Crítica: Filho de Saul (Saul Fia)
Filho de Saul
Direção: Laszlo Nemes
Elenco: Geza Rohrig, Sándor Zsótér, AmitaiKedar, Attila Fritz, Christian Harting e Levante Moinar
Obviamente o contexto do holocausto e suas atrocidades que envergonham a raça humana não são assuntos inéditos no cinema. Neste aspecto, a direção de Laszlo Nemes e todo o restante do trabalho técnico tornaram o filme Húngaro numa obra única e merecidamente o grande vencedor do Oscar 2016 de filme estrangeiro. Com uma sequência de abertura marcante ficamos conhecendo o protagonista Saul (Rohrig) trabalhando como integrante do SonderKommando: o grupo de prisioneiros escolhidos para ajudarem os nazistas nos campos de concentração com tarefas inerentes como, por exemplo, separar os pertences de valor das vítimas e limpar as câmaras de execução.
O ator faz um trabalho primoroso ao tornar-se um homem que testemunha a dor de seu povo, mas que precisa antes de tudo servir ao nazismo. Sempre com um olhar disperso, sem vida mas firme, Saul sabe que sua determinação e passar despercebido são questões de vida ou morte durante seu trabalho enquanto planeja seu objetivo pessoal.
Em tal sequência de abertura ficamos conhecendo a sua procura, tal como somos apresentados imediatamente à direção de Laszlo Nemese e a lógica visual presente durante todo o longa: com closes constantes ou primeiros planos reduzidos, o diretor localiza rapidamente o público. Assim quando abre estes planos, mesmo ao ar livre, por exemplo, a direção somente o faz para mostrar algum personagem necessário nas cenas e, mesmo assim, por breves momentos – como simbolizasse um “alento” diante daquele cenário.
O Roteiro do próprio diretor em conjunto com Clara Royer é, de certa maneira, simples em sua estrutura: a busca de Saul pelo filho dentro do campo de concentração enquanto que, ao mesmo tempo, precisa ajudar outros prisioneiros numa tentativa de fuga. Entretanto, a direção de Nemes é que faz toda a diferença ao criar aquele cenário perturbador, sem dar chances do público “respirar”. O filme é literalmente o ponto de vista de Saul e, com a câmera atrás do personagem ,o longa insere o espectador praticamente na posição junto do protagonista durante toda sua projeção, confirmando assim a grande capacidade e sensibilidade ao trabalhar o arriscado equilíbrio dos planos. Assim a abordagem narrativa em nenhum momento é comprometida ou sequer soa cansativo e, portanto, a direção oferece ao espectador um cenário claustrofóbico, jogando o público de um lado para outro com os cortes por vezes rápidos entre as cenas, mas sem exageros.
Para ratificar ainda mais tal conceito, o diretor usa razão de aspecto reduzida (tela quadrada), que comprime ainda mais o protagonista (e, consequentemente a visão do espectador) naquele ambiente com odor da morte impregnando a todos, como uma visão real do inferno, ratificando pela o visual esfumaçado da queima dos corpos das vítimas. Mesmo com o plano reduzido onde o foco é sempre o protagonista, jamais ficamos (pelo menos não deveríamos) indiferentes ao que acontece no segundo plano (menos nítido) – mesmo que não visualizemos de maneira clara as barbaridades nazistas. Como, por exemplo, os judeus sendo levados a câmaras de extermínio ou corpos nus sendo arrastados para serem queimados, sinalizando a lógica que para causar impacto não há a necessidade de explicitar tais fatos, mesmo que por morbidez parte do público deseje isso.
Não bastasse tal narrativa, a direção ainda conta com um trabalho belamente coordenado com o restante da equipe técnica que engrandece ainda mais na climatização. Mesmo que teoricamente, nestes casos, a fotografia seja prejudicada pelo campo reduzido, ela se faz presente exatamente nos momentos que a direção fornece o espaço para ela surgir. Como na cena da chegada de um grupo de judeus, onde visualizamos os movimentos das vítimas com uma contra luz dos veículos nazista cercando o grupo aumentando a tensão a cena e confirmando o trabalho da direção. Para ratificar definitivamente esta difícil abordagem, devemos considerar também o belo trabalho sonoro do filme, onde novamente, com o plano reduzido, era mais do que necessário que este trabalho de percepção também fosse bem feito (como a fotografia).
Tal conceito pode ser visto na própria cena citada acima em que a ficamos confusos e atordoados (como Saul) devido à confusão de vozes e gritos dos vultos em movimentos sem saber para onde ir ou ficar, ou em determinada cena de extermínio que ouvimos apenas os murros das vítimas no portão da câmara de extermínio como tentassem se livrarem da morte iminente, aumentando de maneira simples a carga dramática da cena.
No seu ato final de simbolismos, vislumbramos pela primeira vez a satisfação pelos seus atos e pela primeira vez deixamos de assumir seu ponto de vista, surgindo por um breve momento um espírito livre de um homem condenado. Contudo Filho de Saul não é apenas um filme retratando o holocausto na visão de um homem prestes a morrer, mas sim a luta de sobreviver dentro deste ambiente como pano de fundo para uma jornada de dor pessoal e manter um pouco a dignidade e tradições.
Cotação 5/5
Rodrigo Rodrigues
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Man que critica maravilhosa essa. Parabens!
Jadson
Obrigado pelo elogio.
Espero que tenha gostado do filme e que continue a acompanhar as criticas aqui no site.
Abraços.
Agamenon Dias
Boa tarde.
No caso, sim, os cantos ficam pretos poisa são as sobras da tela. O filme em si (o que você visualiza) está restrito a formato ‘tela quadrada’ . Ou seja, uma razão de aspecto (tamanho) diferente que acostumamos nos filmes atuais cujas imagens são retangulares e maiores, cobrindo toda a tela do cinema.
Este artificio foi usado para ‘comprimir’ ainda mais o personagem na tela para causar um sensação de desconforto e claustrofobia.
Obrigado
Abraços
Como assim tela quadrada? No cinema, fica com cantos pretos?????