Crítica: Um Limite Entre Nós (Fences)
Um Limite Entre Nós
Direção: Denzel Washington
Elenco: Denzel Washington, Viola Davis, Stephen Henderson, Jovan Adepo, Mykelti Williamson, Russell Hornsby e Saniyya Sidney
Jamais negando sua origem teatral, o diretor Denzel Washington denuncia sua fonte de inspiração até mesmo com relação à narrativa neste Um Limite Entre Nós (Fence, no original) logo em seus primeiros minutos. Como diz um dos princípios básicos do roteiro: “Numa peça de teatro a ação é falada em palavras. Eles falam seus sonhos, esperanças, planos e medos. Ou seja, a ação é feitas em palavras.”
Assim no primeiro ato, pelo menos, o longa é dividido em blocos de aproximadamente 10 minutos pontuando os diálogos que mudam de direção e de locais de maneira até que fluidas, como na conversa inicial entre Troy (Washington), Rose (Viola) e Bono (Henderson) que logo após seu “intervalo” passa para o interior da casa e com a presença de mais personagem. A direção usa alguns recursos básicos para tentar engrandecer a narrativa e torná-la mais cinematográfica possível (sem tanto sucesso), como o uso do walk and talks (personagens que andam, param, conversam novamente, dando dinamismo a cena) ou quando durante alguns diálogos, ele abre os planos e enquadramentos com os atores preenchendo toda a tela com suas marcações das posições bem definidas. Até mesmo alguns gestos são mais apropriados numa linguagem mais teatral por soar expositiva em sua representação, como a cena em que Rose deixa cair uma… rosa, após uma discussão.
Troy Maxson trabalha como lixeiro no sul dos Estados Unidos nos anos 50 e tem como único objetivo manter seu emprego cuja promoção é ser transformado em motorista e não ter mais que carregar as sujeiras dos brancos. Ademais, Troy carrega consigo um grande rancor e resignação pelo seu passado como ex-jogador de baseball que nunca decolou por toda a questão do racismo que sempre permeou sua vida e limitou suas ações. Um homem com histórico de violência familiar durante a infância e que soa sempre com doses naturais de machismo patriarcal, avarento e usando sua presença amarga como escudo para afastar as pessoas ao redor, ao mesmo tempo em que se torna egoísta por falta de empatia com a família que o ama.
Troy constantemente usa metáfora religiosa para moldar seu comportamento ao tratar sempre seus problemas financeiros como algo diabólico, o que remete diretamente ao seu irmão Gabriel que devido ao grave acidente sofrido na guerra passa os dias a “espera da abertura dos portões dos Céus”, numa boa atuação de Mykelti Williamson (O Bubba de Forrest Gump com os mesmos trejeitos de um homem preso em seu mundo e importante como um forte e triste elemento dramático). Inclusive o restante do elenco tem um papel importante para aprofunda o arco de conflitos do protagonista, como o fato do filho mais velho (Hornsby) ser visto com um estranho, mas mantendo uma admiração pelo pai a ponto de tentar, mesmo que em vão, uma constante aproximação.
Lendo assim podemos tirar o protagonista como um monstro ou de certa maneira desprezível, mas a qualidade do roteiro (provavelmente copiado da peça devido à formalidade de algumas falas) e principalmente a atuação de Denzel Washington, o transforma um indivíduo complexo em seus conflitos. Ademais, por mais que possamos criar certa antipatia por seu comportamento destrutivo, nunca ficamos indiferentes aos seus dramas e fazendo jus ao conceito de identificação para com um personagem deve ser feita pelos seus conflitos e não necessariamente pelas suas ações físicas.
Viola Davis transforma sua Rose naquela que carregua o maior fardo. Não por querer comparar os traumas de Troy com os seus, mas o fato de servir como válvula de escape durante 18 anos e sequer ter a certo ponto a dignidade de poder chamar seus problemas de seus – devido também a infidelidade de Troy. Para tal, a química entre Denzel e Viola Davis já é estabelecida desde a primeira cena e cada embate é recheado de dor, mas ao mesmo tempo com declarações explícitas de carinho, pois Troy soa como uma espécie de reflexo desbotado do restante da família, como o fato do filho Cory (Adepo) ser proibido de praticar esporte para obrigá-lo a trabalhar numa loja e trilhar o mesmo caminho que ele foi obrigado a percorrer.
Assim, ao contrário de incentivar e torcer por um futuro melhor, Troy parece sempre querer manter as pessoas presas ao seu redor (tanto que a metáfora para este pensamento é o fato de esta sempre construindo uma cerca ao redor da casa, de madeira dura, diga-se de passagem). Dentro destas discussões, é notório que cada rusga do passado permeia até mesmo sua capacidade de argumentação, por sempre usar o baseball como metáfora para a vida. Assim, como fato de ver o sentimento de amor poder ser trocado por respeito, por achar o fato de fornecer uma casa e pôr comida na mesa ser suficiente para preencher uma relação de pai e filho. Mas independente dos assuntos abordados é fato que o comportamento de Troy é algo digno de reflexão de um personagem.
E se mantendo fiel a sua estrutura e ideologia até seus últimos segundos, Um Limite Entre Nós não se nega a mantê-lo como um personagem com tantas dores ainda é capaz de criar uma discussão sobre seu legado.
Cotação 3/5
Rodrigo Rodrigues
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