page_1-300x300 Resenha: Topografias
Topografias, capa.

Topografias, é uma HQ lançada pelo Selo Piqui, em junho de 2016. A obra traz os trabalhos de seis artistas, Bárbara Malagoli, Julia Balthazar, Mariana Paraizo, Lovelove6, Puiupo e Taís Koshino, além de contar com Ingrid Kita, ilustrando a capa, e o projeto editorial de Livia Viganó e Taís Koshino.

As seis histórias contidas em Topografias se encontram na temática do percurso, da viagem, das experiências, e os tons de ciano e magenta, que perpassam a obra toda, criam um fio condutor, que acompanha o leitor se desdobrando em diversas possibilidades. Sua grafia, ou seja, capacidade de transcrever ideias e sentimentos em linguagem visual escrita, se remete ao tópos, ao lugar em comum, que une as propostas das artistas em um trabalho extremamente relevante, com o perdão do trocadilho. Tá, agora é sério, assim como a imagem de uma montanha, podemos pensar nos temas em comum como um pico onde os trabalhos das artistas se encontram e derivam em aprofundamentos filosóficos e reflexivos até o núcleo, o centro, da narrativa das histórias.

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A forma com que cada artista explora as possibilidades do tema e das cores em seus variados estilos estéticos, garante certamente que cada pessoa que ler esta coletânea de histórias em quadrinhos, experiencie sensações únicas, relacionando as reflexões propostas nas histórias com sua própria tragetoria, seu próprio percurso.

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Autoras de Topografias.

É importante enfatizar que Topografias é resultado de um trabalho colaborativo idealizado e executado por mulheres, e isso é notável por estarmos falando de um meio onde historicamente as mulheres são invisibilizadas, portanto é fundamental que todo amante dos quadrinhos conheça os trabalhos destas artistas e deem maior visibilidade para os quadrinhos femininos, que além de possuírem indiscutíveis variedade temática, qualidade e potencial criativo, são fundamentais também, como um veículo de comunicação acessível para segmentos sociais perseguidos e cerceados por uma cultura machista.

Outro aspecto que devemos destacar, é a maneira com que as artistas de Topografias exploram a linguagem dos quadrinhos de forma criativa e ousada, instigando o leitor, a cada história, a lidar com diferentes “jogos de linguagem”, convidando quem percorrer seus “relevos sensoriais”, a experienciar sensações expressas de forma única através da arte sequencial. Podemos dizer que Topografias é também uma coletânea de possibilidades linguísticas, fazendo deste trabalho, uma HQ imperdível para quem se interessa pela nona arte. Todo mundo deve conhecer Topografias para aprender que não há limites para se expressar nos quadrinhos.

O percurso das histórias nos guia por uma viagem de introspecção, onde as camadas de sentimentos que florescem no caminho aberto pelas autoras, se intensificam evidenciando sedimentos de memórias e pensamentos em movimento. Como observado por Dani Marino, todas as histórias possuem um tom onírico, como um “sonho grotesco e tolo”, onde por vezes a inocência das histórias, se reveza com o peso do conteúdo, como no caso de “Teneusca”, de Tais Koshino, onde um passeio para o “museu da memória do futuro” explora como seria uma sociedade capaz de se comunicar por telepatia, e o que se inicia como um passeio para se entender como se desenvolveu essa sociedade, se torna uma discussão sobre a comunicação em si, rompendo com a barreira que separa leitor e autora.

A utilização dos tons de ciano e magenta, já citados, gera diversos resultados subjetivos, como quando em “Chuva de Verão”, de Julia Balthazar, as cores geram uma dualidade que transforma o diálogo entre as personagens num possível monólogo, onde questões como escolhas e mudanças perpassam o mergulho numa piscina da psique.

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“Chuva de Verão”, de Julia Balthazar.
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“Frumello”, de Bárbara Malagoli

Convenções linguísticas dos quadrinhos como o “requadro” são suspensas por vezes nas histórias, como o caso de “Frumello”, de Bárbara Malagoli, onde a ilustração desmancha lisergicamente os requadros num delírio acerca da realidade pueril onde a experiência precede a consciência, e a cada instante universos se constroem e se desfazem com um pensamento só.

Sátira Latina”, de Mariana Paraizo, transgride também a estética tradicional das HQs ao ser composta por colagens de recortes de jornais organizados pela autora de forma a construir um cenário que traz um novo sentido às notícias e machetes das colagens, criando uma contundente crítica ao longo da história que não segue um roteiro pré-definido, permitindo que o leitor desenvolva seu próprio percurso na leitura da história.

Paula Puiupo conduz o leitor em mais um sonho que delira as relações afetivas, “situações frágeis com mãos calejadas”, em seu “Flagelo”, onde neo-humanos se consomem em “instintos primordiais”. Nesta história, convenções como os requadros e balões retornam para serem desconstruídas no decorrer da narrativa em mais uma experiência visual inebriante.

pagina_lovelove6_web-300x300 Resenha: TopografiasÁrvores, ou Sonhei Quando Vivíamos Sobre Árvores”, de Lovelove6, sonha com “(im)possíveis matriarcados”, com beleza e força nas ilustrações e uma poética envolvente no sucinto texto. O resultado final é um quadrinho breve e impactante que nos leva a pensar sobre o amor, sobre o ciúme, e a posse como agente da hostilidade que sufoca os sentimentos. “O ciúme é bem antigo. O amor é uma coisa do futuro.”
Topografias, estuda as características presentes no terreno da imaginação, e é resultado da união das trajetórias e percursos traçados por seis jovens artistas que demonstram nessa HQ suas bagagens, força, capacidade e potencial individual e mais ainda quando unidas em coletivos que empoderam as mulheres no tópos, no centro do lugar de fala, da cena dos quadrinhos no Brasil.

Título: Topografias
Autoras: Bárbara Malagoli, Julia Balthazar, Lovelove6, Mariana Paraizo, Puiupo e Taís Koshino
Capa: Ingrid Kita

Editora: Piqui

Formato: 21×29, 7cm
Páginas: 60
Lançamento: junho de 2016

Preço de capa: R$25

Para saber mais sobre Topografias, suas artistas, e o Selo Piqui, acessem: http://selopiqui.com/

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Raul Cassoni

Professor, historiador e músico. Um hibrido de boêmio com nerd, caso a vida fosse um enorme RPG. Discípulo de Mestre Splinter, Mestre Kame, Senhor Miyagi, Tio Ben, Prof. Xavier, entre outros que me guiaram em meu juramento de pesquisar a Nona Arte "nos dias mais claros e nas noites mais escuras", sempre usando meus "grandes poderes", e conhecimento, com "grande responsabilidade".

4 thoughts on “Resenha: Topografias

    1. Obrigado, Lia. Fico feliz que tenha gostado do texto e que tenha se interessado por esses trabalhos fantásticos!

    1. Hahaha fico feliz que tenha gostado, Suelen! Tive a oportunidade de conhecer este trabalho durante o 2º Encontro do Lady’s Comics, que relatei semana passada. Realmente foi uma experiência fantástica pois pude conhecer muitas artistas e suas HQs incríveis! Sempre que possível irei escrever sobre artistas brasileirxs, independentes, coletivos e etc.. é importante incentivar que esses trabalhos continuem a ser realizados e sabendo que nossos leitores também estão curtindo, então juntamos o útil ao agradável 😉
      Obrigado pelo comentário, são estes retornos que garantem que a gente saiba o que interessa aos leitores, criando uma ponte mais precisa entre os artistas, suas obras, e o público.

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