Crítica: Steve Jobs
Direção: Danny Boyle
Elenco: Michael Fassbender, Kate Winslet, Seth Rogen, Jeff Daniels, Adam Shapiro, Katherine Waterston, Makenzie Moss e Perla Haney Jardine
“Enquanto outros tocam, eu conduzo a orquestra”.
Steve Jobs possui o mérito de esmiuçar com profundidade a figura do homem, sem a necessariamente de tornar tudo uma ode tecnológica que pudessem ratificar a condescendência consumista humana. Uma necessidade resumida em suas famosas frases (“As pessoas não sabem o que querem até você mostrar a elas”) e na falsa autoafirmação que os apetrechos eletrônicos da Apple poderiam trazer.
Usando uma narrativa bem mais ágil e funcional do que feito no esquecível Jobs (2013), com Ashton Kutcher, Steve Jobs mostra os bastidores da apresentação do computador LISA em 1984 até meados dos anos 90, quando lançou o revolucionário iMac. O filme abrange todos seus erros como altos e baixos, tanto quando foi demitido da própria Apple – para retornar anos depois e elevar a empresa a marca mais valiosa do mundo -, quanto o relacionamento conturbado sobre paternidade.
Conhecemos não somente a construção do mito, mas o passado e motivações pessoais do próprio indivíduo que era tido como arrogante, insensível, manipulador e antissocial. Um homem que ignora sentimentos alheios apenas para manter certo poder diante das pessoas que o cerca e generaliza a todos como reféns da necessidade de transferência bancárias como compensação.
Entretanto, aos poucos vamos sutilmente encarando as mudanças de seu temperamento, principalmente ao acompanharmos a evolução do relacionamento com sua filha Lisa (Jardine), que acaba, poeticamente, tendo influência na criação de outro de seus famosos produtos no futuro. Assim como detalhes sobre seus conflitos pessoais devido ao abandono pelos pais biológicos.
A estrutura criada pelo diretor Danny Boyle invoca um pouco a mesma dinâmica usada em Birdman: bastidores de um teatro como um grande divã dos personagens envolvidos como transformasse o filme numa ópera teatral, evidenciado pelo ótimos diálogos, como visto na discussão entre Jobs e Sculley (Daniels). O resultado desta sinfonia? Produtos tecnológicos revolucionários que Jobs apresentará ao um sedento público que transforma o local numa arquibancada de estádio.
O roteiro de Aaron Sorkin, baseado na biografia de Walter Isaacson, consegue criar boas metáforas dentro dos próprios produtos que Jobs ajudou a criar como sua imagem e semelhança: sistemas fechados que não permitiam, assim como ele, acesso que não fosse de sua própria vontade. Um homem que ignora pessoas que o ajudaram no passado apenas por achar que lógica não se aplica, mesmo que ponha em risco sua amizade com o cofundador da Apple, Steve Wozniak (Rogen).
Os relatos da personalidade de Steve Jobs seriam mais que suficiente para moldar o protagonista, entretanto Michael Fassbender incorpora de tal maneira a força de Jobs que mesmo não mantendo uma semelhança física, fica difícil não sentirmos atraído pela sua atuação e magnetismo. Assim, basta um pequeno gesto ou vestir o tradicional Jeans com blusa preta para que realmente tenhamos a noção completa de que ali está Steve Jobs em sua completa criação.
Para Jobs não destoar de todo o elenco era necessário alguém a altura para confrontá-lo, assim Kate Winslet tem uma atuação sublime e assume as rédeas quando em cena, sendo uma das poucas a desafiar Jobs como um homem que é capaz de mudar o mundo da tecnologia, mas é incapaz de pedir desculpas. Joanna (Winslet) é perfeita para criar tensão ideal com Fassbender como uma confidente e bússola moral de Jobs sem que nenhum momento tenha espaço para qualquer envolvimento além do profissional.
A direção de artes faz um belo e inteligente trabalho ao constantemente associar o ambiente como união do homem (Jobs) com a máquina. Como por exemplo, em determinados momentos as estruturas de bastidores do teatro lembrarem circuitos devido aos seus emaranhados de cordas e fios com suas simetrias. Ou como em determinada cena somos indiretamente apresentados a um dos seus mais famosos aparelhos através dos elementos em cena e da iluminação, como se estivéssemos vislumbrando um teclado high tech.
Finalizando o bom trabalho técnico dos realizadores, a fotografia tem um importante papel ao auxiliar a passagem de tempo feita de maneira orgânica. Durante o primeiro ato, passado ainda no início dos anos 80, a imagem é nitidamente granulada evidenciando aquela época pré-digital da tecnologia, ratificando a lógica visual empregada pela direção.
Assim como os grandes nomes da história contemporânea como Picasso, Alan Turing e Arthur C. Clarke, Steve Jobs despertou um fascínio e particularmente em seu caso, muitos detratores pelo seu comportamento. Contudo, a polêmica que sempre cercou sua figura seria se ele merecia tal comparação e a acunha de gênio, por ser uma figura com tantas adjetivações, mas independente de tudo, ainda sim visionário e humano.
Cotação 4/5
Rodrigo Rodrigues
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Sou fã do Boyle! E o Fassbender como sempre perfeito!
Boyle de volta à boa forma… Defeito: Sorkin escreveu “A Rede Social” (2010) e aqui mais uma vez dá mostras de seus diálogos rápidos e cortantes ditos por personagens cerebrais. Combina que é uma beleza com o estilo frenético de Boyle, principalmente nos momentos de embate repletos de tiradas engraçadinhas e frases de efeito. Mas diretor e roteirista derrapam na emoção, e na maioria das vezes – como em alguns encontros de Jobs com a filha – a coisa toda soa um pouco piegas. Além disso, a própria estrutura narrativa da divisão em três episódios acaba se tornando uma prisão para a obra, de modo que os encontros, reencontros e desabafos antes de cada lançamento soam tão forçados que até o personagem principal faz um comentário metalinguístico sobre isso. É isso… bela crítica!!! Parabéns!
Obrigado Ilie
Parabéns pelo comentário, pois mostrou uma visão diferente e que abre espaço para o diálogo.
os diálogos realmente foram pontos fortes sim. Danny Boyle fez um ótimo trabalho e mesmo seu ritmo frenético achei que ficou bem mais comedido (para o bem) neste filme.
Não senti tanto melodrama rs . A atriz que interpreta a filha adolescente é muito boa e o desenvolvimento do conflito(s) foi feito de maneria natural.
A estrutura para mim foi o que mais me chamou a atenção, pois seguiu a logica deste confinamento. Se trouxesse, acredito eu , para o exterior, perderia o ritmo e enfraqueceria a narrativa. Divago…rs
Até porque o design de produção dependia muito deste confinamento (vide as metáfora que coloque no texto entre o ambiente e as “obras” de jobs)
Mas de qualquer maneira somente posso agradecer por permitir a discutir sobre o filme, de maneira lúcida e inteligente.
Interessante como um mesmo elemento causa impressões pessoais distintas rsrsrsrsrs numa coisa concordo, as metáforas estão intrinsecamente ligadas ao design de produção. Só não me agradou muito… mas de resto, um belo filme, uma bela crítica.
A grande magia é justamente esta : subjetividade dos elementos. Claro, embasado em fatos que o filme apresenta. Assim levamos em conta vários aspectos devido a nossa bagagem de referencia pessoais.
O mais importante que a arte (o cinema no caso ) somente existe através do olhos do público.
Abraço bons filmes sempre.