Perfil: Stanley Kubrick (1928-1999) – O Gênio da Sétima Arte!
Nossa sessão perfil, inaugurada em 2023 com a biografia do visionário escritor francês, Júlio Verne, agora abre espaço para a Sétima Arte, trazendo a biografia de um dos mais aclamados e visionários diretores da história do cinema, o norte-americano Stanley Kubrick, responsável pelas produções como Spartacus (1960), 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968), Laranja Mecânica (1971), entre outros.
Acomode-se na poltrona que nossa viagem irá começar.
A Origem
Stanley Kubrick nasceu em uma maternidade de Manhattan, em Nova Iorque em 26 de julho de 1928, de uma família de origem judia romena, polonesa e austríaca, que migrou para a América no final do século XIX e começo do século XX.
Ele cresceu no bairro do Bronx e seu pai era médico e a família tinha padrões de pessoas ricas então não faltou nada pra ele na infância. Estudou em escolas públicas, apesar do seu Q.I. acima da média, mas sua frequência escolar era ruim. Desde muito jovem demonstrou interesse pela literatura e começou a ler os mitos gregos e romanos e as fábulas dos irmãos Grimm, que “incutiram nele uma afinidade vitalícia com a Europa“.
Ele passava a maior parte dos sábados durante o verão assistindo ao New York Yankees e mais tarde fotografou dois meninos assistindo ao jogo num trabalho para a revista Look para imitar sua própria emoção de infância com o beisebol. A fotografia virou uma paixão e hobbie para o jovem rapaz.
Quando tinha 12 anos, seu pai Jack lhe ensinou o xadrez. O jogo permaneceu um interesse permanente, aparecendo posteriormente em muitos de seus filmes. Kubrick, que mais tarde se tornou membro da Federação de Xadrez dos Estados Unidos, explicou que o jogo o ajudou a desenvolver “paciência e disciplina” na tomada de decisões. Aos 13, ganhou do pai uma câmera fotográfica, Graflex, e junto com seu amigo e vizinho, Marvin Traub, praticou o que compartilhavam como mesma paixão, a fotografia. Traub tinha sua própria sala escura, onde ele e o jovem Kubrick passavam muitas horas examinando fotografias e observando os produtos químicos “criarem imagens magicamente em papel fotográfico”. Os dois se entregaram a inúmeros projetos fotográficos para os quais percorriam as ruas em busca de assuntos interessantes para capturar e passavam um tempo nos cinemas locais estudando filmes. Kubrick também se mostrou interessado em jazz e chegou a tentar uma carreira como baterista, mas sem sucesso.
Fotografia: sua primeira paixão
Enquanto cursava o ensino médio, Kubrick foi escolhido como fotógrafo oficial da escola. E eventualmente vendeu uma série de fotografias para a revista Look, enquanto faturava um dinheirinho extra jogando xadrez “por moedas” no Washington Square Park e em vários clubes de xadrez de Manhattan.
A revista Look o convidou para um estágio de fotógrafo em 1946, que logo seria promovido a tempo integral. G. Warren Schloat, Jr., outro fotógrafo novo da revista na época, lembrou que achava que faltava a ele personalidade para se tornar um diretor em Hollywood, comentando: “Stanley era um sujeito quieto. Ele não falava muito. Ele era magro, magro e meio pobre — como todos nós éramos“.
Kubrick rapidamente se tornou conhecido por contar histórias em fotografias. A primeira, publicada em 16 de abril de 1946, intitulava-se “Um conto de uma sacada de cinema” e encenava uma briga entre um homem e uma mulher, durante a qual o homem leva um tapa na cara, pego genuinamente de surpresa. Em outra atribuição, foram tiradas 18 fotos de várias pessoas esperando em um consultório odontológico. Foi dito retrospectivamente que este projeto demonstrou um interesse inicial de Kubrick em capturar indivíduos e seus sentimentos em ambientes mundanos.
A medida que seu trabalho fotográfico ia rendendo frutos na revista, passou também a viajar para o exterior para cobrir eventos. Kubrick também era fã de boxe, e em 1949, passou a cobrir lutas e campeonatos deste esporte. Em 2 de abril de 1949, publicou na Look o ensaio fotográfico “Chicago-City of Extremes”, o qual mostrou desde cedo seu talento para criar uma atmosfera com imagens. No ano seguinte, em julho de 1950, a revista publicou seu ensaio fotográfico “Working Debutante — Betsy von Furstenberg”, que trazia ao fundo um retrato de Angel F. de Soto por Pablo Picasso.
Kubrick também foi designado para fotografar vários músicos de jazz, de Frank Sinatra e Erroll Garner a George Lewis, Eddie Condon, Phil Napoleon, Papa Celestin, Alphonse Picou, Muggsy Spanier, Sharkey Bonano e outros.
Pouco depois de seu casamento em 1948, começou a frequentar cada vez mais as salas de cinema, na qual descobriu uma nova paixão. Passou a frequentar as salas do Museu de Arte Moderna e outros cinemas de Nova Iorque. Ele se inspirou na filmagem complexa e fluida do diretor Max Ophüls, cujos filmes influenciaram seu estilo visual, e do diretor Elia Kazan, a quem descreveu como o “melhor diretor” da América na época, com sua habilidade de “fazer milagres” com seus atores. Obcecado com a chamada ‘sétima arte’, passou muitas horas lendo livros sobre teoria do cinema e escrevendo notas. Foi particularmente inspirado por Serguei Eisenstein e Arthur Rothstein, o diretor técnico fotográfico da Look.
Sai a Fotografia… entra o Cinema!
Junto com o amigo de escola Alexander Singer, que depois de se formar no colégio tinha a intenção de dirigir uma versão cinematográfica da Ilíada de Homero. Por meio de Singer, que trabalhava nos escritórios da produtora de cinejornais The March of Time, Kubrick soube que poderia custar US$ 40 mil para fazer um curta-metragem adequado, dinheiro que não podia pagar. Tinha US$ 1.500,00 em economias e produziu alguns documentários curtos alimentados pelo incentivo do amigo. Ele começou a aprender tudo o que podia sobre cinema por conta própria, ligando para fornecedores de filmes, laboratórios e locadoras de equipamentos.
Decidiu fazer um documentário curta metragem sobre o boxeador Walter Cartier, a quem havia fotografado e escrito para a revista Look um ano antes. Realizou o mesmo, Day of the Fight (1951), em preto e branco de 16 minutos, financiando de forma independente. Vincent Cartier, irmão e empresário de Walter, refletiu mais tarde sobre suas observações de Kubrick durante as filmagens. Ele disse que “Stanley era uma pessoa do tipo muito estoóico, impassível, mas imaginativo, com pensamentos fortes e imaginativos. Ele impunha respeito de uma forma quieta e tímida. O que quer que ele quisesse, você cumpria, ele apenas te cativava. Qualquer um que trabalhou com Stanley fez exatamente o que Stanley queria.” Kubrick gastou no curta documentário US$ 3.900,00 e conseguiu vender para a RKO-Pathé por US$ 4 mil, o que foi o máximo que a empresa já pagou por um curta na época!
Inspirado por esse sucesso inicial, Kubrick largou o emprego na Look e visitou cineastas profissionais de Nova Iorque, fazendo muitas perguntas detalhadas sobre os aspectos técnicos da produção cinematográfica. Ele afirmou que nesse período recebeu confiança para se tornar cineasta pela quantidade de filmes ruins que viu, comentando: “Não sei nada de cinema, mas sei que posso fazer um filme melhor do que isso”.
Seu filme seguinte foi Flying Padre (1951), filme que documenta o reverendo Fred Stadtmueller, que viaja cerca de 6.400 quilômetros para visitar suas 11 igrejas. No filme, o padre realiza um funeral, confronta um menino que intimida uma menina e faz um voo de emergência para ajudar uma mãe doente e um bebê a entrar em uma ambulância. Várias das vistas do avião em Flying Padre são posteriormente repetidas em 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) com a filmagem da espaçonave; e uma série de close-ups nos rostos das pessoas presentes no funeral foram provavelmente inspiradas pelo Encouraçado Potemkin (1925) e Ivan Grozniy (1944/1958) de Serguei Eisenstein.
Seu próximo trabalho foi lançado em 1953, para o Sindicato Internacional dos Marinheiros: The Seafarers. Foi o primeiro filme colorido do diretor. Ele retratava a logística de um sindicato e se concentrava mais nas comodidades da navegação marítima do que no ato. Para a cena do refeitório, o diretor escolheu uma técnica de travelling para retratar a vida da comunidade de marinheiros; esse tipo de filmagem posteriormente se tornaria uma de suas técnicas “assinatura”.
Os Primeiros Longas
Depois de arrecadar US$ 1 mil exibindo seus curtas-metragens para amigos e familiares, Kubrick encontrou financiamento para começar a fazer seu primeiro longa-metragem. Originalmente intitulado The Trap, Fear and Desire (1953) foi escrito por seu amigo Howard Sackler. Martin Perveler, o tio do cineasta, dono de uma farmácia em Los Angeles, investiu mais US$ 9 mil com a condição de ser creditado como produtor executivo do filme. Mais tarde renomeado como The Shape of Fear antes de finalmente ser chamado de Fear and Desire, é uma alegoria fictícia sobre uma equipe de soldados que sobrevive a um acidente de avião e é pega atrás das linhas inimigas em uma guerra. No decorrer do filme, um dos soldados se apaixona por uma garota atraente na floresta e a amarra a uma árvore. Essa cena se destaca pelos closes do rosto da atriz. Kubrick pretendia que Fear and Desire fosse um filme mudo para garantir baixos custos de produção; os sons, efeitos e música adicionados elevaram os custos de produção para cerca de US$ 53 mil, excedendo o orçamento. Foi salvo por um amigo produtor, com a promessa de ajuda-lo em uma produção de TV. Fear and Desire foi um fracasso comercial, mas recebeu várias críticas positivas após o lançamento. Mas o próprio Kubrick não gostou do resultado final da produção e tentou ao longo dos anos manter as cópias do filme fora de circulação.
Seu filme seguinte com o título original de Kiss Me, Kill Me, e depois The Nymph and the Maniac, Killer’s Kiss (1955) é um longa noir de 67 minutos sobre o envolvimento de um jovem boxeador peso-pesado com uma mulher que está sendo abusada por seu chefe criminoso. Assim como o trabalho anterior, foi financiado de forma privada pela família e amigos do cineasta, com cerca de US$ 40 mil doados pelo farmacêutico Morris Bousse, do Bronx. Durante o processo de gravação Kubrick foi experimentando a cinematografia e considerando o uso de ângulos e imagens não convencionais. Inicialmente optou por gravar o som no local, mas encontrou dificuldades com as sombras dos microfones, restringindo o movimento da câmera. A produção teve sucesso comercial limitado e ganhou muito pouco dinheiro em comparação com seu orçamento de produção de US$ 75 mil. Os críticos elogiaram o trabalho de câmera do filme, mas sua atuação e história são geralmente consideradas medíocres.
Voos maiores e as grandes produções
A partir deste momento na carreira Kubrick tentou seguir em frente em voos maiores, com mais ousadia e técnica. Formou uma produtora com um amigo produtor, a Kubrick Pictures Corporation, em 1955. Esta produtora comprou os direitos do romance Clean Break de Lionel White por US$ 10 mil e Kubrick escreveu o roteiro, mas por sugestão do cineasta, eles contrataram o romancista de filme policial Jim Thompson para escrever um roteiro sobre um assalto meticulosamente planejado a uma pista de corrida que deu errado. O projeto deu origem ao bom filme The Killing (1956).
Neste período, Kubrick abandonou Nova Iorque e foi para Los Angeles para filmagens do longa. O filme conseguiu a garantia de um lançamento apropriado nos Estados Unidos mas rendeu pouco e só foi divulgado no último minuto, como segundo longa do faroeste Bandido! (1956). Mas vários críticos contemporâneos elogiaram o trabalho, com um crítico da Time comparando seu trabalho de câmera ao de Orson Welles.
Hoje, os críticos em geral consideram The Killing um dos melhores filmes do início da carreira do diretor; sua narrativa não linear e execução clínica também tiveram grande influência em diretores de cinema criminal posteriores, incluindo Quentin Tarantino.
Foi neste momento que – impressionada pelo filme – a Metro-Goldwyn-Mayer (MGM Studios) convidou Kubrick para o projeto Glória Feita de Sangue (Paths of Glory).
Glória Feita de Sangue (Paths of Glory) – 1957 – Em 1916, durante a Primeira Grande Guerra, o general francês Paul Mireau ordena um ataque suicida contra os alemães e que resulta em tragédia. Para abafar sua participação no incidente, o general que ordenou o ataque atribui o fracasso a três soldados, que são julgados e condenados à morte. O Coronel Dax vai defendê-los no julgamento.
O filme tem como ator principal e destaque Kirk Douglas (1916 – 2020) e baseou-se em um livro lançado por Humphrey Cobb em 1935, inspirado em um caso real que aconteceu durante a I Guerra Mundial. Stanley Kubrick decidiu adaptá-lo para a tela depois que se lembrou de ter lido o livro quando era mais jovem.
Kubrick e seus parceiros compraram os direitos do filme da viúva de Cobb por US$ 10.000. A filma-lo, Kubrick continuou o manifesto antiguerra que o livro original representa. E ele fez isto em preto & branco. Ele disse em entrevista: “O homem não é um bom selvagem, ele é um selvagem ignóbil. Ele é irracional, brutal, fraco, tolo, incapaz de ser objetivo sobre qualquer coisa onde seus próprios interesses estejam envolvidos – isso resume tudo. Estou interessado na natureza brutal e violenta do homem porque é uma imagem verdadeira dele. E qualquer tentativa de criar instituições sociais em uma visão falsa da natureza do homem provavelmente está fadada ao fracasso.”
Kubrick conseguiu convencer Douglas a participar do projeto que injetou U$ 1 milhão e se tornou Produtor Executivo do filme, além de trazer a United Artist como estúdio principal. Muitos estúdios haviam rejeitado a ideia por ser um filme antibélico e que poderia causar problemas para eles. Ao fim o filme rendeu $1.2 milhões na bilheterias… Sucesso modesto apenas, mas rendeu a Kubrick ampla aclamação da crítica, ao mesmo tempo em que gerou ampla controvérsia, especialmente na Europa (chegou a ser banido na França até 1975). Apesar de ter sido indicado e recebido vários prêmios internacionais, não foi indicado ao Oscar em nenhuma categoria.
Spartacus – 1960 – O projeto foi um desejo do ator Kirk Douglas, que havia gostado de Kubrick em Glória Feita de Sangue e o convidou para uma superprodução após despedir o diretor Anthony Mann, por diferenças criativas. O filme é baseado na revolta de escravos liderada por Spartacus, durante o Império Romano, na qual Douglas tinha os direitos que também se tornou produtor.
A produção se tornou o filme mais caro da história naquela época (US$ 12 milhões) e Kubrick se tornou o diretor mais jovem da história de Hollywood a fazer um épico (31 anos). O elenco também contava com Sir Laurence Olivier, Jean Simmons, Peter Ustinov e Tony Curtis. Apesar de ter apoiado Kubrick como novo diretor, o relacionamento entre Douglas com Kubrick azedou durante as filmagens e o ator posteriormente disse que apesar de Spartacus ter sido um dos seu melhores filmes e trabalhos nos cinemas, nunca mais gostaria de trabalhar com o diretor.
O filme o estabeleceu como um grande cinesta, recebendo seis indicações ao Oscar e ganhando quatro; em última análise, convenceu-o de que, se podia tirar tanto proveito de uma produção tão problemática, ele poderia conseguir qualquer coisa. O filme rendeu mais de U$ 20 milhões e deu a Kubrick o poder para conseguir fazer qualquer produção que quisesse em Hollywood.
Lolita – 1962 – O próximo projeto de Kubrick era polêmico, baseado no romance de Vladimir Nabokov escrito em 1955. A Warner Bros deu a Kubrick um contrato com clausulas especiais e o controle total sobre o filme em que a história é de um professor universitário de meia-idade que se apaixona por uma garota de 12 anos.
Estilisticamente, Lolita, estrelado por Peter Sellers, James Mason, Shelley Winters e Sue Lyon, foi um projeto de transição para Kubrick, “marcando a virada do cinema naturalista para o surrealismo dos filmes posteriores”, de acordo com o crítico de cinema Gene Youngblood. Kubrick ficou impressionado com a versatilidade do ator Peter Sellers e lhe deu uma de suas primeiras oportunidades de improvisar descontroladamente durante as filmagens, enquanto o filmava com três câmeras.
O diretor frequentemente entrava em conflito com Shelley Winters, a quem achava “muito difícil” e exigente, e quase a demitiu em determinado momento. Por causa de sua história provocativa, Lolita foi seu primeiro filme grande a gerar controvérsia; por fim, ele foi forçado a obedecer aos censores e remover grande parte do erotismo na relação entre o Humbert de Mason e a Lolita de Lyon, um elemento evidente no romance de Nabokov. O filme custou US$ 2 milhões e rendeu uma bilheteria de US$ 9,25 milhões. Não foi um grande sucesso mas ganhou críticas favoráveis ao longo dos anos.
Dr. Fantástico (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb) – 1964 – O projeto seguinte após a polêmica de Lolita, foi uma sátira à Guerra Fria e/ou uma comédia de humor negro satírica (da qual falamos um pouco aqui). O cineasta ficou preocupado com a questão da guerra nuclear enquanto a Guerra Fria se desenrolava na década de 1950, e até considerou se mudar para a Austrália porque temia que a cidade de Nova Iorque pudesse ser um alvo provável para os russos. Estudou mais de 40 livros de investigação militar e política sobre o assunto e finalmente chegou à conclusão de que “ninguém realmente sabia de nada e que toda a situação era absurda”.
No filme, um general fica maluco e arma um plano para iniciar a Guerra Nuclear. Então as autoridades máximas dos Estados Unidos e da União Soviética tentam parar um avião-bombardeiro cuja tripulação recebera ordens de lançar uma bomba nuclear na URSS. Kubrick chamou novamente o ator Peter Sellers, que neste filme interpreta três personagens distintos: Um general nacionalista, um cientista nuclear e o Presidente americano.
Dr. Fantástico é frequentemente considerado uma das melhores comédias já feitas, bem como um dos maiores filmes de guerra de todos os tempos. Foi indicado a 4 Oscars, incluindo Melhor Filme e Direção, mas acabou não levando nada. Custou $1.8 milhões e rendeu $9.2 milhões.
2001 – Uma Odisseia no Espaço (2001 – A Space Odyssey) – 1968 – Talvez o projeto que definiu Kubrick para a eternidade foi a obra prima 2001 – Uma Odisseia no Espaço, o filme que mudou pra sempre o gênero da ficção científica (da qual é uma das obras fundamentais), até então tido como gênero superficial e de nível mais baixo. 2001 foi colocado a um nível acima das grandes produções da época e ainda hoje é considerado um dos melhores filmes de todos os tempos de qualquer gênero e “previu” a chegada do homem à lua, que aconteceria um pouco mais de um ano após o seu lançamento.
O filme conta a evolução do homem dividido em 4 partes, na qual a primeira fala do homem das cavernas encontrando o Monólito, um objeto de origem extraterrestre que coloca o homem no seu caminho do conhecimento e evolução inteligente. A segunda parte, mostra um grupo de cientistas na Lua descobrindo um novo Monólito, na qual transmite um bip sonoro muito forte enviando um sinal para muito além do espaço. A terceira parte, mostra os tripulantes da nave Discovery às voltas com problemas com sua inteligência artificial que controla a nave, chamada HAL 9000, e a descoberta do verdadeiro motivo da missão até as luas de Júpiter; e por fim, a quarta e última parte, mostra o astronauta Bowman, seguindo até o grande Monólito Negro da órbita jupteriana, onde é tragado por uma força indescritível e é levado para seu destino final de uma grande revelação.
O filme é baseado em uma ideia de Kubrick com o famoso escritor britânico de sci-fi, Sir Arthur C. Clarke, que adaptou um antigo conto, “Sentinel” para montar o roteiro do filme ao mesmo tempo que o próprio Clarke escrevia sua ideia própria em um livro, que depois se tornaria um best seller mundial.
Foi indicado a quatro Oscars nas categorias de Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original (o filme foi indicado na categoria de roteiro original, apesar de ser adaptado do conto de Arthur C. Clarke), Melhor Direção de Arte e Melhores Efeitos Visuais, ganhando nesta última. E o interessante é que Kubrick ganhou o Oscar de Efeitos Visuais, apesar do chefe de efeitos ter sido Douglas Trumbull, que infelizmente não pode se inscrever para o prêmio devido a postura soberba e muitas vezes egoísta do diretor. Em 1991, foi considerado “culturalmente, historicamente ou esteticamente significante” pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos para ser preservado no National Film Registry.
Laranja Mecânica (A Clockwork Orange) – 1972 – Projeto seguinte de Kubrick geraria polêmica novamente, partindo para adaptação de um romance de Anthony Burgess escrito em 1962, e falando sobre uma sociedade futurista distópica, sobre um jovem líder de uma gangue ultraviolenta de delinquentes (que cometem roubo, estupro e morte para satisfazerem seu ego e suas revoltas sociais), quando então o governo ao prende-lo passa a usa-lo em um “experimento de ressocialização”, onde ele é submetido a tortura psicológica, expondo-o a um estado brutal de violência para que o seu cérebro passe a rejeita-la e ele se torne uma pessoa boa. A questão moral central do filme (como em muitos romances de Burgess) é a definição de “bondade” e se faz sentido usar a terapia de aversão para deter o comportamento imoral.
Kubrick se mostrou interessado neste projeto ao ler o romance de Burgess. Kubrick disse: “Eu estava empolgado com tudo sobre: o enredo, as ideias, os personagens e, é claro, a linguagem. A história funciona, é claro, em vários níveis: político, sociológico, filosófico e, o que é mais importante, em um nível psicológico simbólico como um sonho”. Kubrick escreveu um roteiro fiel para o romance, dizendo: “Eu acho que seja o que for que Burgess tinha para dizer sobre a história foi dito no livro, mas inventei algumas ideias narrativas úteis e reformulei algumas das cenas”. Kubrick baseou o roteiro na edição encurtada do livro dos EUA, o qual omitiu o capítulo final.
O filme foi bem recebido nas bilheterias, com um orçamento reduzido de US$1.3 milhão, conseguiu render até hoje US$114 milhões, mesmo com a crítica dividida durante seu lançamento. A polêmica da violência fez o filme ganhar censura alta nos EUA e ser considerado uma obra anticristã pelo Vaticano por muitos anos. Isto sem contar que o filme foi banido da Irlanda, África do Sul, Singapura, Brasil (só liberado em 1978, pela ditadura militar), Espanha, Malta entre outros.
O filme foi indicado a 4 Oscars, mas não recebeu nenhum. Em 2020, o filme foi selecionado para preservação no National Film Registry dos Estados Unidos pela Biblioteca do Congresso como sendo “culturalmente, historicamente, ou esteticamente significativo”. Polêmico no passado, clássico e relevante nos dias de hoje.
Barry Lyndon – 1975 – O roteiro baseado no romance As Memórias de Barry Lyndon, de William Makepeace Thackeray. Ambientado no século XIX, o filme é basicamente um conto sobre a ascensão e o declínio social do personagem-título, dividido claramente em duas partes. Apesar de algumas nomeações a prêmios importantes, jamais gozou do mesmo êxito que obtiveram os demais filmes principais do diretor. A iluminação deste filme foi inteiramente feita sob luz de velas e natural. Kubrick teve que usar uma lente adaptada da NASA para conseguir o efeito desejado.
Mesmo com a recepção mista de público e crítica, o filme recebeu 7 nomeações ao Oscar, incluindo melhor filme, mas ficou apenas com 4 quatro estatuetas: Trilha sonora, Fotografia, Figurino e Direção de arte. Uma segunda vistaà produção hoje, mostra que apesar de não ser um dos preferidos do grande público o filme ainda se mostra uma produção caprichada. Apesar de ser pouco conhecido, o filme é considerado por muitos dos fãs de Kubrick, entre eles Martin Scorsese, como seu melhor trabalho. Pois nele é perfeitamente visível o seu perfeccionismo, característica marcante em sua carreira.
O Iluminado (The Shining) – 1980 – A produção seguinte de Kubrick foi até uma surpresa. Ele adaptou o livro The Shining, do renomado Stephen King, para a tela grande. A produção ocorreu quase exclusivamente no EMI Elstree Studios, com sets baseados em locais reais. Kubrick frequentemente trabalhava com uma equipe pequena, o que lhe permitia fazer muitas tomadas, às vezes até a exaustão dos atores e da equipe. A nova montagem Steadicam foi usada para filmar várias cenas, dando ao filme uma aparência e sensação inovadoras e envolventes. O resultado é uma produção que até hoje impressiona pelo realismo das cenas e a entrega do ator principal, Jack Nicholson e da atriz Shelley Duvall, o casal atormentado do filme.
O lançamento americano causou muita polêmica devido a violência, a ponto da Warner Bros cortar 27 minutos do filme quando o mesmo foi lançado na Europa. Polêmica por polêmica, o filme ainda foi criticado pelo próprio Stephen King, que foi a público condenar a adaptação cinematográfica acusando Kubrick de mudar significativamente o conteúdo do livro, alterando até seu final. Alias, King nunca perdoou Kubrick por estas mudanças e considerou a versão de cinema como apócrifa, a ponto de apoiar anos depois sua versão em uma minissérie de TV.
O filme acabou tendo uma boa bilheteria, mas houve bastante críticas mistas. O filme foi indicado ao Prêmio do Framboesa de Ouro ganhando como pior filme e pior atriz, fato que depois removido em 2002, após o filme se tornar bastante cultuado pelas novas plateias ao longo dos anos. Frequentemente citado como um dos melhores filmes de terror de todos os tempos, o filme foi selecionado para preservação no Registro Nacional de Filmes dos Estados Unidos pela Biblioteca do Congresso como sendo “culturalmente, historicamente ou esteticamente significativo” em 2018. Hoje o filme é um clássico absoluto.
Nascidos para Matar (Full Metal Jack) – 1987 – Os anos 80 foram uma época de grande mudanças principalmente por causa da era dos grandes blockbusters iniciado na década anterior (quando Tubarão e Star Wars remodelaram o cinema e a cultura pop), onde o público alvo mudou para os jovens com o surgimento de grandes franquias comandadas por diretores como George Lucas, Steven Spielberg, James Cameron entre outros. Um público que não estava muito a fim de filmes ‘cabeças’, preferindo mais o entretenimento e os grandes efeitos especiais.
Foi quando Kubrick começou a desacelerar. Kubrick quis abordar novamente os horrores da guerra, como havia feito no começo da carreira com “Glória Feita de Sangue” em uma tentativa de não mostrar a guerra em si, mas aos efeitos devastadores que esta causa ao ser humano, mostrando a desumanização do homem diante do horror e da estupidez da guerra. Kubrick toca em uma velha ferida não sarada dos EUA, a Guerra Vietnã, que custou milhões de dólares e de vidas americanas devastadas para sempre. O filme é dividido em duas partes, uma mostrando o treinamento dos soldados antes de partir e já com efeitos psicológicos com nervos a fio e depois a própria guerra em si. O filme foi bem de crítica e público, com um investimento inicial de US$ 30 milhões, conseguiu fazer 120 milhões e rendeu mais um pouco no mercado de home-vídeo. Hoje o filme está na lista das melhores produções sobre guerras já feitos para o cinema.
Após Nascidos para Matar, Kubrick ficou mais recluso, tentando descobrir novas ideias para filmar, passou o resto dos anos 80 e boa parte dos 90 sem produzir nada, ao mesmo tento que tentava voltar a ficção cientifica com o projeto A. I. (Inteligência Artificial), do qual acabou desistindo mas repassando para Steven Spielberg, a quem se tornou amigo no fim da vida. Por fim, Kubrick começou a desenvolver um projeto estudando relações sexuais. Após décadas de desenvolvimento finalmente ele pós em prática sua nova produção.
De Olhos bem fechados (Eyes Wide Shut) – 1999 – Projeto que envolve conteúdo erótico, sempre causa polêmicas, e é preciso distinguir o que é um conteúdo erótico como arte da pura pornografia. Kubrick convidou o então casal do momento, o astro Tom Cruise e sua então esposa, Nicole Kidman, para serem o casal principal do filme, que fala sobre relações entre as pessoas, sexo e um suposto complô elitista envolvendo o culto da alta sociedade em uma orgia organizada.
A produção do filme levou dois anos, devido a perfeccionismo do diretor e brigas com o elenco a ponto dos atores Harvey Keitel e Jennifer Jason abandonarem as filmagens. Kubrick ainda passou vários meses na pós-produção, e em 2 de Março de 1999 mostrou seu corte final do filme para os executivos da Warner. Infelizmente cinco dias depois o cineasta morreu enquanto dormia.
O filme foi lançado em 16 de julho de 1999, postumamente e apesar de muitos críticos torcerem o nariz para a produção, considerada inferior a uma carreira magistral, o filme conseguiu boa bilheteria, de uma produção de custo US$ 65 milhões, conseguiu render mais de US$ 162 milhões. O filme tem sido tema de debates entre críticos, fãs e público ao longo dos anos, mas o último filme do diretor, cumpriu o que se propôs… causar polêmica e chamar atenção, como sempre foi em toda sua carreira.
Com o passar dos anos, De Olhos Bem Fechados teve sua reputação melhorada, com cada vez mais críticos dando mais valor ao longa, sua história conspiratória e sua trilha sonora atípica.
Balanço da carreira e prestígio eterno
Kubrick foi eleito o sexto maior diretor de todos os tempos pelos cineastas pesquisados pelo British Film Institute e a revista Sight & Sound em 2002. Seu único Oscar pessoal, não foi para melhor filme ou diretor, mas pelos efeitos especiais do filme “2001 – Uma Odisseia no Espaço”. Justíssimo, diga-se de passagem, já que o filme foi um marco nesse sentido e muitas de suas tomadas com efeitos são tecnicamente atrativas até os dias atuais, tendo inspirado um sem número de cineastas, além de ter contribuído para uma das teorias da conspiração mais populares do fim dos anos 90 e início do Século XXI, a de que o homem não teria chegado à lua e as filmagens da alunissagem da Apolo XI seriam na verdade um “filme” feito em estúdio por Kubrick diante de um fracasso da missão. Uma versão mais soft da teoria amalucada diz que a missão teria sido um sucesso, mas a ausência de registros em fotos e filmes forçou a NASA a filmar posteriormente o pouso, para ter algo para divulgar à população.
Gênio da Sétima Arte, Kubrick deixou um legado enorme com sua obra, deixando discípulos como Spielberg, Ridley Scott, Christopher Nolan, Denis Villeneuve entre outros, além de ser referência para outros filmes de gêneros diferentes seja Western, Ficção Científica, Sátira Política, Terror, Drama, Erotismo, História, Guerra entre outros.
Conheçam a obra de Stanley Kubrick!
Ricardo Melo
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genio genio genio
Zerei a obra do mestre Kubrick dois anos atras qd vi The Killing, que é uma razoável surpresa até, pois mesmo em início de carreira dele, é um filme muito bom.