Resenha: Asterios Polyp

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Capa de Asterios Polyp

Parafraseando Scott McCloud, quadrinista e pesquisador estadunidense, “se você ainda não leu Asterios Polyp, leia. Se já leu, leia de novo”. Assim inicia a análise que McCloud faz, em seu site, sobre essa obra que certamente já possui seu lugar na história dos quadrinhos.

Asterios Polyp é um quadrinho de 2009 escrito e desenhado por David Mazzucchelli, mesmo artista que, em 1987, ilustrou Batman: Ano Um, escrito por Frank Miller. Desde o início dos anos 1980′ até os dias de hoje, Mazzucchelli trabalhou em diversos projetos de gêneros variados além de lecionar na Escola de Artes Visuais de Manhattan. Com Asterios Polyp, Mazzucchelli foi vencedor de prêmios como o Troféu HQ Mix, premiação brasileira que, em 2012, apontou a obra de Mazzucchelli como melhor novela gráfica estrangeira, além do prêmio Eisner em três categorias: melhor novela gráfica nova, melhor artista/escritor e melhor letrista, em 2010.

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Pronto, feitas as apresentações, vamos agora ao que realmente interessa, a sinopse e uma breve análise da obra.

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“se me fosse possível narrar esta história, começaria por aqui.”

Na tempestuosa noite de seu aniversário de cinquenta anos, o arquiteto e professor universitário Asterios Polyp, se encontra sozinho em seu apartamento, em meio à contas em atraso e o desleixo depressivo de um lugar onde parece já ter sido mais do que um lar, mas a materialização de seu senso estético o qual sempre se orgulhou. Neste exato instante em que observamos o decadente “reino” de Asterios, o destino lhe impõe uma drástica transformação, e através de um incêndio em seu prédio provocado por um raio, o protagonista se vê em desespero e após apanhar poucas recordações, foge para a rua, onde, ensopado pela implacável chuva, aprecia a destruição quase que instantânea de seu “sagrado templo” para si mesmo.

Após este caprichoso golpe do destino, o protagonista segue pela noite, vagando pelas ruas e metrôs, como um barco à deriva, e a mesma expressão vazia que já se apresentava em seu rosto antes mesmo do incêndio, mas dessa vez não mais sozinho, Asterios perambula na madrugada acompanhado pelo narrador da história, seu irmão gêmeo que nasceu morto, Ignazio. Assim inicia a jornada do protagonista que, forçado a mudar radicalmente sua vida, embarca numa introspectiva viagem por seu passado, enquanto, no inesperado presente, precisa se lançar a um imprevisível futuro.

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Asterios Polyp

Asterios é apresentado por Ignazio que, uma vez que nunca teve a oportunidade de viver sua própria vida, acompanha a de seu irmão obsessivamente, descrevendo sua visão de mundo e sua personalidade arrogante e egocêntrica, e narrando desde suas primeiras experiências na infância, como suas aventuras afetivas na adolescência e vida adulta culminando até o momento de maior confrontamento consigo mesmo em busca da nunca alcançada harmonia com o outro, o momento em que conheceu Hana, sua ex-esposa, em uma festa do corpo docente da universidade que os dois lecionavam.

A história se passa em dois tempos, o passado de Asterios, em que seu casamento com Hana ocupa grande espaço e importância, e o presente, onde o personagem parte para o mais longe que o restante de seu dinheiro pode levá-lo e começa nova vida em uma nova cidade onde arranja serviço como auxiliar de mecânico, enquanto embarca em sua “Odisseia pessoal”. Alegorias que reencenam de forma subjetiva sua história e sonhos e delírios como de uma febre que tenta sanar a ardente crise existencial de Asterios, transpassam os tempos narrativos citados anteriormente e transparecem cada vez mais os inquietantes questionamentos que Mazzucchelli propõe através da figura do narrador, Ignazio, que intenciona entender quais são os meios, as razões, as experiências que nos influencia a sermos quem somos.

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“O que te faz pensar que está sempre certo?” detalhe dos traços de Asterios e Hana

Além de uma belíssima história rica em detalhes sutis e personagens fortes que nos levam a refletir sobre nós mesmos e como nos relacionamos com a vida e com as pessoas, Asterios Polyp é uma experiência estética e linguística. David Mazzucchelli utiliza de forma primorosa os recursos das convenções da linguagem do quadrinho de forma não convencional. Scott McCloud destaca que além de utilizar de forma criativa os requadros, ou seja, os quadrinhos em que cada cena é contida, Mazzucchelli utiliza os espaços em branco entre os requadros de forma inusitada criando sensações que expressam os sentimentos dos personagens como em momentos que a solidão de Asterios é simbolizada pela imagem dele cercado pelo vazio de uma página em branco.

Outra característica que McCloud ressalta é a maneira que Mazzucchelli retrata cada personagem com um traço único fazendo com que os traços, seus balões de fala e a fonte das letras de cada um sejam um indicador de sua personalidade, como Asterios, que possui traços estruturais, como o “esqueleto” de um desenho, predominantemente em cor azul, com balões quadrados e fontes sóbrias, enquanto Hana possui traços detalhados, sombreados em cor vermelha, com balões arredondados e letras de mão delicadas, fazendo com que o leitor quase consiga ouvir o tom da voz da personagem.

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Exemplo da utilização dos balões e letras na narrativa e na representação das características dos personagens.

Na conferência de abertura da 3ª Jornada Internacional de Histórias em Quadrinhos, organizada pelo Observatório de Quadrinhos da ECA-USP, em agosto de 2015, Paul Gravett, jornalista britânico e grande referência nos estudos dos quadrinhos, apresentou um panorama histórico do desenvolvimento da linguagem dos quadrinhos, desde as primeiras publicações até os dias de hoje, pontuando os principais artistas e obras que influenciaram na constituição das convenções linguísticas dos quadrinhos e na ruptura delas, em trabalhos ousados que buscaram os limites da narrativa gráfica.

Foi neste contexto que tomei conhecimento do trabalho de Mazzucchelli com Asterios Polyp, e assim como Gravett, que descrevia e explicava a maneira única que Mazzucchelli encontrou para narrar essa história, fiquei fascinado com este quadrinho que podemos dizer sem medo de exagerar que se trata de um marco afirmativo das histórias em quadrinhos como uma linguagem artística que, sim, bebeu muito das outras artes, como a literatura e o cinema, mas possui características próprias e recursos narratológicos únicos que garantem seu status de Nona Arte.

Ainda não leu Asterios Polyp? Vá ler!

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Raul Cassoni

Professor, historiador e músico. Um hibrido de boêmio com nerd, caso a vida fosse um enorme RPG. Discípulo de Mestre Splinter, Mestre Kame, Senhor Miyagi, Tio Ben, Prof. Xavier, entre outros que me guiaram em meu juramento de pesquisar a Nona Arte "nos dias mais claros e nas noites mais escuras", sempre usando meus "grandes poderes", e conhecimento, com "grande responsabilidade".

6 thoughts on “Resenha: Asterios Polyp

  1. Piração total essa HQ, ja li em inglês e achei fantástica, é totalmente fora do convencional… recomendo!

    1. Li em português, mas já dei uma olhada na original. Achei a tradução muito boa e a HQ é realmente memorável, pode recomendar sem dúvidas!

  2. Que bom que fez essa review, já que não teve como você apresentar essa HQ naquela última reunião. Eu não conhecia esse quadrinho, parece ser interessante mesmo. Isso de usar traços únicos pra cada personagem é muito bem bolado.

    1. É ruim da cabeça, ou doente do pé… não, pera.. hehehe
      Mas, de fato, é um quadrinho difícil de não gostar rs

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