Título: A Jornada do Escritor – Estrutura Mítica Para Escritores
Título original:
The Writer’s Jorney: Mythic Structure For Writers
Autor: Christopher Vogler
Editora: Aleph
Ano: 2007
Tradução: Petê Rissati
Páginas: 488

Nota-se um número crescente de pessoas que buscam gerar conteúdo. As diversas mídias disponíveis dentro e fora da Internet permitem a livre expressão sem fronteiras – e a literatura é uma delas. Mais do que isso, o livro é um dos primeiros instrumentos de propagação de conteúdo que se tem notícia, muito antes da invenção do cinema, da televisão e até mesmo das tecnologias contemporâneas, como o Youtube, o Instagram e as redes sociais. Comparar o livro a qualquer mídia social, aliás, é injusto por si só, devido a relevância milenar acarretada pelo primeiro.

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Apesar de seu longo tempo de existência e relevância, o livro mostra-se uma das maneiras mais complexas de se expressar, bem como de atingir o público desejado. A obra que se compõe num livro exige muito mais do que um vídeo de cinco minutos num canal do Youtube – apesar de, atualmente, o alcance do visual ser mais abrangente do que o meio escrito. Logo, vemos no livro um leque maior de possibilidades, porém um processo de criação muito mais complicado e, por vezes, frustrante.

Diversos estudos já foram iniciados e até mesmo publicados para analisar esse cenário curioso que envolve a literatura. Definir seu público alvo tem sido uma tarefa cada vez mais árdua, mas nota-se nos últimos anos um interesse crescente no segmento fantástico. Tanto a ficção científica como a literatura fantasiosa tem ganhado grande destaque. Isso fica evidente quando contamos o número cada vez maior de adaptações cinematográficas de obras de ficção. Só de cabeça, conseguimos citar meia dúzia de filmes que movimentaram os cinemas e tiveram sua base em livros, como Senhor dos Anéis (e o Hobbit, posteriormente), a coleção de Harry Potter, Game of Thrones e os juvenis Jogos Vorazes, Divergente e Maze Runner. Podemos estender essa análise até um pouco mais longe, quando levamos quadrinhos em consideração. Quais são os filmes que mais tem gerado polêmica e debates calorosos entre o público nerd? Batman vs. Superman e o próximo filme do Capitão América, cuja história baseia-se no quadrinho de Mark Millar, Guerra Civil. Isso sem contar as séries de TV do Netflix, Demolidor e Jessica Jones, as séries de TV baseadas no universo Marvel e DC (desde Gotham até Flash, Arrow e Agents of Shield) e em outros livros de fantasia, como The 100, The Vampire Diaries, Under The Dome, dentre outros.

Onde quero chegar com tudo isso? Bem, o universo fantástico tem sido alvo de interesse do grande público, tornando-se uma verdadeira fonte de renda e, consequentemente, vítima de algumas obras mal estruturadas, lançadas unicamente para lucrar alguns trocados. Por que isso acontece? E, ousamos levar o debate para um pouco mais longe: por que você, escritor de primeira viagem, não notou um alcance satisfatório em sua obra de ficção?

No caso das obras de autores iniciantes, é óbvia a falta de espaço para divulgação e ausência de investimento, por se tratar de um mercado um pouco mais fechado. Mas, quando analisamos o cenário como um todo, nota-se um problema ainda maior e mais grave, e que não assola apenas novos escritores: a falta de estrutura.

Transformando forma em texto

Existem diversos livros que ensinam a escrever. Podemos encontrá-los dentro da área de crítica literária ou até mesmo num manual de redação para o ENEM. Gramática e estilística são importantes, e todo escritor deve estar munido de ambas quando vai escrever. Mas e quanto a estrutura do universo fantástico? Você sabia que existem elementos dentro das obras de ficção que podem direcionar o livro para um ou outro público específico?

chirstopher-vogler Resenha: A Jornada do EscritorÉ com essa proposta que Christopher Vogler compôs o livro A Jornada do Escritor, lançado no Brasil pela Editora Aleph em 2015.

E quem é Christopher Vogler? Admito que também não o conhecia antes de ler o livro, mas já tive acesso a outras obras dele sem saber – e você também! Você sabe qual é a primeira regra do Clube da Luta, por exemplo? Ou então que leão é o herdeiro da “terra que o Sol toca”? Vogler trabalhou como consultor de histórias e roteiros para grandes empresas como Warner, Disney e Fox. Além da Linha Vermelha, Rei Leão e Clube da Luta são apenas alguns dos trabalhos onde os serviços de Christopher Vogler foram solicitados – e ele acabou por se tornar tão relevante em Hollywood que lançou uma espécie de guia para essas empresas seguirem. Parte do guia é trazido para A Jornada do Escritor.

Pensar na forma da história é bem complicado, mas ainda assim é a parte simples do processo, Vogler explica. Criatividade todos temos, mas transformá-la numa ideia praticável já são outros quinhentos. Torná-la rentável, então, é ainda mais complicado, pois envolve estruturar uma ideia que sequer forma ainda não possui.

É aí que unimos a ideia (forma) a aquilo que notamos cada vez mais ausente na ficção de fantasia, a estrutura. Basicamente, sua ideia deve se arquitetar numa história bem embasada, e A Jornada do Escritor busca dar esse embasamento.

Um dos primeiros elementos que o autor analisa é o arquétipo, ou seja, o perfil de um personagem. Quem é o herói? Quem é o vilão? Quem são os aliados? Existe um mentor?

Em seguida, Vogler volta seus olhos para a Jornada do Herói, obra clássica do antropólogo Joseph Campbell que serviu de base para A Jornada do Escritor, para definir o caminho que o protagonista realizará para a história ser contada. Vamos relembrá-la (ou conhecê-la, caso você ainda não esteja familiarizado)?

  1. HERÓIS são introduzidos no mundo comum, onde
  2. recebem o CHAMADO À AVENTURA.
  3. Ficam RELUTANTES no início ou RECUSAM O CHAMADO, mas
  4. são incentivados por um MENTOR a
  5. CRUZAR O PRIMEIRO LIMIAR, e entram no Mundo Especial, onde
  6. encontram PROVAS, ALIADOS E INIMIGOS.
  7. APROXIMAM-SE DA CAVERNA SECRETA, cruzando um segundo limiar
  8. onde passam pela PROVAÇÃO.
  9. Tomam posse da RECOMPENSA e
  10. são perseguidos no CAMINHO DE VOLTA ao Mundo Comum.
  11. Cruzam o terceiro limiar, vivenciam uma RESSURREIÇÃO e são transformados pela experiência.
  12. RETORNAM COM O ELIXIR, uma bênção ou tesouro para beneficiar o Mundo Comum.

Quando lemos esse roteiro, automaticamente pensamos numa clássica aventura medieval, não é? Mas analise bem cada ponto, prestando atenção nos termos destacados. Quem é o herói em Senhor dos Anéis, por exemplo? Frodo, obviamente. E em Harry Potter? O personagem título, claro. Em Star Wars? Luke Skywalker. Ok, identificar o herói das aventuras, sejam em livros ou filmes, é fácil. Mas e quanto a Caverna Secreta? Qual é a Caverna Secreta de Senhor dos Anéis? Quem sabe?! Quem quer chutar? Como tratam-se de três livros (ou seis, dependendo da edição que você possui) e cada um deles possuem seu ápice, temos diversas Cavernas Secretas. Entretanto, quando analisamos toda a obra, é claro que ela é identificada pelas Fendas da Perdição, local em Mordor onde Frodo deve rumar para destruir o Um Anel.

E onde está a Caverna Secreta em Star Wars? Existe uma Caverna Secreta numa obra de ficção científica? Ora, claro que existe! Quando Luke entra na Estrela da Morte para desafiar Darth Vader, temos o conceito do Herói aproximando-se da Caverna Secreta. Enfrentar Darth Vader é a Provação, e sua derrota seria a Recompensa. Ficou mais claro agora?

O autor cita diversas obras ficcionais em A Jornada do Escritor, de Titanic a Divina Comédia, para estudar melhor a estrutura de uma boa narrativa. Como que extremos tão atípicos como esses podem auxiliar no seu romance fantasioso? Bem, aí você precisa ler pra descobrir por conta própria. 😉

Tirando a prova…

writers-journey Resenha: A Jornada do EscritorPara exemplificar melhor a proposta de Christopher Vogler com seu livro, vou fazer um teste: abrirei A Jornada do Escritor em três páginas aleatórias para confirmar se, independente do ponto em que eu começar a ler, irei absorver algum conceito interessante sobre a ficção de fantasia.

“Os ferimentos do herói podem ser invisíveis. As pessoas gastam muita energia protegendo e escondendo esses pontos fracos e vulneráveis. Mas, em um personagem totalmente desenvolvido, eles estarão aparentes em áreas nas quais ele é sensível, defensivo ou um pouco confiante demais. O ferimento talvez nunca seja revelado abertamente ao público – pode ser um segredo entre o escritor e o personagem” (p. 146)

A história deve ser centralizada nos personagens, já que são eles quem movimentam a trama e fazem os leitores amarem ou odiarem o andamento da mesma. É com base nas decisões dos personagens que o enredo toma forma, logo a construção de um personagem é essencial. Parte dessa construção envolve suas características física, suas manias, seus poderes, habilidades e objetivos, mas a outra parte muitas vezes fica de fora – e ela é tão importante quanto todo o resto para definir bem o personagem: sua vulnerabilidade. É comum o escritor se apegar ao personagem e, erroneamente, torná-lo perfeito. Entretanto, o ser humano não é perfeito. Como é que ele irá se conectar com um herói que não possui defeitos, medos e anseios? Se pensarmos por esse lado, fica mais simples evitar os esteriótipos.

“Uma lição importante das artes marciais é FINALIZE COM SEU OPONENTE. Os heróis frequentemente aprendem que vilões ou Sombras que não foram totalmente derrotados na crise poderão se reerguer ainda mais fortes que antes. O ogro ou vilão que o herói enfrentam na Provação pode se recompor e empreender um contra-ataque. Um pai que foi desafiado pela dominação na família pode superar o choque inicial e desencadear uma retaliação devastadora. Um oponente de arte marciais tirado do prumo pode recuperar seu eixo e fazer um ataque surpresa.” (p. 256)

Nesse trecho, a Jornada do Escritor mostra não só algumas questões envolvendo continuidade (o que é muito comum na ficção científica e na fantasia, considerando as inúmeras coleções de livros e filmes), como também a exploração da questão de Provação, ou seja, o desafio final. O herói pode entrar numa questão moral e eliminar definitivamente o adversário com medo da ameaça que ele representará no futuro ou, então, a história pode seguir sem a finalização do oponente e permitir uma continuação.

“A solução de algumas histórias polarizadas pode ser a percepção de que a polarização em si era falsa, baseada em equívocos, ou que seria totalmente desnecessária, se as partes aparentemente opostas tivessem se comunicado melhor no início.” (p. 410)

Aqui, vejo duas questões interessantes: primeiro, como a polarização é frágil e, por isso, deve ser evitada. Histórias envolvendo “bem contra o mal” já estão extremamente saturadas e, se a base de seu livro é apenas essa, as chances de não despertar o interesse do público são consideráveis; e segundo, que independente do quão fantasioso for o enredo, o foco deve ser nas relações pessoais. São as pessoas, os personagens que movimentam a trama e, por isso, devem ser bem construídos.

Consegui te convencer que A Jornada do Escritor é indispensável para sua coleção, seja pelo desejo de escrever um livro, seja para entender melhor a construção de uma boa ficção? Conhece outro livro na mesma linha? Compartilha com a gente aí nos comentários!

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Marcus Colz

Livreiro, gamer, aficcionado por filmes, séries e música, não necessariamente nessa ordem. Fã de black metal que simpatiza com a Katy Perry. Come junk food mais do que deveria e não suporta alho, apesar de não ser um vampiro. Na busca de seu próprio universo, se encontra no Maxiverso.

1 thought on “Resenha: A Jornada do Escritor

  1. Eu li um livro muito legal chamado ‘Escrevendo Ficção Científica e Fantasia – Eldes Saullo’. Tem lá na Amazon. Gostei muito. Pequeno e objetivo. Melhor do que muita Oficina de Celebridades que tem por ai.

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