Crítica: A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl)
A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl)
Direção: Tom Hooper
Elenco: Eddie Redmayne, Alicia Vikander, Amber Heard, Ben Wishaw, Sebastian Koch e Matthias Schoenaerts
Aprisionado num frágil corpo, mas ainda assim masculino, o bem sucedido pintor Einar Wegener (Redmayne) nunca sentiu problemas aparentes com sua vida sexual. Assim, casado com a também pintora Gerda (Vikander), Einar jamais imaginou em se assumir como mulher e se tornar um símbolo de pioneirismo em plena Copenhague dos anos 20. Até que inesperadamente sua feminilidade aflora ao ponto de jamais ter dúvida de sua sexualidade e decidir pela arriscada cirurgia para mudança de gênero.
Numa época em que o homossexualidade era tido como uma doença (infelizmente algumas pessoas defendem isso até hoje), a cirurgia de adequação do genital era vista como uma aberração ainda maior, digna de tratamento para esquizofrenia. A história por si é uma grande atrativo, ainda mais contando com a atuação de Redmayne, com um bom design de produção e uma fotografia por vezes muito bem trabalhada.
A construção do ator é bem feita e Redmayne entrega um trabalho competente, mesmo que novamente, tal como ocorreu em A Teoria de Tudo, necessite do suporte da direção de artes e figurino. O gestual do ator é elogiável e vemos a delicadeza de seus movimentos, quando em contato com um vestido – dado pela esposa – representando o primeiro contato com sua feminilidade. Ou numa linda cena, que se passa num clube de strip-tease, quando vislumbramos sua verdadeira face assumida no corpo de outra mulher através do reflexo do vidro.
Completado com seu olhar de uma pessoa desprotegida ao assumir-se como Lili, ele jamais deixa de convencer como mulher (ou alguém que deseja se tornar uma) e a química com Alicia Vikander funciona. Assim como no mais complexo relacionamento do filme, quando conhecemos o personagem de Ben Shaw. Ficamos cientes, independente da situação, que os sentimentos dele por Einar atravessam qualquer barreira de opção sexual, mantendo-se respeitoso até o fim.
Mesmo que no roteiro de Lucinda Coxon, baseado no romance de David Ebershoff, Gerda praticamente force a transformação de Einar, apenas para gerar sua óbvia surpresa, é delicado vermos os pequenos detalhes que ratificam o afastamento entre eles. Como, ao ser beijado por Gerda, Lili delicadamente leva um lenço à boca como se rejeitasse educadamente a ultima lembrança do relacionamento.
Entretanto, estamos falando de um filme de Tom Hooper, o mesmo dos premiados Os Miseráveis e O Discurso do Rei. Assim, com poucos minutos de projeção, o diretor já disse ao que veio: seus tradicionais e inexplicáveis posicionamentos de câmera demostram não somente a persistência errônea, características de seus filmes, como parece ter um sadismo incontrolável para sabotar suas virtudes, comprometendo A Garota Dinamarquesa.
Mesmo possuindo uma bela fotografia, por inúmeras vezes Hooper, como lhe é peculiar, abusa dos planos curtos e closes, desperdiçando o trabalho fotográfico. Como, por exemplo, na cena que se passada numa galeria em Paris, o diretor abusa de planos baixos e angulares que, além de não passar de maneira clara nenhum ponto de vista, prejudica o belo trabalho do design de produção e os belos afrescos do local.
É inegável que o diretor tem suas qualidades, pois a fotografia onde predomina o formalismo da cor azul é completada com belas imagens que relembram, por vezes, pinturas em movimento, como na linda cena em que o protagonista, diante do espelho, se desnuda ao descobrir o prazer oculto. Mas, como dito anteriormente, Tom Hooper parece ter uma vontade enorme de prejudicar sua narrativa como quisesse provar alguma coisa para o público.
Mantendo boa parte do filme tratando da construção da personalidade de Einar em Lilia, a montagem acaba comprometendo a estrutura, no terceiro ato do filme, devido ao seu clímax. Assim, a direção acaba correndo a ponto de quase suprimir um dos principais fatos: a operação de troca de sexo e as consequências (tanto que ao mostrar Lili em sua nova vida e ocupação, a cena acaba ficando deslocada e descartável).
Ao tratar Gerda com uma mulher forte e que sempre se prontificou a apoiar Lili, a direção erra ao querer desnecessariamente criar um contraste comportamental com o marido. Por vezes Gerda tenta soar masculinizada, como se esta inversão de papeis ajudasse a contrastar com Lili, mesmo que a personagem na vida real pudesse ter sido homossexual, isso não é regra que prejudique a feminilidade.
Quando tenta fugir de seus planos característicos, o diretor movimenta a câmera para frente e para trás como se tentasse empregar um dinamismo. As rimas e simbolismo da direção, apesar de visualmente bonitas, soam demasiadamente forçadas. Como, por exemplo, o fato de determinada cena haver um sangramento simbolizando a perda da inocência de Lili. Mas em outra Gerda e Lili dormem separadas, inutilmente, apenas por um pano, como se aquilo fosse necessário para representar o distanciamento que já ficou claro ao longo da história.
Nos seus minutos finais, confirma-se toda a incapacidade do diretor em confiar no público sem ser clichê e maniqueísta. Impossível não se incomodar com determinada cena em que, em vez de Hopper apostar na sensibilidade e na composição estética da cena, martela na cabeça do espectador: Esta cena simboliza isso, repararam? Hein? Viram?.
A Garota Dinamarquesa ganha pelo seu conteúdo, importância e aspecto humano mesmo aquém da profundidade e discussão que poderia levantar. Conclusão está mais baseada na forma com que foi tratado pelos seus realizadores do que propriamente a causa em questão.
Cotação 3/5
Rodrigo Rodrigues
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