Crítica: O Castelo de Vidro (The Glass Castle)
O Castelo de Vidro
Direção: Destin Daniel Cretton
Elenco: Brie Larson Woody Harrelson, Naomi Watts, Max Greenfield, Josh Caras, Sarah Snook e Brigette Lundy-Paine
É impressionante como certos conceitos passam cada vez mais despercebidos pelos realizadores de longas baseado em romances – e nem vou entrar na discussão se são ou não descartáveis, pois não sou crítico literário.
Alguns parecem esquecer que um filme é uma obra completamente diferente e com regras próprias, onde um roteiro precisa respirar e absorver conceitos cinematográficos e não ficar preso à fonte em que se baseia, e nisso acabam contaminando o público. Não que um diretor não possa seguir a obra original fielmente, pelo contrário, mas isso é quase impossível, por ser difícil (ou impraticável) exprimir com “palavras” o que está subentendido em parágrafos. Como diria o diretor Jean Mitry: “O romance é uma narrativa que se organiza em mundo, enquanto o filme é um mundo que se organiza em narrativa“.
Mundo este que O Castelo de Vidro constrói de maneira falha dentro da sua proposta e mesmo contando com um elenco competente, o longa dirigido e roteirizado por Destin Daniel Cretton – baseado na obra da própria Jeannette Walls – é uma obra sentimentalista e vazia, com doses existenciais, fantasiosa e até mesmo cômica – sem ser bem sucedida em nenhuma delas. É incrível que a direção não tenha noção ou sensibilidade para abordar assuntos graves, tratando-os como meros acontecimentos de personagens sem nenhum carisma e unidimensionais, por vezes pateticamente estereotipados e com atitudes infantis em dinâmicas frágeis. A obra é um mistura episódica, novelesca (no pior sentido) e pasteurizada de acontecimentos, servindo apenas para atender as convenções do roteiro e tentar causar uma comoção (artificial) no público de maneira previsível.
Estruturado como um flashback, o filme nos apresenta Jeannette (Larson) vivendo na cidade grande e prestes a se casar com David (Greenfield). Entretanto, a jovem ainda enfrenta o conflito interno e o dilema da criação dada pelos seus pais que vivem nas ruas. Assim vamos conhecendo o passado da jovem e os percalços da família, jamais conseguindo se estabelecer num local e vivendo quase como nômades.
É uma pena que o filme desperdice o talento do elenco com uma história que contextualmente tem elementos para apresentar uma obra com camadas e conflitos dramáticos entre pai e filha e o próprio simbolismo de fragilidade que o título traz . Fora que o longa falha bisonhamente na tentativa de apresentá-lo inicialmente como uma espécie de Capitão Fantástico, por não ter o mínimo de estofo e maturidade para discutir os conflitos e dilemas dos personagens, e suas ideologias. Ao contrário do filme estrelado por Viggo Mortensen em que temos arcos bem construídos com personagens carismáticos através de uma narrativa delicada, O Castelo de Vidro se torna um rascunho sem vida. E ainda tem o fato da dita irresponsabilidade do pai na criação dos filhos em Capitão Fantástico (um tema que vai sendo construído ao longo do filme) , aqui se tornar simplesmente “queimar”, quase causar uma “concussão” e “afogar” os filhos, sem qualquer efeito narrativo, e repetindo, apenas para atender as convenções do próprio roteiro.
Tanto que podemos comprovar a tal incapacidade da direção na cena do almoço em família, onde a discussão sociopolítica em questão é resolvida com uma quebra de braço entre pai e noivo, com as mulheres ao redor gritando, como em um filme adolescente, mostrando toda a maturidade da obra. Noivo este, inclusive, interpretado pelo insosso Max Greenfield, que em nenhum momento demonstra atitudes e comportamento de um homem da sua idade, pelo contrário, a cena dele recusando pedido para almoçar com o sogro é mal concebida tanto visualmente quanto nos diálogos.
Outro “interessante” exemplo é a personagem Rose Mary (Watts), passando parte do filme em situação envolvendo comida onde a direção toda hora diz “Olha, ela esta com fome, olha, olha, você percebeu?“. Ademais, Rose é mostrada como uma caricatura denunciando que, para a direção, a visão de um artista é de uma pessoa relapsa que parece sempre à margem de tudo, a ponto de deixar a filha quase morrer queimada e com fome. Assim, Naomi Watts pouco pode acrescentar por ser sabotada pelo roteiro como o personagem de Woody Harrelson (com uma peruca temerosa) que na tentativa de tornar um homem com personalidade forte, inteligente e idealista que “apesar dos seus erros possuía uma integridade, inteligência e força familiar”, o roteiro (e a falta de equilíbrio temático da direção) apenas o transforma num personagem com tendências psicopatas e racistas.
No restante da narrativa, a obra melhora muito pouco. Usando sempre uma fotografia iluminada por cores quentes (sem problema algum, até certo ponto correta), a direção falha principalmente em seus planos e diálogos expositivos. Como vemos numa cena em que a jovem Jeannette indaga ao pai se ele estaria nervoso, mas o plano já demonstra claramente o personagem balançando a perna (denunciando seu estado). Entretanto, podendo deixar que o próprio público tire sua (óbvia) conclusão, a direção ainda gasta mais um plano desnecessário na perna do personagem e o mesmo dizendo “Sim, estou nervoso“. Podemos citar também a cena ocorrida numa piscina, quando o plano exibe o contraste da pele dos personagens, mas novamente parecendo que o Diretor não tem confiança no público, a cena precisa explicitar: “Só existem negros aqui!“.
Enfim, é preciso entender que dentro de uma narrativa cinematográfica algumas situações são mais elegantes e funcionais se apenas mostrarem em vez de ficarem martelando a informação que está clara ao público. Ou seja, O Castelo de Vidro é um filme que precisava deixar sentir mais e falar menos, principalmente quando tenta lidar com elementos tão complexos. Ademais, algumas cenas são tão mal concebidas e planejadas e acabam soando sem naturalidade e até cômicas (sem que esta seja a intenção, claro). A cena em que o pai tem uma crise de abstinência é tão ridícula que mais parece uma cena de exorcismo, ou a cena que o filme aparentemente insere o conceito de pedofilia, a resolução causou mais riso (involuntário) que propriamente um desfecho dramático, com deveria fazer por apresentar uma fato tão grave.
Finalizado com movimento de câmera nada sutil e como se nada dos fatos anteriores pudessem criar algum tipo de consequência psicológica ou não em Jeannette, O Castelo de Vidro se despedaça em sua própria incapacidade de construir algum tipo de cenário que realmente nos faça identificarmos com aquela história.
Nota 2/5
Rodrigo Rodrigues
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vc pegou leve com o filme, ele chega a ser caricato em alguns momentos, a tal cena do almoço é bizarra de tão farsesca, o lance de afogar os filhos é ao mesmo tempo surreal e exagerado… pra mim, um filme esquecível, de tão ruim…
Trooper
Bem vindo.
Acho que peguei leve mesmo, mas concordamos que o filme é ruim e esquecível. Pode considerar que peguei pesado .rs
Abraços
Existe vida inteligente nos sites de cinema!!! Parabens pela visão técnica e por não ir com a manada que está tratando esse filminho como uma obra-prima!
Slip
Bem vindo
Obrigado pelo elogio.
Tento sempre passar um visão em que o leitor consiga enxergar algo mais no filme. Infelizmente muitos sites não tem esta preocupação e acabam doutrinando um público pouco exigente e passível de certo maniqueísmos.
Abraços.
finalmente uma crítica que bate com o que eu penso… as outras que eu li dão a impressao que o filme é perfeito, lindo, maravilhoso, sensacional, melhor filme do ano, ja eu achei ruim, fraco, obvio, expositista, contraditorio (um drama que faz rir involuntariamente em algumas cenas)… parabens, é bom ver um crítico com visão mais apurada!
Benetti
Bem vindo
Obrigado pelo elogio.
Realmente fiquei surpreso com as críticas positivas de outros veículos e críticos de outros sites. Não que minha opinião é mais correta que outras, pelo contrário, até porque a discussão sadia sobre um filme se faz com visões diferentes. E se você tivesse uma opinião diferente não seria problema.
Procuro sempre basear minha opiniões com exemplos tirados dos filme e na linguagem cinematográfica.
Todavia, o filme apresenta problemas graves na construções dos personagens, conflitos e como trata alguns assuntos ( algo que você notou tão bem) que me pergunto se viram o mesmo filme.
Abraços e espero que continua lendo nossos textos.
Interessante como no Brasil muitas críticas foram só elogios ao filme, mas, claro, sem conseguir embasar tecnicamente – como você faz – os elogios. As críticas estrangeiras, no entanto, mais técnicas que a maioria das nossas, também perceberam as falhas do filme e da direção:
Collider – por Matt Goldberg
Em determinado momento, após uma cena de desgraça cede espaço a outra cena de desgraça, dá vontade de dizer: “Nós entendemos, Jeannette Walls. A sua infância foi uma droga”. Cretton não nos permite ir mais longe do que isso.
New York Times – por A.O. Scott
O filme cai em cenas de diálogo pesadas e óbvias, algumas das quais se referem a eventos no livro que não chegaram à tela. [Além disso,] é muito arrumado e muito bagunçado, e ao mesmo tempo nem muito selvagem nem suficientemente sensível.
The Hollywood Reporter – por Sheri Linden
Mesmo enquanto gesticula em direção a um altar sagrado redentor, […] o diretor deixa as realidades bagunçadas. E o seu bom elenco faz com que eles sejam verdadeiros – o egoísmo e a negligência, os confrontos brutais e ternos, os silencios sofridos e, além disso, as rajadas de alegria pura…
Washington Post – por Stephanie Merry
O filme geralmente se esconde por soletrar as coisas ao invés de insinuá-las, atraindo emoções e idéias para garantir que a platéia entenda o que os personagens estão sentindo e pensando.
Boston Globe – por Ty Burr
[Castelo de Vidro] é uma decepção assistível que deixa a maior parte da frustração no seu rastro. […] Mesmo a talentosa Larson não pode nos convencer de que o Pai realmente merece ser visto como um personagem colorido e não como um tirano abusivo.
Ralph,
Eu juro que não sei que filmes os críticos daqui viram.
Os post acima estão resumindo perfeitamente o que o filme é…