Crítica: A Qualquer Custo (Hell or High Water)
A Qualquer Custo
Direção: David Mackenzie
Elenco: Chris Pine , Ben Foster , Jeff Bridges, Gil Birmingham , Dale Dickey , Katy Mixon , Kevin Rankin , Taylor Sheridan e John-Paul Howard
A revitalização de gêneros no cinema é sempre algo corriqueiro não é de hoje; e o faroeste sempre foi visto como um estilo constantemente inserido nos filmes sem exatamente ter os mesmos elementos do imaginário popular – como Star Wars e Onde os fracos não têm vez, por exemplo. Ou até mesmo quando Sergio Leone dirigiu o seu último filme, Era uma vez na América, o diretor moldou o Western adaptando para a máfia do início do século 20, de maneira sutil, alguns detalhes do estilo que consagrou.
Assim, com um conflito inicial de dinheiro e fé sempre andando juntos, como visto logo no início quando um plano com cruzes antecede um dos assaltos, este A Qualquer Custo não é somente uma nova personificação do gênero faroeste, mas como um panorama de indivíduos, até mesmo pitorescos, dentro de um contexto por vezes melancólico cujas decisões os levam a caminhos sem volta. Contexto de cidades destruídas (ou mortas) que ficaram a mercê da especulação imobiliária e das companhias de petróleo, onde famílias são destruídas e despejadas.
Passando por problemas com a hipoteca da única propriedade pertencente à família, Toby (Pine) se junta ao seu irmão Tanner Howard (Foster), recém saído da prisão, para praticarem pequenos assaltos nas agencias bancárias próximas da região. Todavia, eles são perseguidos pelo experiente policial Marcus Hamilton (Bridges) e seu assistente Parker (Birmingham). Assim, se nos irmãos, temos um interessante contraste comportamental de dor que os une, sem jamais torná-los desafetos, os policiais vividos por Jeff Bridges e Gil Birmingham se completam onde o respeito e amizade prevalecem mesmo tendo o relacionamento usado como base para os diálogos recheados de acidez e humor negro. (Interessante notarmos que no relacionamento entre os irmãos não há exatamente uma pujança entre eles , tanto que por momentos eles se alternam na ações e nos conflitos de maneira equilibrada, onde Chris Pine se mostra como um ponto de controle, mesmo tendo carregado todo o fardo familiar que Tanner jamais se mostrou interessado em participar ou mesmo lembrar).
Já Jeff Bridges constrói seu Marcus Hamilton sempre se apoiando na sua experiência de um homem prestes a se aposentar e sem grandes planos para o futuro. Onde, mesmo puxando pelo sotaque e voz arrastada que o caracterizou em Bravura indômita, o ator jamais se permite cair no automático ao dar camadas emocionais que vão além disso. Portanto, podemos perceber que além de demonstrar apreço pela amizade do assistente que somente uma grande intimidade poderia permitir (reparem a expressão deste segundo ao final da cena do quarto de hotel) , Bridges é capaz de deixar tal “máscara” cair mesmo que por instantes de maneira única. Como no terceiro ato, após a cena do tiroteio no deserto, ele comemora durante segundos, para em seguida, com a voz embargada, voltar à realidade e da perda que antes sofreu.
Ademais, os diálogos a cargo do roteiro de Taylor Sheridan são feitos de maneira cuidadosa com um timming perfeito pela direção, onde o personagem de Jeff Bridges, por exemplo, usa qualquer brecha para provocar a opção religiosa e a origem indígena do parceiro. Como na cena em que os dois estão num quarto de hotel e depois de pontuais ironias, Marcus dispara uma provocação atrás da outra sem poupar até mesmo a religião do parceiro quando este assiste um pastor urrar na TV (“Você não gosta de ver programas religiosos?” – Sim gosto, mas não sou idiota!). Mas tal cenário não se restringe somente ao contexto da dupla, pois ao direcionar sua atenção aos imigrantes, não somente se torna um conceito americano atual, mas servindo de crítica. Como numa determinada cena, um homem armado se surpreende que os assaltantes não sejam mexicanos.
Mas a grande mérito desta obra também é não transformar a narrativa algo que se baseie simplesmente em perseguições, assim é elogiável a analogia representada na obra pelos elementos que tornam o longa um representante do faroeste em si. Assim, os cavalos são substituídos por possantes caminhonetes, os duelos ao por do sol se transformados em tiroteios nas estradas e as pistolas viraram fuzis automáticos, onde a necessidade pelo dinheiro e senso se justiça ainda falam mais alto.
A direção de David Mackenzie traduz de maneira veemente todo o contexto retratado imprimindo um ritmo ágil ao mesmo tempo em que possamos contemplar e se identificar com aqueles temperamentos tão distintos. Mackenzie em nenhum momento apela para grande seqüência de ação recheadas de cortes rápidos e nem por isso se torna as cenas menos impactantes ou tensas, como no momento em que Toby é parado pela polícia e ficamos apreensivos sem sabermos realmente o que vai acontecer. Ou quando, no terceiro ato, onde a dupla esta prestes a assaltar o último banco, a direção dimensiona a complexidade e perigo da próxima ação apenas com um corte sinalizando a quantidade de pessoas no banco. A fotografia de Giles Nuttgens seguindo a lógica narrativa insere grandes vales e paisagens desérticas do Texas com uma palheta de cores quentes e empoeirados do local, assim como permite que antes da ação em si, os diálogos possam ser pontuados por momentos de silêncio (uma influencia também vinda do faroeste de Leone) como na cena que os irmãos decidem um novo roubo tendo ao fundo apenas os ruídos diegéticos do moinho de vento.
Claro que a necessidade da captura dos irmãos é o mote principal, mas ao trabalhar de maneira brilhante suas alegorias e principalmente os relacionamentos daqueles indivíduos, o longa abre não somente espaço para que fiquemos apreensivos, como chegando ao ponto de temermos pelos personagens envolvidos – independente de certo ou errado. Não se trata de torcer pelo “bandido” ou “mocinho” (tal moralismo passam longe por envolver um sistema cruel), mas de como interpretamos as reações de pessoas dentro de um sistema que si somente é um grande câncer maligno e de como faremos para salvar nossas famílias e futuras gerações. E se no seu clímax, o “duelo final” é realizado mais por ameaças e confronto de ideologia que propriamente uma disputa a bala como poderia supor o gênero, todavia, jamais deixamos de sentir que aqueles personagens ainda têm contas a acertar diante de um cenário que poucos se salvarão.
Cotação 4/5
Rodrigo Rodrigues
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