Crítica: Planeta dos Macacos – A Guerra
Planeta dos Macacos – A Guerra
Direção: Matt Reeves
Elenco: Andy Serkis, Woody Harrelson, Steve Zahn, Karin Konoval, Amiah Miller, Terry Notary, Michael Adamthwaite, Gabriel Chavarria e Ty Olsson.
Em determinado momento deste Planeta dos Macacos: A Guerra, visualizamos numa parede a palavra história escrita mais de uma vez. Para mim o conceito e a representatividade da palavra é algo cada vez mais ignorado pela nossa sociedade comprovando que os erros cometidos somente serão assimilados quando realmente extinguirmos boa parte dos seres humanos do planeta. Principalmente, com o decorrer dos séculos, permitimos atrocidades aos nossos semelhantes ou a um povo que vemos como ameaça dentro de uma guerra que os próprios ditos acusadores começaram – isso sem falar nas redes sociais permeadas de ideologias fascistas. Assim, é gratificante que mesmo encarapuçado como um produto hollywoodiano, o filme dirigido por Matt Reeves se torne ainda mais contundente que o filme anterior ao se apresentar como espelho e forte alegoria político-social (como toda boa ficção científica), fazendo jus à temática da saga assim como a frase do diretor Eric Rohmer ao dizer que “Todo bom filme também é um documentário sobre sua época”.
Incluindo no filme uma postura crítica antiamericana e o contexto dos refugiados espalhados pelo mundo (e obviamente o holocausto) este A Guerra é ainda suficientemente capaz de soar uma obra independente sem necessariamente depender ou mesmo servir como um filme trazendo resposta para os acontecimentos vistos em A Origem e O Confronto. Não que o filme não seja uma continuação em si, até porque (obviamente) traz todos os elementos e contexto anterior, mas a obra soa quase com um interlocutor ao mesmo tempo em que finaliza e mantém aberta sem grandes percalços a história do mundo apocalíptico dominado pelos macacos (remetendo, por que não dizer, ao recente Logan, que apenas usa suas premissas para focar no dilema de seu protagonista, mas sem jamais soar prolixo ou descartável como enredo). Tanto que o roteiro do próprio diretor em conjunto com Mark Bomback situa brevemente o público com os acontecimentos de dois anos antes, e repete a estratégia do filme anterior ao apresentar a sociedade dos macacos liderados por Caesar (Serkis) em busca de um local mais seguro para viverem, mas que depois de um ataque a mando do Coronel (Harrelson), e consequentemente devido às suas perdas, Caesar parte numa jornada de vingança contra o Coronel auxiliado por Maurice (Konoval) e outros dois símios, a pequena Nova (Miller) e o errante Bad Ape (Zahn).
Mesmo não conseguindo evitar certos diálogos expositivos e momentos de pieguice, ainda sim algumas cenas são capazes de se apresentar belas em seu simbolismo com seus gestos, como na cena em que a menina ajuda Caesar com água e comida (por momento me remeteu a presença infantil em filmes como A Lista de Schindler e A Vida é Bela). Também é elogiável que a direção aposte numa narrativa mais sensível para o padrão, sem jamais apelar, por exemplo, para cortes rápidos ou ação desenfreada. Pelo contrário, pontuando com um road movie ao longo da obra, Reeves mostra parecer entender que ação do personagem jamais poderá ser subjugada pela ação física. Até porque o conceito de “guerra” está mais intrínseco entre os humanos e não diretamente em uma batalha com os símios, tanto que a questão da evolução vírus, onde estão os outros humanos e disputa com os macacos são apenas pano de fundo para o desenvolvimento e dilemas de Caesar. Inclusive durante quase um ato inteiro, acompanhamos a tal jornada do protagonista em direção a fortaleza militar ao mesmo tempo em que seus conflitos vêm à tona com a responsabilidade pela vida daqueles que dependem de sua liderança – até porque , repetindo, o filme e principalmente a saga em si esta intimamente ligada a presença do líder símio.
Caesar, fundindo eternamente nas capturas de movimentos e voz (que a dublagem irá destruir) de Andy Serkis , novamente se apresenta como um personagem ainda mais multifacetado. Se antes seu dilema permeava a liderança de seu povo e consequentemente a sobrevivência deles, aqui sua presença é mais que um símbolo, sendo ele um verdadeiro profeta ao conduzir seu povo à “terra prometida” numa óbvia alegoria religiosa, mas importante. Um indivíduo que, ao mesmo tempo ainda acredita na convivência pacífica entre humanos e macacos, é ciente que tal sonho é algo impossível de acontecer. Assim transitando entre a figura de líder e alguém que sabe ser inevitável ultrapassar a linha que separa do seu maior medo, Caesar é um bom exemplo do “Morra como herói ou viva o suficiente para se torna o vilão”, ao ponto da figura de seu antigo desafeto Kobe cada surgir como seu próprio reflexo – salientado, durante um momento de importante decisão, a fotografia permeia sua face dividida pelas sombras simbolizando sua dubiedade.
Assim é elogiável que o conceito de vilão do Coronel tenha uma resolução (ou confronto) com o protagonista Caesar diferente do que poderia se esperar. Se em alguns filmes baseados em HQs parece haver um necessidade de se criar um antagonista para uma batalha física (e por vezes desnecessária e abrupta, como por exemplo, nos recentes BvS e Mulher Maravilha), aqui o embate soa quase como a luta interna, lados diferentes de uma mesma moeda ao possuírem tragédias em comum em conjunto com o medo de se tornarem naquilo que mais temem.
Evocando o Cel. Kurtz imortalizado por Marlon Brando em Apocalipse Now (raspando a cabeça, por exemplo), Woody Harrelson faz mais um ótimo trabalho como antagonista ao transformar seu personagem num homem motivado igualmente pela vingança mas já domado pela insanidade (como curiosidade, Apocalipse Now também foi usado como referencia no recente Kong – A Ilha da Caveira). Assim como as referências ainda ecoam nos capacetes dos soldados, pintados com a frase “espécie em extinção”, que remete imediatamente a “Born to Kill” de Nascido para Matar de Kubrick. Mas, tal como Kurtz, Coronel desde início se mostra frio e no caso um símbolo de uma propaganda de higienização que infelizmente permeia nossa sociedade, sendo capaz de invocar o sentimento de antipatia ao seu personagem cujos conflitos deixaram a muito tempo de soarem justificáveis dentro da sua visão de “Guerra Santa”. Portanto, quando vemos o Coronel interpretado por Woody Harrelson instigando suas tropas com cânticos permeados de palavras incitando a violência, não estamos mais diante de uma ficção pura e simplesmente.
E se ficamos impactados com a evolução visual do protagonista no filme anterior, aqui soa quase como algo único devido à naturalidade absurda com que os personagens se expressam na tela através de detalhes em suas mínimas composições. Como o fato de Caesar, por soar agora mais envelhecido, apresentar seus pelos levemente embranquecidos pela idade, ou seu olhar de ódio e bondade diante de sua esposa e filhos ou até mesmo sua respiração de ansiedade num momento de perigo. Também é impressionante a expressão de Maurice, que de tão natural (quando tem seu olhar focado num plano fechado), seria impossível dizer ser real ou não se não soubéssemos que se trata de um longa metragem (e reparem no olhar da figura de Bad Ape, que apesar de claramente servir como um alívio cômico, transmite doçura e medo ao mesmo tempo).
Tais elementos são fundamentais para criarmos um senso de empatia e profunda identificação pelos macacos, suas perdas familiares e sofrimentos. Até mesmo em personagens ditos como “Dunks” (Jumentos) a direção ainda consegue abrir espaço para estes se redimirem de seus atos ao perceberem que no final não estão a salvo, mesmo indo contra sua própria espécie. E mesmo que em seu clímax apresente uma resolução mais perto do conceito um pouco abrupto de Deus Ex-Machina, o longa completa seu arco de maneira bela, mas não menos melancólico. Ao mesmo tempo abrindo uma página em branco para futuras produções, independente de quais caminhos sigam os filmes.
Contudo, minha maior frustração seria se ao término de Planeta dos Macacos: A Guerra boa parte do público não pudesse absorver todo o contexto que o filme se propôs a abraçar.
Cotação: 4/5
Obs:. O 3D é algo desnecessário e não agrega muita coisa ao filme (talvez uma cena logo no início, mas nada demais).
Rodrigo Rodrigues
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pq uns macacos falam com o Cesar e outros nao, mesmo convivendo com ele por 20 anos?
Vi hoje o filme e os problemas apontados pelo Dr Luiz tb me incomodaram… mesmo assim é um filme tecnicamente muito bom. Mas o acaso permear a chegada de Cesar e sua trupe à base do Coronel foi de doer, alem do material promocional vender um filme de batalha (vide ultima imagem do post) e ela de fato so ocorrer em poucos minutos do filme. Cesar nao entender que sua vinganca nao valia a pena e ir de novo atras do Colonel no final tb foi pelasaco, e o que falar do fato da boneca contaminar o militar para depois tudo ser soterrado e queimado? Ao inves de usarem a boneca como catalizador de uma epidemia que se espalharia entre os humanos… mas nao, preferiram um deux ex machina de avalanche para dizimar os unicos que podiam matar os simios, deixando assim caminho aberto pra eles. Sinceramente, um pouco decepcionante esses pontos. Mas reitero que é um bom filme.
Disin
Bem vindo
Concordo que houve um final abrupto, mas isso não tira os méritos realmente como você citou. Quanto a boneca acho que foi um elemento mais relacionado ao conflito de Caeser e o general que propriamente algo mais abrangente, até porque a epidemia já tinha dizimado parte da população nos filmes anteriores. Mas sua opinião é bem interessante.
Abraço e parabéns.
filmaço tecnicamente impecável… pena que não consigo gostar, ainda prefiro a obra-prima de 68, aquele sim (apesar de tecnicamente pobre em comparação a esse) me tocou, me cativou, me fez me importar com os personagens e ficar embasbacado com o final…
Fabrício.
Bem vindo.
Sem problema. É possível gostar do filme atual e o clássico de 68 e o seu final Icônico incomparável e único.
Os filmes atuais conseguiram caminhar com méritos próprios, mesmo sendo uma refilmagem.
Abraço
mas essa trilogia nova nao é uma refilmagem, é um reboot/prequel da franquia… alias eu adorei esse trilogia nova, mas ela fica longe do encanto filosofico que a classica tinha… essa nova é muito boa, muito cgi de primeira, batalhas, lutas, ação… mas eu gostava mas do lance filosofico dos filmes antigos
Nelson
bem vindo
Acho que fica realmente um meio termo em Reboot/Prequel sim.
E muito bom que tenha gostado, mas devemos lembrar que são outros tempo (comparando com a primeira versão), mas ainda assim muito boa.
Inclusive, essa nova versão tais temas e discussões que deseja, mas ainda assim importantes. Nao?
Abraço e muito obrigado pelo comentário.
Excelente crítica. Eu incluiria observações mais pormenorizadas sobre a direção. Reeves demonstrou novamente a capacidade e o talento que possui na condução de uma narrativa. O cineasta desenvolve uma espécie própria de road movie, no qual todos devem enfrentar o frio, a tortura, a fome e a sede para alcançar seu objetivo. Interessante observar, portanto, como suas experiências vão moldando suas perspectivas de vida, principalmente para derrubar os preconceitos que possuía em relação aos humanos ao se deparar com alguns atos brutais que estes cometem a si mesmos e, também por conhecer uma menina doente, que não consegue falar, batizada posteriormente de Nova (Miller), cuja inocência de pouca idade passa a cativar o exterior enrijecido do protagonista e deste modo, serve para que, em meio a tantas divisórias, aproxime os dois lados em combate.
O diretor Reeves é muito bom, ele possui uma abordagem maravilhosa nesse filme ao beber da fonte de clássicos de guerra dos anos 70-80 como Apocalypse Now e Platoon para reverenciá-los ao mesmo tempo em que utiliza dessas referências para construir seus personagens como O Coronel e o seu exército que nos relembram perfeitamente a década nazista com suas teorias discriminatórias para assegurar uma raça superior, e, contando ainda prisões para macacos, nos quais os fazem executar trabalhos rigorosos e passam por torturas da mesma forma como em campos de concentração, além de se espelhar em westerns para criar um duelo entre César e Coronel (ressalto aqui a linda composição de gaitas). E isso sem mencionar a incrível referência à obra de Hitchcock, O Homem Errado, na qual Reeves recria a cena e a sensação de desamparo de César ao entrar em sua cela de prisão.
Luiz Gustavo
Bem vindo
Obrigado pelo elogio. Mesmo.
Legal que tenha captado alguns aspectos como a sensação de Road Movie e a questão da menina servindo para aproximar os dois lados (mesmo que sabemos em vão). Até pensei em mencionar de maneira mais aprofundada tal questão mas acabou passando.
Abraços
Cagliostro
Bem vinda
Realmente o diretor tem feito bons trabalhos (Cloverfield, Deixe-me entrar); e ele demonstra isso através também das referencias. E legal ter mencionado o embate de césar com coronel ao som de gaita remetendo ao westerns. Não tinha me notado.
Abraços
Minhas observações sobre o filme. As virtudes vc já colocou e concordo com todas elas. Mas também podero que Planeta dos Macacos tem vários problemas e irregularidades, como se muitas vezes fosse mais de um filme ao mesmo tempo, parece que algumas partes não se juntam tão bem, ou que algumas ideias sejam mais realizadas que outras, como se o roteiro fosse escrito por várias pessoas que não se conversaram entre si. Ainda que isso seja sentido, é inegável como a segunda parte do filme é bastante interessante, mas César, praticamente por acaso, chega ao local de seu oponente, uma base militar fortificada como se fosse um país, liderada apenas por esse coronel, construido – através da mão-de-obra escava dos macacos – um gigantesco muro isolante. Outro problema é que o filme não mostra em nenhum momento que a guerra, presente no título, seja a glória de seus personagens, pelo contrário, diante desse cenário o que resta àquela espécie é a sobrevivência e não o confronto. Como filme de ação pode ser empolgante, mas falta algo. E se o terceiro ato é marcado por mais irregularidades e soluções que parecem apenas conveniências narrativas, o longa merece atenção, principalmente por se passar por mais um blockbuster, mas na verdade possuir ideias muito maduras.
seu comentário ta mais confuso que deputado defendendo a não investigação do Temer, mesmo dizendo que ele cometeu crimes…
Dr Luiz
Obrigado pelo comentário.
Sempre bom que você tenha um senso critico e procure analisar com fatos ocorridos no filme
Somente acho que alguns aspectos da “guerra” são mais implícitos. O que uma qualidade, por não soar expositivo.
Abraços
na critica do Alien vc achou ruim que o filme meio que ignorava o anterior e tocava uma historia quase a parte… nesse Macacos, a mesma coisa foi motivo de elogio… dificil entender
Caro Pato
Agradeço seu retorno e questionamento
Em muitos casos o que foi bem sucedido num filme não acontece o mesmo. Depende de vários outros fatores dentro da narrativa e o contexto (principalmente)
Jamais disse que o Planeta dos Macacos ignora os filmes anteriores, até porque ( e disse isso no texto) que ele traz (obviamente) todos os elementos anteriores, mas no caso que seu foco é o conflito do protagonista em si.
Entretanto o que aconteceu em Alien- Covenant foi o fato do filme era obrigado a contar a historia devido ao final de Prometheus. E quando o fez, ai sim, praticamente ignorou alguns aspectos do filme anterior como quisesse concertar algo que não deu certo. Fora que, dentro da sua narrativa, cometeu outros erros comprometendo o filme como um todo.
Enfim, caso queria discutir tais aspectos narrativos do Planeta dos Macacos (ou outro ), fique a vontade
Abraço
qd sai o filme?
“O novo filme do símios estreia somente no próximo final de semana…”