Walking Dead está virando o “novo Lost”
Logo após o season finale de ontem, a Internet entrou em polvorosa com o cliffhanger da AMC, que deixou em aberto a identidade da vítima de Negan. Imediatamente as redes sociais ecoaram a cisão da audiência, entre os que gostaram do final, e os que não gostaram, o que é natural, afinal, ninguém é obrigado a concordar com as escolhas dos produtores.
A maioria das críticas ao final foram dirigidas nesse sentido, de que TWD não é uma série que precisa desses recursos de “seriado de baixa audiência” para segurar seus espectadores na próxima temporada, ou seja, não havia motivo nenhum para se esconder a identidade da vítima, e isso teria “estragado o final” da temporada. “A AMC não precisa fazer isso para segurar a audiência da série”.
Aqui, The Walking Dead está lembrando muito Lost, que depois de ter virado febre mundial, passou a sofrer de algo parecido, graças a quem assistia os episódios apenas esperando alguma cena de ação e, depois, a quem assistia apenas pelo “final”.
Era comum, na época, ver os fóruns de Lost atulhados de reclamações sobre o episódio anterior, porque ele supostamente “foi perda de tempo, não explicou nada” ou “foi muito parado”, o que, traduzindo, significava que não teve um tiroteio ou alguma revelação sobre um dos mistérios da trama. Nas duas últimas temporadas, o que mais se via era “mais um episódio que não valeu nada, só continuo assistindo por causa do final”.
O que aquelas pessoas não entendiam é que Lost – como toda série – não existia em função de seu final, ainda que os mistérios fossem a tônica da trama. Lost – como toda série – valeu pela jornada, pela história, pelos personagens que nos cativaram e evoluíram/mudaram ao longo dos anos, com suas experiências e suas inter-relações. Os episódios “que não valeram nada” ou “foram perda de tempo” eram justamente os mais introspectivos e que mostravam as reflexões e nuances desses personagens, ajudavam a entender mais o que se passava, e nos faziam gostar da série que revolucionou o gênero.
Pois atualmente, Walking Dead sofre do mesmo mal: a cada episódio sem mortes, tiroteios e cenas de ação explosivas, pipocam reclamações de que “o episódio não valeu nada” e “foi perda de tempo”. Ontem, após a cena final, muita gente reclamou que ela foi “longa demais” e “Negan ficou falando demais”, além, claro, das críticas ao gancho deixado para a próxima temporada.
É evidente que TWD, assim como qualquer série ou filme, está sujeita a problemas e erros de roteiro. Aliás, uma série como essa – com a maior audiência da TV na atualidade – acaba refém justamente disso, tendo que se transformar ao longo do tempo para agradar seu público, e daí surgem incoerências de roteiro que mostram personagens que acabam mudando seu comportamento de forma pouco crível. Isso é normal e ninguém precisa gostar ou concordar.
Mas a cena com Negan foi tecnicamente muito bem montada, sendo ela o ápice da tensão crescente mostrada ao longo do episódio. O discurso de Negan está lá para conhecermos o personagem, sua personalidade, a maneira como pensa e vê o mundo, e como se porta diante da situação. O discurso nos mostra “quem” ele é e “o que” ele é, já que está sendo apresentado agora (lembre-se de que o argumento tem que se basear apenas na série, ignorando a ciência de alguém em relação aos quadrinhos).
Quanto ao cliffhanger, vale comentar que Walking Dead não precisa dele para “segurar sua audiência”. Ninguém deixaria de ver a série se a vítima de Negan fosse mostrada, e ninguém vai deixar de ver porque ela não foi mostrada. O gancho não foi usado para segurar audiência, foi usado para gerar repercussão (principalmente nas redes sociais) e para dar tempo dos produtores “escolherem” quem foi a vítima, justamente conforme essa repercussão.
Ralph Luiz Solera
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