Crítica: Dunkirk
Dunkirk
Direção: Christopher Nolan
Elenco: Fionn Whitehead, Mark Rylance, Tom Hardy, Kenneth Branagh, Aneurin Barnard, Barry Keoghan, Jack Lowden, Will Attenborough, James d’Arcy, Harry Styles e Cillian Murphy
Christopher Nolan é um dos poucos diretores que conseguem transitar dentro de um contexto fantástico e ainda assim apresentar-se com inúmeras qualidades abraçando a tensão de uma obra hollywoodiana sem se tornar prolixo… pelo contrário. Foi assim com o surpreendente O Grande Truque e principalmente com O Cavaleiro das Trevas e o inesquecível A Origem, onde tais filmes foram capazes de criar uma atmosfera atraente, usando temas tão distintos quanto criativos. Até os menos cotados em termos narrativos são igualmente envolventes, mesmo com suas falhas ao desenvolver alguns conflitos pessoais, como Interestelar. Contudo, é inegável que Nolan não é um diretor qualquer, inclusive com já uma vasta filmografia, ele pode não ter uma sensibilidade de um Dennis Villeneuve, por exemplo, mas é impossível que a cada obra sua não tenhamos um espetáculo à altura de sua filmografia.
Assim, quando terminamos este Dunkirk, a sensação de imersão é tão grande que qualquer outro aspecto fica em segundo plano, mas isso não se torna um problema em si. Claro que a visão de guerra apresentada no filme soa abstrata e limpa, pouco imparcial e sem grandes aprofundamentos temáticos e longe de qualquer aspecto explícito de um Resgate do Soldado Ryan (ou a crueza de um Nascido para Matar). Mas ao se manter tão fiel à sua proposta de criar um constante clima de apreensão e conseguir ainda sim trazer uma gama de emoções através dos elementos básicos da narrativa cinematográfica, eu não me julgo capaz de ponderar de maneira negativa qualquer falta de tato do diretor para trabalhar de maneira coesa (e sem sentimentalismo ou situações expositivas) alguns conflitos pessoais e mesmo históricos.
Retratando os eventos ocorridos na cidade portuária de Dundirk, conhecemos primeiramente o soldado interpretado por Fionn Whitehead fugindo dos nazistas em direção a praia da cidade francesa. Contudo, ele é apenas um de centenas de milhares que tentam escapar da cidade mas encontram-se espremidos pelo mar e o exército alemão enquanto o resgate não se aproximam durante um dos famosos conflitos ocorridos na segunda guerra mundial. E a partir deste ponto, o filme começar a intercalar várias frentes, como a luta aérea protagonizada por Collins (Lowden) e Farrier (Hardy), Tommy tentando embarcar em um navio e fugir da morte iminente e os barcos civis sendo usados para resgate representados por Mr. Dawson (Rylance).
Durante o primeiro ato, as frentes de ação, se não chegavam a dispersar grande atenção (claro que planos como a chegada à praia são belos), no conjunto soavam-me um pouco displicentes narrativamente e até mesmo aleatórias, como estrutura do filme. Mas usar o princípio da montagem para engrandecer os conflitos e organizar estes caos – mesmo que por vezes não tão sensível – Nolan sabe como poucos (junto com seu montador Lee Smith) transformar tais frentes em momentos de proporções épicas, como visto no emblemático clímax de A Origem. Assim como o filme de 2010, que usou o recurso para encaixar as camadas dos sonhos, aqui o diretor o usa para sincronizar as frentes de maneira coesa, carregando o espectador para dentro da narrativa de maneira fluida onde cada ponto de vista e versão aumenta a tensão dos fatos ocorridos. Ou quando não, a direção é eficaz de tensão apenas contrastando as cenas que separadas não teriam tanto impacto (princípio básico da montagem), como no momento em que vimos uma confraternização dos soldados dentro no navio ao mesmo tempo de um disparo de um míssil em sua direção.
Ademais, o desenho sonoro da obra e a mixagem de som são outros elementos sensoriais fundamentais da obra por serem invocativo desde seus minutos iniciais, onde sentimos os zunidos dos tiros ao som da areia caindo depois de uma explosão na praia – ou aqueles usados para antecipar durante uma cena as ações seguintes sem enfraquecer a cena atual. Saltando em som dissonante (característico do colaborador Hans Zimmer que depois de 20 anos, merece novamente um Oscar), a obra abusa também dos ruídos de tic-tac de relógios em tons diferente (acelerando e diminuindo) para simbolizar a tensão, como fato do som ser associado ao nível do combustível da aeronave. Aliás, a direção trabalha de maneira intrínseca a presença do tempo (ou a falta dele) diante da morte como algo recorrente no filme, seja um aviador preso na cabine do avião ou os soldados encurralados dentro de um navio encalhado na areia sendo cravado de balas inimigas. Inclusive, a sensação de sempre estarem em perigo e sem saída é colocada desde seus segundos iniciais, tanto pelo fato de jamais mencionarem os inimigos como “nazistas” ou “alemães”, como a sequência em que a câmera acompanha Tommy adentrar a praia através de um corredor, como se saísse de um labirinto e caísse numa armadilha ainda maior.
O roteiro do próprio diretor também tenta abrir uma brecha para se analisar em conjunto aqueles homens tentando sobreviver a todo custo, com seus sacrifícios, com o fato de que para alguns a fuga seria uma desonra, e principalmente com o trauma irreversível que o conflito traz – como podemos ver no personagem de Cillian Murphy. Tanto que a fotografia – a cargo de Hoyte Van Hoytema (Interestelar) – pontua a narrativa sempre, como não poderia deixar de ser, com palhetas de cores sempre com tons lavados e frios que são interessantemente quebradas apenas durante a chegada dos barcos com suas velas em vermelho, quebrando os tons e trazendo a “esperança”. Assim, quando no retorno dos soldados, um homem apenas toca em seus rostos, sabemos que a história é feita de heróis desconhecidos sem distinção, cujo maior feito foi terem sobrevivido. Mark Rylance, talvez dentro deles seja o maior e mais bem sucedido como personagem (sendo capaz de identificar pelo barulho, o modelo do avião que se aproxima), conseguindo dar a dimensão de uma dor contida devido a sua perda, e ainda assim capaz de transmitir uma segurança e integridade aos dois filhos num momento de tensão (“A guerra é decidida por homens com minha idade”). E Tom Hardy consegue igualmente transmitir sua segurança mesmo tendo o rosto coberto como em O Cavaleiro das Trevas Ressurge e mesmo que a direção não foque (conscientemente ou não) numa determinada figura como um protagonista oficial, somos capazes de criar alguma empatia por eles e suas motivações.
Enfim, Durkink não é uma obra complexa em termos históricos e pessoais (tanto que durante os créditos surge “apenas” um agradecimento a todos os envolvidos na batalha e que sofreram com a mesma), mas sabe usar muito bem toda a potência de sua narrativa jogando o público para fora do cinema sem jamais esquecer tais elementos e aquele cenário intenso e poderoso.
Cotação 4/5
Rodrigo Rodrigues
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Sou um dos poucos que não gostaram desse filme: obra prima , clássico moderno , são adjetivos que para mim soam como exagero , não consegui me importar com ninguém em tela,é um bom filme , apenas isso. Quase sem emoção, quase um documentário… Mas é um bom filme sim. Acho que o fato de privilegiar os aspectos técnicos em detrimento dos personagens foi uma escolha consciente do diretor, mas o fato de nada (ou pouco) sabermos dos personagens limita o alcance do clímax, não tem catarse, não tem emoção… é meio frio ,vazio .
Silas Thomas
Bem vindo
Sua opinião é bem pertinente, pois o filme (para muitos) tem este lado frio, talvez sem alma. Assim como é interessante que tenha mencionado que o diretor o fez consciente. E tenho que concordar pois o diretor não tem um tato apurado para tal, tanto que não ficamos sabemos nada sobre os envolvidos ( mantenha sempre este seu elemento critico ao assistir um filme)
A emoção que ele prega é mais através de outros recurso técnicos ( de tão bem realizados trazem uma emoção, não tanto uma pessoal mas condizente com o clima), mas ainda sim admito que a emoção pessoal ficou de lado.
Abraços
já temos um site novo pra procurar críticas rsrsrs pq Omelete não dá mais pra aguentar o Hessel
ninguém merece o Hessel… ele ta afundando o Omelete… as críticas dele são exercícios de egocentrismo , as vezes ele mal fala do filme…
Achei pobre a crítica do Omelete, inclusive a que saiu em vídeo.
Acho que as pessoas têm que assistir a um filme entendendo a que ele se propõe. Dito isto, Dunkirk NÃO é O Resgate do Soldado Ryan. Não é um filme sobre heroísmo.
Vamos lembrar o que estava acontecendo naquela praia: Os alemães humilharam os aliados, chegando em Paris apenas 2 semanas após o início do ataque pela Bélgica, mesmo com os Franceses já se considerando prontos para o embate (por anos construiram a Linha Magnot). Os sobreviventes da batalha da França recuaram até a costa Francesa na expectativa de atravessar o canal da mancha não para lutar, mas simplesmente para sobreviver. Vale lembrar que naquele momento, apenas os Ingleses estavam de fato enfrentando os Nazistas. Caso se rendessem ali, a Guerra possivelmente teria acabado, e viveríamos num mundo parecido com o de “The Man in The High Castle”. Na cabeça daqueles soldados, o futuro era muito sombrio. A derrota imimente. Ninguém imaginaria que apenas 4 anos depois as tropas aliadas estariam desembarcando na Normandia.
E esse sentimento, de medo, de incerteza, de derrota, é o que o filme captura com maestria! A sequência inicial na praia é simplesmente aterrorizante. A trilha sonora instigante do H. Zimmer, a edição de som precisa contribuíram muito para isso. Eu consegui, assistindo o filme, me colocar na pele daquele soldado anônimo, preso na praia, pronto para a morte.
As críticas negativas enfatizam a ausência de protagonistas. Adivinha só: Não existem protagonistas, muito menos heróis em guerras. Ali eram todos seres humanos desesperadamente lutando para viver. E vale lembrar que, apesar do resgate de mais de 300.000 soldados, a retirada das tropas aliadas do continente europeu foi uma baita derrota militar para os Aliados. Que tipo de clímax você esperava disso?
Então, do ponto de vista histórico, o filme conseguiu me transmitir totalmente a inquietude da situação. Alie isso a uma parte técnica muito bem executada e, para mim, temos um excelente filme. Muitos dizem que a Segunda Guerra Mundial é uma temática defasada, mas Nolan provou que é possível trazer uma nova experiência para o tema.
Parabéns pela crítica sua Rodrigo. Você captou a essência do filme e o que o diretor quis passar. Gostar ou não é outra coisa, mas o importante é saber analisar. E isso você mostrou que sabe.
Caros amigos
Obrigado pela preferência. rs