Crítica: A Bruxa (The Witch – A New England Folktale)
A Bruxa (The Witch – A New England FolkTale)
Direção: Robert Eggers
Elenco: Ralph Inenson, Anya Taylor Joy, Kate Dickie, Harvey Scrimshaw, Ellie Grainger e Lucas Dawson.
Como diria o historiador Georges Minois: “a Igreja dava aos fiéis meios de suportar as angustias que ela própria suscitava”. O imaginário coletivo medieval sempre foi um campo fértil para o surgimento dos mitos, lendas e fatos que, não somente se perpetuam até hoje na crença popular, como influenciam várias histórias na literatura. Apoiado constantemente em simbolismos (que exemplificaremos mais a frente) o filme usa o relacionamento familiar de imigrantes Ingleses, com a forte influência religiosa característica da época, como elo para sinistros e violentos acontecimentos fazendo com que tenhamos uma visão daquela época como um filme de terror em si.
Assim, A Bruxa chama certa atenção também por se apresentar com um filme de gênero mais contextual e diferencial da maioria das obras semelhantes, além das referências a muitas das lendas em que se basearam em famosos contos (que hoje são considerados) infantis – como, por exemplo, Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve e João e Maria. Claro que contextualmente não podemos de esquecer também de A Bruxa de Blair.
Ficamos conhecendo a família de William (Ineson), composta pela esposa Katherine (Dickie) e os filhos Thomasin (Taylor-Joy), Cabel (Scrimshaw) e os gêmeos Mercy (Grainger) e Jonas (Dawson). Vindo com os colonos Ingleses para o Novo Mundo, em 1630, eles vivem sobre a aura do fanatismo religioso vigente, com padrão moral e resposta para os questionamentos de vida e morte. Após um desentendimento com os líderes da colônia, eles são obrigados a abandonarem o local para viverem num remoto lugar perto da floresta e de maneira ainda mais precária. William é o condutor inicial da ação do filme. Sempre com aparência messiânica como Cristo e voz imponente, o homem jamais admite questionar as palavras da Deus, mesmo que gere como consequência imensa dor à sua família; a sua superioridade como patriarca é ratificada pelos enquadramentos de câmera, quase sempre de baixo para cima e centralizada. Sua posição também é confirmada quando a direção de arte transforma um jantar de família numa metáfora à Santa Ceia, onde, obviamente, ele é a figura central.
A direção trabalha constantemente o clima de suspense, sem necessariamente expor em demasia o terror como forma fácil de assustar o público. Apesar de que, durante o primeiro ato, mesmo que rapidamente e de maneira não clara, essa mesma direção demonstre este elemento como se dissesse “olha, está aqui seu ‘monstro’ ! Mas agora vamos desenvolver as histórias e os conflitos”.Contudo, mesmo a fotografia se apresentando de maneira dessaturada todo o tempo para entristecer ainda mais aquele cenário, a tensão com sua trilha sonora invocativa e abordando todas as referências citadas, a direção acaba, a meu ver, tornando-se vítima da insegurança ao não confiar totalmente na sua narrativa. Soando como estivesse na obrigação de explicitar, mesmo que por breves momentos, os elementos sobrenaturais para o espectador.
Ainda mais quando o roteiro tenta inserir (inutilmente) certa dúvida relacionada ao responsável pelos acontecimentos, apenas para tentar surpreender o público (obviamente não consegue). Quebrando, mesmo que levemente, a velha regra do poder da sugestão tão importante para o gênero. É uma pena, pois, os melhores momentos do filme são justamente aqueles não inerentes ao contexto principal, onde o tal conflito familiar é exposto, rendendo diálogos (alguns quase teatrais) sobre a fé e o fanatismo, como o maior dos perigos. Como visto numa importante cena que serve ao propósito do filme e que inspirado, claro, em O Exorcista.
Interessante são alguns dos pontos do filme do diretor Robert Eggers, que trabalha corretamente o tal imaginário quanto a assuntos inerentes ao aspecto religioso como satanismo, possessão e obviamente de elementos sobrenaturais representados também nas figuras de animais, que sempre possuíram grande representatividade dentro das religiões. As referências e as inserções de elementos zoomórficos (não é spoiler) – como o bode que, segundo algumas religiões, tem conotação demoníaca – completam o cenário bizarro. O animal é figura importante, não só por ser um elemento constante servindo para alimentar o medo, mas também por ser importante para a conclusão do filme. Contexto este que serve também como fonte para o preconceito contra a sexualidade feminina, sempre visto como pecado e fruto satânico, além da questão da culpa pelos pecados do homem. Obviamente ratificado pelo fato da filha mais velha, em plena puberdade, se chamar Thomasin, sendo a palavra sin significar pecado, em inglês.
É necessário ser justo e comentar também que de certa maneira o filme é um pouco sabotado pela sua expectativa em torno dele, pelo menos aqui. Com a inserção do conceito bruxa, acredito criar contextualmente certo anticlímax diante do público, mesmo que ainda venha com textos autoexplicativos. Todavia seria melhor não ter chamado inicialmente tanto atenção. O filme é brilhante assim!
Cotação 3/5
Rodrigo Rodrigues
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Excelente critica. E ainda bateu com o q eu achei. A maioria ou nao gosta do dilme pq quer sustos e gore ou acha fantastico… eu concordo com vc.
Sigma Olomuc
Obrigado pelo comentário e elogio. Realmente o público esperava algo mais voltado ao terror em si e isso prejudicou uma analise melhor.
Enfim, jamais devemos criar expectativa para um filme.
Abraço e seja bem vindo ao site.
Só de ver essa foto eu volto a ficar perturbado! ahahahah
Esta cena confirma a metáfora religiosa. O pai é o próprio Jesus Cristo.rs