Crítica: Nise – No Coração da Loucura

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Nise_o_coracao_da_loucura_cartaz Crítica: Nise - No Coração da LoucuraNise – No coração da Loucura

Direção: Roberto Berliner

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Elenco: Glória Pires, Júlio Adrião, Claudio Jaborandy, Fabricio Boliveira, Bernardo Marinho, Michel Bercovitch, Augusto Madeira, Georgina Góes, Roney Vilela, Simone Mazzer e Charles Fricks. 

Os tratamentos ‘revolucionários’ de esquizofrenia iniciado nas primeiras décadas do século passado consistiam em atos intrusivos e criminosos como lobotomia e ondas de choque. Intrusivo devido ao uso, por exemplo, de um picador de gelo para arrancar parte do cérebro e criminoso por, além do violento ato, achar que o estado catatônico fosse uma melhoria a ser comemorada.  

Assim, o longa do diretor Roberto Berliner nos traz a mente filmes como ‘Estranho no Ninho’ e ‘Tempo de Despertar’ por retratar a luta da médica Nise da Silveira para mudar este tipo de tratamento durante sua estadia no hospital do Engenho Novo, no Rio de Janeiro na década de 40. 

Com seus métodos atípicos para a época, influenciados por ser discípula de Jung, Nise da Silveira revolucionou o tratamento deste pacientes (clientes como ela própria diz) com rotinas simples que hoje parecem óbvias: como o uso da pintura, artesanato e principalmente com respeito e carinho através do uso também de animais domésticos como terapia.  

Em sua cena inicial já ficamos conhecendo um pouco da personagem Nise da Silveira (Pires): uma mulher que precisa de uma força além do normal para poder adentrar num mundo de pessoas esquecidas, a margem da sociedade e dominado por homens. Assim é importante que Nise surja pela primeira vez vestida num tom vermelho destoando do ambiente predominantemente masculino. 

Entretanto, a direção de Berliner, por mais que seja bem intencionada e que por momentos se mostra correta ao abordar um assunto importante, torna-se narrativamente irregular. Contando com um roteiro superficial, diálogos expositivos e principalmente atuações sem naturalidade- inclusive da protagonista -, ficaríamos imparciais a aquele cenário não fosse a importância do assunto e núcleo de pacientes interpretados por um ótimo elenco. 

Com a câmera se posicionando inicialmente por trás da protagonista e uso de um plano longo, a direção confere uma narrativa inteligente, mas não tão elegante e abrupta. Alternando câmera tremida, mudança de eixo, planos longos e curtos, a direção tende (espero) a representar a inquietude da esquizofrenia ao olhos do espectador. Assim esta abordagem vai sendo diminuida de acordo como o filme como estivesse simbolizando a melhoria dos pacientes. 

Gloria Pires, sem dúvida, compra a ideia do projeto e com sua presença não deixa o espectador duvida da capacidade de Nise como figura centralizadora. Mas, talvez sabotada também pela direção, a atriz se entrega ao automático e artificialidade por vários momentos, comprometendo não somente a identificação como a narrativa do longa. Como podemos confirmar num diálogo que a atriz tenta conferia um tom existencial e religioso através de uma obra de um dos pacientes. 

Se isso já não seria prejudicial por vir da figura principal, parte dos coadjuvantes não melhoram as coisas como, por exemplo, os papeis dos atores Michel Bercovitch e Charles Fricks que surgem de maneira caricata e , repetindo, artificial. Principalmente o segundo, que interpretando o crítico Mario Pedrosa, é o típico folhetim de crítico de artes que povoa o imaginário coletivo.

O desenvolvimento e suas motivação nunca ficam muito claras, assim é falho a tentativa de personalizar o protagonista, onde tudo é muito superficial. Como soa irrelevante a tentativa de abordar o relacionamento da personagem Marta (Goes) e o paciente Raphael (Marinho).

Mas, na contra mão de certa artificialidade de parte do elenco, o núcleo de pacientes faz um trabalho magistral. Todos os personagens são dignos de elogios por seus componentes serem cuidadosamente elaborados. Todos possuem abordagens e arcos dramáticos diferentes dentro daquele cenário (como visto no exemplo do pintor Emygdio de Barros que ficou anos e anos internado para se tornar símbolo maior da eficiência do tratamento idealizado por Nise) 

Aquelas pessoas presas dentro de sua insanidade tentam expurgar o resquício de civilidade que tinham. Amor, sexo e ciúmes, por exemplo, é algo inerente ao seu mundo, mesmo que feito de maneira quase infantil, como adultos presos em corpos de adultos.

Assim também temos paciente Carlinhos, interpretado por um ótimo Júlio Adrião , onde o ator captura bem cada nuance da esquizofrenia, de um homem que a muito perdeu o sentido de sociabilidade a entoar discursos quase incompreensíveis. Mas que se mostra ao mesmo tempo com personalidade própria e forte quando aos pouco vai apresentando o resultado do tratamento. 

Como é igualmente válido a atuação de Fabrício Boliveira. Conhecido por Faroeste Caboclo, o ator se entrega novamente ao papel que possui o melhor desenvolvimento pelo cuidado da direção ao apostar nos seus dramas. Como o fato de usar uma trilha sonora executada inversamente para exemplificar seus conflitos internos contra a loucura. 

Outros momentos que a direção se mostra cuidadosa são realmente aqueles que investem na narrativa dos pacientes. O design de produção aposta nos ambientes decadentes e sujos que refletem aqueles estados mentais. Os planos externos são pontos altos, ao investirem no colorido e luminosidade (as vezes exagerada), como visto da sequência ocorrida durante uma festa junina que retrata de certa maneira um clímax pela confraternização entre os personagens.

Importante em seu conteúdo e irregular em seu formato, Nise – No coração da loucura é um experiência válida por retratar pessoas em busca de um pouco de dignidade e  abandonadas pela sociedade, a sua própria insanidade e vítimas da incompreensão.

Cotação 3/5

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

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