Crítica: O Destino de uma Nação (Darkest Hour)
O Destino de uma Nação (Darkest Hour)
Direção: Joe Wright
Elenco: Gary Oldman, Lily James, Ronald Pickup, Kristin Scott Thomas, Ben Mendelsohn, Stephen Dillane, Richard Lumsden, Samuel West e David Schofield
Obras que abordam vultos históricos usam em sua maioria os mais comuns artifícios para atingir o espectador. Ainda mais se tratando de um personagem como Churchill que sempre foi visto no imaginário como um líder de postura conservadora e atroz ao mesmo tempo com um carisma popular pouco comum ao cargo. Contudo, este O Destino de uma Nação dirigido por Joe Wright, lembra mais um A Dama de Ferro que necessariamente, por exemplo, um A Queda – As Últimas horas de Hitler, assim também como uma espécie de “prelúdio” e “epílogo” temático de Dunkirk de Christopher Nolan e O Discurso do Rei de Tom Hooper respectivamente. Óbvio que o filme dirigido por Wright está longe da complexidade vista no espetacular filme sobre o líder nazista estrelado por Bruno Ganz e até mesmo do desastroso filme que rendeu o terceiro Oscar para Meryl Streep, mas infelizmente, ainda sim, é vítima do maniqueísmo e de uma narrativa expositiva de seus diálogos superada somente pela força de Gary Oldman como o primeiro ministro britânico.
Iniciado em maio de 1940, quando Churchill (Oldman) aceita o convite do seu partido para concorrer à vaga de primeiro ministro devido ao avanço de Hitler pela Europa Ocidental, o longa aborda este período através dos conflitos e incertezas do líder inglês durante a Segunda Guerra Mundial até a entrada definitiva da Inglaterra no conflito, uma vez que o seu antecessor – Neville Chamberlain (Pickup) – ainda acreditava na diplomacia para evitar um confronto iminente. Portanto, aqui, assim como visto em O Discurso do Rei, a proposta não é exatamente expor a guerra em si , e sim, as motivações de Churchill que moveu o país ao embate (interessante notar, inclusive, que o Rei George VI, vivido pelo ótimo Ben Mendelsohn não possui a gagueira do mesmo vivido por Colin Firth em 2011, por já se apresentar gradualmente curado digamos assim).
Entretanto, o roteiro de Anthony McCarten é tão superficial que precisa expor (com os famosos gritos de Oldman em alguns momentos, por exemplo) a emoção que não consegue ao desenvolver os personagens. Tanto que a esposa de Churchill, Clementine (Thomas), se torna um elemento subaproveitado e passando o filme divagando através de diálogos dos mais preguiçosos denunciando sua expositividade logo de cara, como “Somente quero que o respeitem”, “Forte por ser imperfeito” e “Sábio por ter dúvidas”. E isso não se resume, obviamente, somente aos tais diálogos, pois se as frases de impacto ditas pelo elenco é quase uma patologia, a direção não evita também planos e sequências inteiras permeadas por tal narrativa expositivas. Tanto que em determinado momento, ao ver os conflitos e dores de uma cidade destruída de um determinado ângulo, antecipei a mim mesmo: vai mostrar uma criança para simbolizar tal contexto, vai mostrar uma criança… E o que aconteceu? Mostrou uma criança para simbolizar o contexto. Isso sem contar com a trilha de Dario Marianelli que insistentemente entra a todo o momento dizendo ao espectador que naquela cena acontecerá algo de emocionante, principalmente nas cenas que há um discurso em voga.
Mas obviamente, o grande e inevitável atrativo é a presença de Gary Oldman. Atrás de um excelente trabalho de maquiagem que não deixa qualquer traço de artificialidade nem quando o ator usa seus gritos e olhar de cima para baixo, Oldman consegue evitar os exageros e procura sempre trabalhar de maneira delicada os trejeitos e voz trôpega do primeiro ministro, e claro, sempre deixando aquela sensação de um personagem por vezes bonachão, ranzinza e alcoólatra (ratificando, sem jamais cair no caricato). Até porque somos suficientemente capazes, mesmo com os problemas do roteiro que o sabota em alguns momentos, criar uma identificação por ele se o único a entender que a humanidade chegou a um momento crucial da sua história. Um homem por vezes indesejável (e imprevisível) aos olhos do próprio Rei, precisando a todo custo provar sua capacidade diante da preferência do seu partido e do congresso ao seu rival Halifax (Dillane) e tendo a vida de milhares de soldados em suas mãos. Todavia, ao evitar qualquer menção a “Paz”, ele sabe ser o único a assumir a impossibilidade se tolerante com a intolerância e negociar como Hitler e a ferocidade do seu exército. E se levarmos em conta que o ator praticamente se faz presente em todas as cenas, o que poderia criar certa exaustão e risco, o trabalho do ator é notável.
Ademais, a fotografia de Bruno Delbonnel é igualmente elogiável e se torna um dos mais interessantes momentos do longa. Reparem, por exemplo, nos discursos feitos no parlamento onde predomina as tonalidades frias e saturado das cores, assim como as luzes entrando pela fresta causando um impacto visual eficiente – inclusive numa cena em que Chamberlain revela sua doença, a palheta é quase uma ausência de cores de tão fria que se mostra. Ou no momento do primeiro discurso do primeiro ministro ao povo inglês, onde a lâmpada vermelha acesa indica o início da transmissão, tal cor rapidamente toma toda a tela apenas com um close em primeiríssimo plano em Churchill simbolizando a violência dos conflitos vindouros. Inclusive a direção demonstra tais dramas, medos e a insegurança do Churchill de maneira inteligente, como podemos ver na cena que conversa com o Rei George VI em que o protagonista é focado em segundo plano e diminuindo não somente sua figura diante da tela ou pela presença do Rei, mas sim da situação que se encontra por não ter apoio para declarar guerra à Alemanha e carregando um mundo em suas costas.
Inclusive é elogiável a sequência de jogar o público direto na tumultuada sessão do parlamento para a escolha do seu representante logo no início do filme, onde a câmera se move inicialmente com uma panorâmica vista de cima, até terminar no close de um dos discursos. Tanto que a direção de artes é igualmente eficiente na construção dos ambientes em que passam ação, principalmente o bunker inglês com seus corredores apertados e claustrofóbicos – assim com é interessante notar os detalhes dentro do banheiro privativo de Churchill e o mesmo seja composto, além da privada claro, uma linha telefônica para qualquer lugar do mundo, um cinzeiro, um relógio e uma rosa.
Mas não se dando por satisfeito em sua exposição, a direção resolver “chutar o balde” durante ao clímax em que o líder encontra com transeuntes durante um passeio de metrô. Ou seja, se o roteiro tenta criar todo o arco do líder que, apesar de tudo ainda comete erros, aqui o personagem assume quase uma aura de herói. Não que ele não fosse ou não pudesse se tornar para os ingleses, mas a cena é tão caricata e antinatural (inverossímil até) na sua composição e conversas entre o líder e aquelas pessoas que sinceramente não faz sentindo ou efeito dramático nenhum, pelo contrário, é extremamente sentimentalista e infeliz. E isso não sendo o suficiente, o clímax em si é uma espécie de amontoado de clichês e fazendo jus a boa parte da narrativa, uma vez que tal sequência é a mesma vista em inúmeros filmes de tribunal onde a direção usa um personagem (no caso a datilógrafa vivida pela atriz Lily James) como elo diante do público torcendo pelo desfecho e sem evitar a expressão como dissesse “Yes, conseguimos!”.
Importante como estudo de uma figura da nossa história recente, O Destino de uma Nação convence em seu elemento principal. Mas é inevitável que o filme jamais tenta sair de uma mesmice (isso se muito) que por si só não consiga se sustentar como aquilo que pretendia ser.
Nota 3/5
Rodrigo Rodrigues
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