Crítica: A Morte de Stalin (The Death of Stalin)
Direção: Armando Iannunci
Elenco: Steve Buscemi, Simon Russell Beale, Michael Palin, Jeffrey Tambor, Jason Isaacs, Rupert Friend, Olga Kurylenko, Paddy Considine, Dermot Crowley, Andrea Riseborough, Nicholas Woodeson e Adrian McLoughlin
Nota 4/5
Durante seu governo (1922 – 1953), o regime de Josef Stalin, através do Ministério do interior Russo (NKVD), perseguiu, prendeu e matou opositores de seu governo, cuja lista de “criminosos” continham músicos, médicos ou qualquer habitante comum que fosse contra ou gerasse algum tipo de ameaça a seu comando. Contudo, após a sua morte, seus herdeiros políticos começam uma luta nos bastidores sobre como e com quem a liderança do país recairia diante da vacância do cargo. Mas se enganaram que tais embates seriam pautados somente por discurso e ideias; até são, todavia, a abordagem variando entre gêneros diferentes torna-se um dos seus principais atrativos. Assim este ótimo A Morte de Stalin se assume um obra de humor e tons conspiratórios nada surreais, sem jamais perder o foco histórico por mais absurdos que possam aparentar.
E assim, o diretor Armando Iannunci – mais conhecido por aqui pelo trabalho na série Veep estrelado por Julia Louis-Dreyfus – bebe da fonte de obras em que as composições irônicas contra determinado seguimento (no caso o totalitarismo do governo stalinista) que somente a sátira tem a capacidade de fornecer diante de um cenário histórico de crítica, sem perder um instante sequer sua denúncia e importância, remetendo, por exemplo, ao clássico Dr. Fantástico de Kubrick (1964). Ademais, a excelente fluidez com que o humor transita entre a tragicomédia, sem tampouco perder um segundo de suas características individuais e elementos dramáticos fazem com que a narrativa ainda possa ser comparada em alguns momentos até mesmo as obra de Blake Edwards (nos filmes da série A Pantera Cor de Rosa, Um convidado bem Trapalhão) quando analisamos, por exemplo, pela ótica humorística somente.
Inclusive, o próprio Stalin de McLoughlin transita neste limite ao surgir como uma figura que emana medo, ajudado pelos atos e que somente sabemos que vieram de seu gabinete sem que necessariamente vislumbremos a ordem sendo proferidas de sua boca, onde sua figura é capaz de criar um clima de apreensão nos outros personagens ao ponto de um deles ficar testando piadas em casa antes de contá-las na frente do líder. Ademais, o contraste de suas decisões criminosas e seu estado de ser é emblemática; como o fato de Stalin ter sua figura histórica, senão ridicularizada (o que realmente não acontece), ter uma delicadeza de apreciar um vinil de um concerto (realizado e gravado há poucos minutos), para logo em seguida ter seu corpo carregado pelos aliados reclamando do odor de urina devido a seu estado moribundo e frágil – cujo atendimento médico não ter sido realizado com urgência por não haver médicos disponíveis (lembra do primeiro parágrafo?).
Portanto, não deixa de ser sintomático que a narrativa use figuras da cultura americana – John Wayne, por exemplo, – como forma de engrandecer este contraste humorístico, mas sem soar como algo fantasioso no resultado; uma vez que não é algo impossível de Stalin assistir filmes de faroeste em reuniões de gabinete. Assim, por exemplo, enquanto temos uma sequência em que soldados fazem uma busca de cidadãos em seus apartamentos antes de serem assassinados, uma gag física em segundo plano com alguém rolando a escada, resume bem esta abordagem normalmente difícil de ser conciliada; não sendo menos elogiável, portanto, que o humor seja usado de maneira constante sem quebrar o contexto dramático da obra. Tanto que a estrutura do roteiro do próprio diretor, e baseado na obra em quadrinhos de Fabien Nury e Thierry Robin, inicia com um concerto musical da pianista Maria Yudina (Kurylenko) que criará uma rima com o clímax durante o enterro do próprio Stalin. Este é o primeiro exemplo da engenhosidade da trama, ao envolver uma complexa rede política e a dinâmica entre os personagens, suas intenções e artimanhas de personagens dentro de uma narrativa que os aborda num limite máximo da realidade e caricatura de figuras da história. Inclusive para engrandecer tal elemento político e social, a obra ainda abre uma discussão (mesmo levemente) sobre o ponto de vista do povo russo sobre a figura de Stalin, quando – num belo plano – a população parte em direção ao velório, sendo impedido pelos militares.
Contudo, este é apenas um dos vários momentos em que o longa trabalha suas críticas ao poder como uma comédia de erros com doses de violência intrínseca sem (ratificando) sem jamais deixar que perder sua essência e denúncia. Um cenário de conspiração e busca pelo poder em diversos níveis, onde um grupo político fará de tudo para manter ou mudar o status quo de um regime, de presas sendo usadas como escravas sexuais de comandantes; inclusive fazendo com que determinado personagem, ao ser tão consumido pelo medo, é capaz de renegar até mesmo a própria esposa! E para essa engrenagem, nada mais funcional que a dinâmica do ótimo elenco encabeçado por Steve Buscemi como o secretário geral Nikita Khrushchev e o próprio Georgy Malenkov, interpretado pelo sempre ótimo Jeffrey Tambor, exalando insegurança como herdeiro do poder de Stalin; valendo destacar a presença do “Monty Python” Michael Palin como Vyacheslav Molotov.
Mas nada mais importante neste “bando de abutres do poder” que a presença de Simon Russell Beale como chefe da NKVD como ponto de (des)equilíbrio e força de um personagem de clara violência, hipocrisia e persona cruel, ocultado atrás de uma máscara que não deixa transparecer de maneira direta suas intenções; não estou dizendo que ele não é, mas ao olhar para sua postura e feições, no máximo, julgamos como um político com as pressões que o cargo traz. Um homem que entra em conflito ideológico com Khrushchev, entre manter a radicalidade ou certo liberalismo da política de Stalin, quando o primeiro deseja rever o assunto sobre os prisioneiros políticos, mas que no decorrer dos fatos, tudo não passa de arranjos e traições mútuas.
Soando como uma comédia histórica de fatos que realmente não podem ser desmentidos, A Morte de Stalin é mais complexo, analítico e fidedigno do que se apresenta inicialmente. Momentos que, em muitos casos, são apenas histórias levadas pelo vento, mas antes de tudo reais.
Rodrigo Rodrigues
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