, ao entrar no ringue de patinação, a mesma precisa transformar um estado de extrema tristeza em um momento de felicidade (falsa) para os jurados e o público.

Jamais assumindo alguma posição sobra a culpa ou não de Tonya, a direção mantém aberta a interpretação e o julgamento para o público. Todavia, a questão não é defender ou condenar com as ações de Tonya, mas entender aquela personagem que, entre “mortos e feridos” mediante aos fatos apresentados, pagou um preço muito mais caro que qualquer outra pessoa.

Tonya_final Crítica: Eu, Tonya (I,Tonya)

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a história ou acharem que Cinema começou nos anos 2000! De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

4 thoughts on “Crítica: Eu, Tonya (I,Tonya)

  1. As lembranças sobre o famoso caso da atleta que “supostamente” teria mandado quebrar a perna da rival a alguns meses das Olimpíadas de Inverso, são muito frescas pra mim. Acompanhei todo o caso nos jornais e TV, na época quando fazia faculdade. Sempre era assunto de roda. A imprensa logo pintou o quadro da mocinha X vilã em praticamente todo o caso. Ainda assisti a apresentação das duas na TV, durante a transmissão da Olimpíadas de Inverno de Lillyhammer , o choro da Tonya e no final, deu ….(surpresa, veja o filme). A outra patinadora, suposta ” princesa pela mídia e heroína americana” Nancy Karrigan também teve sua reputação manchada após as Olimpíadas, como o caso que ocorreu com ela na Disneylandia, onde se recusou a mostrar a medalha, ao lado dos personagens Disney em uma parada . Dizendo que era “muito brega”. Então quando anunciaram este filme, é claro que queria ver muito.
    Obviamente a vida de Tonya com os abusos de sofreu e pobreza, não é motivo para coloca-la como vítima da sociedade, mas obviamente, não existem vencedores aqui. O filme é ótimo e se deixa levar pelo clima comédia e pastelão dos envolvidos. Margot Robbins está ótima como Tonya Harding mas quem se destaca bastante e tem cheiro de Oscar Coadjuvante chegando é a atriz Allison Janney, que faz a mãe de Tonya. Um verdadeiro demônio…

    Outro ponto positivo é sua trilha sonora com grandes sucessos dos anos 70 e 80, como Z Z Top, Supertramp, Bad Company, Laura Branigan, Siouxie, Fleetwood Mac e tantos outros sucessos.

    Nota 4 de 5

    1. como assim “supostamente”??? ela mandou de fato quebrar… pode nao ser um caso d emocinha x vilã mas que mandou, mandou…

    2. Augusto
      Bem vindo
      Segundo o filme (e na vida real) não foi provada a participação dela na agressão (nem intelectualmente falando). Entretanto , houve sim uma intenção por parte de Tonya de ameaçar a rival de maneira anônima (não um plano de agressão)
      Obrigado pelo participação
      Abraços

    3. Ricardo
      Bem vinda
      Obrigado por compartilhar sua opinião!

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