Análise: Entendendo Os Últimos Jedi e o “novo Star Wars”
Se você ainda não assistiu o novo capítulo da maior saga da História do cinema (responsável por mudar o cinema e a cultura pop mundial), Star Wars: Episódio VIII – Os Últimos Jedi (Star Wars: Episode VIII – The Last Jedi – Disney – 2017), cuidado: esse artigo está recheado de spoilers. E se você ainda não leu, clique aqui para ler a crítica oficial do Maxiverso (essa, sem spoilers).
Últimos Jedi (que no Brasil teve um erro de tradução, já que a Disney já confirmou que originalmente o título está no singular, em um problema parecido com o ocorrido no Episódio VI – O Retorno de Jedi, que deveria ter sido traduzido para “O Retorno do Jedi”) é um filme diferente de todos os Star Wars anteriores. Ele trata de ruptura, mas também de continuidade (ou retomada). Ele deixa claro que alguns conceitos estabelecidos na saga deixarão de ser usados, mas também mostra que outros continuam firmes e fortes. Ele envereda por caminhos que mudam em seu percurso, chegando a conclusões que diferem do que havia sido sugerido na caminhada.
E faz tudo isso de forma sublime.
Para quem, como eu, que teve em O Retorno de Jedi seu primeiro filme assistido no cinema, e que cresceu “querendo ser” Luke Skywalker, e que esperou trinta anos para rever seu herói favorito nas telonas, Os Últimos Jedi reservou emoção, choro e êxtase.
Mas vamos aos pontos importantes desse que é um dos melhores – senão o melhor – episódio da saga de fantasia e ficção científica criada por George Lucas:
Ruptura e Restabelecimento
Apesar de se tratar de um filme de ruptura com os conceitos estabelecidos anteriormente na saga (algo que o episódio anterior, O Despertar da Força, já havia inaugurado), existem reviravoltas que restabelecem alguns dos pilares de Star Wars. A ruptura simbólica com as tradições da saga se deu quando o sabre de Vader é partido ao meio por Rey e Kylo. Mas, no fim do filme, temos a certeza de que a Resistência acabou e agora a Rebelião está de volta (ou a primeira evoluiu – ou seria retroagiu? – para a segunda). Faz sentido, inclusive, já que até então existia a República, mas como no filme anterior essa foi pulverizada e a Nova Ordem passou a assumir militarmente os sistemas do velho regime, então nada mais “natural” que a até então Resistência agora passe a ser uma rebelião contra o novo regime. Do mesmo modo, Luke prega o fim dos Jedi e dos ensinamentos até entáo dogmáticos entre mestre e padawan, além do uso vigente da Força, mas sua última frase é emblemática: “Eu não sou o último Jedi!”. Além disso, vemos uma criança manifestando uso da Força, após conversar com os amigos sobre os feitos de Luke Skywalker, o que mostra a perpetuação dos sensitivos á Força. Kylo Ren também prega o fim da continuidade do antigo, o corte dos laços com o passado, mas não consegue impedir, no fim, que algumas coisas continuem “tradicionais”.
Nomenclaturas
Pela primeira vez em Star Wars vemos um personagem se referir aos sabres de luz da maneira como, coloquialmente nós espectadores falávamos deles no século passado: espada laser. Por motivos abaixo expostos, vemos também os personagens se referindo a eles mesmos novamente como rebeldes. A gíria “velocidade da luz” também surge novamente, lembrando que não se trata de um conceito científico (em Star Wars, as naves dão saltos no hiperespaço usando hiperpropulsores). Poucas vezes, porém, se referem aos saltos explicitamente (em Uma Nova Esperança, Han Solo usa o termo, em uma das exceções ao caso). Na maioria das vezes, os personagens usam as palavras “velocidade da luz”, do mesmo modo como nós espectadores falamos que o carro “estava a milhão”, querendo dizer que estava andando muito rápido. Por motivos óbvios, cabe a comparação com Star Trek, e para quem não sabe, quando as naves da Federação não estão em velocidade de dobra espacial, os personagens usam a gíria “velocidade subluz” para indicar que estão viajando normalmente. Luke também se torna o primeiro Jedi a citar o uso da Força como algo religioso, coisa que até então apenas os não Jedi haviam feito.
Finn e Rose
A “subtrama” ou side quest do ex-trooper, que no fim se mostra meio inútil em termos de conclusão, está no filme por diversos motivos. O primeiro é justamente para subverter as expectativas quanto às side quests, mostrar que nem sempre elas dão certo, ou dão o resultado esperado. A aventura paralela também nos mostra recônditos da galáxia que não ligam se há guerra civil, na verdade até lucram com ela, em um ponto que normalmente era criticado na saga, que pouco mostrava da consequências da batalha pelo poder ante a população que fica à margem do protagonismo. Vemos ali também críticas aos sistemas de governo, que podem ser entendidas como uma condenação direta ao capitalismo – que se vende a quem pagar mais, ainda que seu lucro signifique prejuízo e sofrimento dos outros – ou pode ser entendido como um espelho do que a política normalmente é factualmente, e cuja sacada o personagem de Benício del Toro passa a Finn (e a nós): Não existe lado certo. Mocinhos e bandidos não são exatamente 100% mocinhos e bandidos. Não tem um lado muito melhor do que o outro. Pelo menos não como nos fazem crer.
Poe, Leia e Holdo
As sequências envolvendo a eterna princesa e seus dois “herdeiros” na Resistência também tem vários objetivos. A bronca didática que Leia dá em Poe falando que “nem tudo se resolve pilotando uma x-wing e explodindo coisas” para depois permitir que ele faça exatamente isso diz como existem momentos certos para determinadas ações, dependendo de seu contexto. E existem momentos errados. Além disso, Poe – que se encaminha para ser o próximo general da Rebelião – está aprendendo que estratégia vale mais do que bravura, e seus erros seguidos nos dão um recado até difícil de vermos quando se trata de uma obra tentar se renovar, que é a de que a experiência tem seu valor, sua sabedoria, e muito provavelmente tem sua razão ante as “certezas” da juventude. Normalmente vemos o contrário, com odes às gerações novas, que desafiam – e mostram-se na razão – as decisões dos mais velhos e experientes. Aqui, ocorre o contrário, e vemos como Poe deveria ter seguido as ordens que recebeu à risca, deveria ter confiado na experiência e competência militar de quem estava ali para tomar essas decisões.
Snoke e Kylo
Kylo Ren passa o filme todo dizendo aos espectadores que chegou a hora de romper com o passado, com o antigo, o velho. Que é hora do novo, hora de começar do zero. De se reinventar. A morte de Snoke é justamente o primeiro passo nesse sentido. Além de direcionar definitivamente o arco de Kylo na saga, já que ele não quer mais ser o que era, o que dele fizeram, mas quer ser dono de seu próprio destino, o ato ainda mostra que Star Wars não tem mais a “estrutura” narrativa engessada em seus próprios conceitos. Não temos mais antagonistas principais (e estruturado em mestre/discípulo, tal qual o lado dos protagonistas) cujo destino se dará na terceira parte da trilogia, mas sim uma dança das cadeiras com dinâmica de “vida real” de alternância de poder. As certezas antes imutáveis, agora inexistem. Mortes e reviravoltas podem ocorrer, trocas de lado acontecem, traições e alianças inesperadas também – ainda que cada qual com seus motivos e particularidades. O filme joga com nossas expectativas novamente, subvertendo-as e mostrando que o que esperávamos assistir pode não acontecer, algo poucas vezes ocorrido em Star Wars e grandes franquias (não estamos falando de plot twists).
Luke e Rey
Assim como ocorreu com Snoke e Kylo, o lado da luz também teve uma quebra de paradigma. Mais leve, mas existente. Luke não aceita ser o mentor de Rey, e acaba topando apenas passar três lições para encaminhá-la nos caminhos da Força. Mas o recado é justamente esse, não existe mais mestre e padawan, Luke apenas abriu a porta, cabe a Rey agora seguir seu caminho. Talvez ele apareça ao seu lado como um espírito da Força, mas a doutrinação Jedi acabou com ele. Rey não será “treinada” rigidamente como antes ocorria, esse estilo infelizmente não deu certo, e foi preciso milênios e gerações incontáveis – e a perda de uma democracia e sua República – para que se chegasse a essa conclusão. E por que isso? O tópico seguinte explica. A relação de Luke e Rey ainda teve momentos interessantes, como quando ela diz ao mestre que ele não havia falhado com Kylo, e sim Kylo é quem havia falhado com Luke. Depois, garante que ela mesma não falhará com ele, em uma analogia com o próprio, quando garantiu a Yoda e Obi-Wan que não falharia na luta contra Vader.
A Força
Luke mostra em Últimos Jedi que algumas coisas que se pensava sobre a Força não estavam totalmente corretas. Quando Rey sente a Força na Ilha, ela nos dá algumas pistas sobre isso. Existe equilíbrio na Força. Se há paz, há violência. Se há calor, há frio. Tem vida? Então tem morte. E a morte aduba a nova vida. São ciclos, são complementos, são relações. Não há, portanto, uma Força benigna, e cujo uso por parte dos Jedi – ou seja, o uso apenas do lado luminoso – é o único correto. A Força não é maniqueísta. Como tudo na natureza, aliás. Luke chega à conclusão portanto, que os Jedi tinham uma visão equivocada da Força, e seu uso como feito até então era um dos motivos que causavam tanto problema à galáxia. Mas ele mesmo não dá a resposta final, pois ele também não a tem. Ele apenas concluiu que o modo até então vigente não era o mais adequado, e que, portanto, ele devia ser descontinuado. Essa foi uma das poucas teorias lançadas antes do filme que se confirmaram. Luke prega o equilíbrio no filme, o fim do uso da Força a partir de “lados” (luz e escuridão). Como tudo a respeito de coisas tão subjetivas e conceituais, não sabemos se ele está certo – ou se está certo em tudo ou só em alguns pontos.
Rey e Kylo
O elo mantido por Kylo Ren e Rey em boa parte do filme, criado inicialmente por Snoke, tem o objetivo de levar Rey à presença do Supremo Líder (para que ele descubra onde está Luke). Snoke manipula Kylo e conta com a inexperiência e “ingenuidade” de Rey para que ela vá atrás dele, para tentar trazê-lo para a luz (uma rima conceitual com Luke e Vader em O Retorno de Jedi). Durante uma das ligações entre os dois, ambos vêem o futuro da outra parte. Rey vê Kylo “mudando de lado” e Kylo vê Rey “ao seu lado após a mudança”. Os futuros se mostraram verdadeiros, mas os contextos não eram os que os dois imaginavam. Eles adaptaram a compreensão das visões que tiveram às vontades pessoais a respeito do futuro. E quando Snoke monitora a mente de Kylo, também vê a verdade: onde antes havia dúvida, passou a existir a certeza, mas não a que o ele imaginava – o mesmo erro cometido pelos dois jovens. Kylo passou a ter certeza do que ele tinha que fazer, ainda que isso não fosse o que Snoke queria. No fim do filme, em uma bela metáfora visual, Rey “fecha a porta” para o elo com Kylo, quando embarca na Falcon após salvar o que restou dos rebeldes.
Phasma, Snoke e Maz Kanata
As maiores discordâncias em Os Últimos Jedi são em relação ao Luke e, também, à Phasma, Snoke e Maz Kanata, pois teriam sido mal aproveitados ou teria se prometido muito deles, mas pouco teria sido entregue. Quanto a Phasma e Maz, importante lembrar-mos que se trata de coadjuvantes. É impossível que um filme – ou mais – expliquem detalhadamente as origens e motivações de todos os personagens, por isso que existem protagonistas e coadjuvantes. O visual de Phasma levou os fãs a desejarem mais dela antes mesmo da estréia do Despertar da Força, mas ela sempre foi “apenas” uma capitã do general Hux, com uma armadura diferente. Para os que torcem o nariz para isso, convém lembrar que Boba Fett fez muito sucesso nos anos 80 aparecendo pouquíssimo em Império Contra-Ataca e menos ainda em Retorno de Jedi. Afinal, ele era “apenas” um coadjuvante, um caçador de recompensas dentre tantos outros. Já Snoke, a trama do Episódio VII indicou que ele seria o grande antagonista do lado luminoso, porém o Episódio VIII subverteu mais essa expectativa, de forma bem engendrada, rompendo paradigmas e tradições da saga de forma ousada. Se não fosse assim, alguns iriam gostar, e outros diriam que é “mais do mesmo”, ou “um repeteco das outras trilogias”.
Pontas atadas e pontas soltas
Vários dos questionamentos deixados em Despertar da Força foram elucidados em Os Últimos Jedi. E a maioria contou com decisões muito acertadas da produção, evitando o lugar comum e o clichê. Rey, por exemplo, não é descendende dos Skywalkers ou mesmo de Obi-Wan. Ela é uma pessoa comum, sem uma linhagem especial. Como eu e você. E se viu pêga em um turbilhão de acontecimentos que a colocaram no centro da briga pelo poder, a justiça e a liberdade na galáxia. Uma pessoa comum, forte na Força como diversos outros Jedi foram antes. Aliás, vimos que a Força se manifestou em Rey porque é assim que ela age, buscando sempre o equilíbrio inerente a todas as forças da natureza. Quando o lado sombrio se fortaleceu demais, personificando-se em Kylo Ren, surgiu naturalmente uma manifestação luminosa, personificada em Rey. Ficamos sabendo no filme também porque Luke se exilou – e como ele deixou de usar e se desligou da Força para não ser encontrado – e o que houve entre ele e Ben Solo, que levou ao cenário encontrado em Despertar da Força. Outros pontos ficaram por serem esclarecidos – ou não – como o que ocorreu entre Retorno de Jedi e Despertar da Força e que levou à criação da Nova Ordem, ou o que levou Ben Solo a se deixar seduzir por Snoke.
Luke
Chegamos ao cerne de Os Últimos Jedi: Luke Skywalker. O arco dramático do filho de Vader se conclui de forma magistral, grandiosa e dramática – e emocionante, para quem o acompanha desde os anos 80.
Para muitos, o Luke mostrado no filme foi decepcionante. O longa entregou algo diverso ao que essas pessoas esperavam, e a frustração se manifesta em dissabor. Muitos não gostaram do filme por causa disso. A verdade é que todos queriam um Luke seguro, sábio, bravo e, sobretudo, guerreiro. Com direito a entrada triunfal, luta de sabre de luz épica e, se possível, uma surra em Kylo Ren. Em Snoke também, no próximo filme. E o que vimos? Um ser humano – e não o mito – amargurado com suas falhas, desapontado consigo mesmo, sem usar a Força por mais de uma década e totalmente fora de forma em termos de combate.
Ou seja, algo totalmente plausível. Muito mais plausível do que o que desejávamos.
Sem falar do peso que ele sentiu de ser alçado, de uma hora para outra, a lenda viva. Algo com que ele não soube lidar adequadamente.
Aliás, o próprio Luke nos avisou que não teríamos aquilo que imaginamos nesses dois anos de espera pelo novo filme: “Isso não vai terminar como você imagina!” proclamou ele em determinado momento. Outra pista dada para os espectadores quanto ao combate por vir contra Kylo foi: “O que você espera? Que eu empunhe uma espada laser e enfrente sozinho a Nova Ordem inteira?”. Para jogar ainda mais conosco e nossas expectativas, o filme mostra essa cena, ou seja, ele mostra exatamente Luke enfrentando sozinho todo o exército da Nova Ordem ali presente, para depois revelar que não era bem isso o que estava acontecendo. Mas o recado foi verdadeiro: não faria sentido Luke dar uma de herói (quem imaginou uma comparação dessas em uma saga como Star Wars?) e partir para a batalha contra as tropas de Snoke, àquela altura de sua vida. Aí sim seria implausível. Inverossímil. A sensação de vê-lo indo desafiar as tropas foi incrível, mas não seria honesto da parte do filme se fosse verdade.
Em uma espiral de emoções, tememos por ele ter morrido (a nova trilogia já mostrou que não poupa matar personagens centrais), respiramos aliviados ao vê-lo vivo, rimos de sua piadinha – quem diria – vibramos com o confronto que se ensaia com Kylo, ficamos apreensivos com o desenrolar do mesmo, ficamos estupefados quando entendemos o que está acontecendo, e nos emocionamos com o cair do pano para aquele que saiu de uma fazenda em Tatooine para trazer Darth Vader de volta para a luz e restabelecer a paz na galáxia.
E para quem questiona por que ele faleceu, Kylo já havia dado a pista, informando a Rey que caso ela tentasse se projetar fisicamente ante ele, provavelmente não resistiria.
O destino de Luke também mostra um subtexto religioso a seu respeito. O próprio cita à Rey, anteriormente, a “religião Jedi”, de uma forma que a saga até então não tinha tratado, indicando que haveria algo nesse linha a ser mostrado. Mais tarde, Luke se revela um messias de um novo conceito Jedi, com direito a último ritual de passagem, guiado pelo espírito de seu mestre, presenciando a sarça ardente no Monte Sinai para se iluminar definitivamente. Posteriormente, faz uma aparição rediviva temporária para seus seguidores em forma incorpórea (cujos feitos serão perpetuados por meio de lendas e mitologias a seu respeito), e, claro, faz seu sacrifício em benefício dos justos, tendo sua morte por arrebatamento e ganhando assim o direito a se juntar à força criadora de tudo, que rege todas as coisas.
Magnífico.
Quanto a luta em si, interessante notar como Luke não deixa pegadas no sal durante a batalha com Kylo, coisa que vemos explicitamente ocorrer com o Cavaleiro de Ren (entendeu porque o roteiro escolheu esse tipo de cenário para a luta?). A esquiva a la matrix serve para vermos como a lâmina do sabre de luz de Kylo, apesar de passar a milímetros do rosto do Jedi, não tem nenhum efeito de calor nele. Essa cena, inclusive, fica mais crível porque, na Ilha, vimos Luke fazendo movimento idêntico de esquiva quando Rey o agride com o cajado.
E o que dizer do jogo psicológico do mestre Jedi contra seu ex-aprendiz? Luke projeta contra Kylo sua versão mais jovem (usando a habilidade Jedi force illusion), do tempo em que eram mestre e padawan, justamente por ser aquele o Luke que Ben Solo mais respeita – e teme. Além disso, a projeção usa o sabre de luz de Darth Vader (que, alguns perceberam, tinha sido destruído por Kylo e Rey na sala de Snoke). Luke sabe o que Vader significa para Kylo, e o que o sabre do avô causa no impulsivo e emocional Ben Solo: naquele embate, o adversário do Cavaleiro de Ren era um amálgama de Luke e Anakin Skywalker, os dois modelos de poder e comportamento que permeiam as dúvidas e conflitos mentais de Kylo.
Os Últimos Jedi
Os Último Jedi é um marco em Star Wars. Marca um reinício, com rompimento de conceitos clássicos da saga, e manutenção de outros. Deixa em aberto um futuro incerto, novo e, pela primeira vez em muito, muito tempo, totalmente imprevisível.
Nos vemos em 2019, Star Wars. E que seja tão bom quanto em 2015 e 2017.
Update: A repercussão (19/12/17)
De forma surpreendente, para mim, o filme provocou reações adversas até mesmo entre os fãs da saga. Chegou ao ponto de um “fã” criar uma petição online para que a Disney desconsiderasse o Episódio VIII do cânone de Star Wars.
Claro que todo mundo tem o direito de não gostar de um filme, ou de não achá-lo bom (sim, são coisas totalmente diferentes). Mas alguns dos “argumentos” contrários à obra merecem considerações:
a) Luke, seu exílio, suas escolhas, o final e a morte sem confrontar Kylo: como o Diretor Rian Johnson chegou a declarar – mas nem precisava – o arco dramático de Luke se encerrou em O Retorno de Jedi. Do mesmo modo que que Anakin completou ali sua Jornada do Herói. A nova trilogia é de Rey, Poe e Finn, não de Luke. Por isso ele não tem o protagonismo que muitos queriam, e se despediu da saga no Episódio VIII (pelo menos na forma física). Obviamente não cabe a ele o confronto com Kylo, mas sim aos personagens novos. É assim que a vida caminha, e é assim que as vidas dos personagens caminham, eles cumprem seus papéis e dão lugar aos sucessores. Quanto ao exílio, as explicações já foram dadas acima, bem como as motivações dele para tal ato.
b) Kylo, Snoke e o lado negro: não foi mostrado – pelo menos não ainda – como o Supremo Líder convenceu Bem Solo a ir para o lado negro, mas isso atrapalha em algo a compreensão da saga até o momento? Só fomos saber como Anakin Skywalker caiu para o lado negro duas décadas depois dele já ser o vilão definitivo apresentado na trilogia original, e isso em absolutamente nada atrapalhou na época nossa compreensão da saga e nossa admiração pelo vilão que se redime no final e mata o Imperador. Quanto a Snoke, o mesmo vale se compararmos a Palpatine, cuja origem não sabíamos na trilogia original, onde ele chegou a morrer sem que tivéssemos ciência do seu nome. E como a Força requer concentração, e como a arrogância e prepotência dos Sith costuma atrapalhar ainda mais do que o foco em outras ações, tanto Snoke quanto Palpatine não conseguiram perceber que seus “aprendizes” iriam atacá-los.
c) A Nova República: nos livros novos do cânone foi explicado porque ela durou tão pouco, como caiu tão rapidamente, como permitiu a ascenção da Nova Ordem e precisou da criação da Resistência. Mas precisava explicar? No mundo real, quantos reinados acabaram poucos anos após seu início, mesmo com reis sendo coroados por aclamação do povo, prometendo anos de fartura e realizações? Quantos governos foram interrompidos – por tomadas de poder ou por não serem reeleitos – mesmo após uma chegada triunfal ao cargo, muitas vezes com maioria esmagadora de votos? A alternância do status quo das forças regentes é comum e perfeitamente aceitável. Porque em um filme seria diferente, se ele assim retratou essa realidade?
Claro que ninguém é obrigado a gostar de um filme, por mais que argumentemos a seu favor. Mas pede-se que se entenda o que é mostrado, pelo menos, para então a partir das premissas corretas, se fazer o julgamento.
Como vemos, a maior parte dos “problemas” apontados se trata não de questões técnicas (furo de roteiro, problemas de edição, montagem, direção, etc.), mas sim de situações que foram colocadas no filme de forma diversa a como eram esperadas pelos espectadores.
Podemos lembrar como quando a trilogia original foi lançada, Vader (eleito décadas depois o maior vilão da História do cinema) pouco tinha de icônico além da imagem. Frases de efeito, uma voz poderosa, uma ou outra demonstração da Força e uma luta de sabres de luz pífia com Obi-Wan Kenobi foi o que vimos dele. E o que dizer da Batalha de Yavin, quando a maior arma do Império viaja sozinha, sem escolta de todo seu exército, para enfrentar os rebeldes em sua base, de modo que se deixa abater por “apenas” trinta caças x-wing. Sobre o Imperador, nada sabíamos, nem o nome dele, quanto mais o passado ou como ele levou Anakin da luz para o lado sombrio. E o tal Mestre Yoda, que todos esperávamos ser um grande guerreiro (o próprio Yoda brinca com essa expectativa de Luke – e dos espectadores), mas vemos ser um anão verde, velho e que parece frágil e descompromissado? Aliás, será que hoje aceitaríamos seu exílio passivamente, ao invés de cobrar dele atitudes mais condizentes com alguém que deveria combater o lado negro ao invés de se esconder esperando a morte? Enfim, como podemos ver, as coisas não eram tão diferentes assim lá nos anos 70 e 80 do século passado, em termos de filmes.
Para terminar, deixo aqui uma consideração interessante que vi no Facebook sobre como seriam as reações dessas pessoas ao lançamento do Retorno de Jedi, caso ele ocorresse nesses tempos atuais:
1) Apontariam problema gigante no fato de outra Estrela da Morte ser plot do filme. Acusariam Retorno de Jedi de ser mera cópia sem imaginação disfarçada de remake de Uma Nova Esperança;
2) Apontariam problema no fato de não saberem nada do Imperador, de como ele aliciou Anakin, e de como se deixou matar facilmente pelo Vader, sem sequer ter pressentido o ataque;
3) Aliás, questionariam onde estava o “verdadeiro” Vader e não aquele tolo fracote e sentimental do terceiro filme, capaz de se emocionar com o filho sendo atacado em sua frente, depois de ter matado tantos Jedi anteriormente, inclusive seu mentor Obi-Wan;
4) Achariam “estranho” a mudança na personalidade do Luke. Como o impaciente e arrogante Luke do Episódio anterior, que desobedecia Yoda e falhava nas lições, virou o sereno e hábil Jedi mostrado no filme?
5) Achariam detestável Han Solo proferir piadinhas o filme todo, mesmo em momentos tensos. Bem como ter aceitado passivamente a ideia de que Leia amava Luke, dizendo até que se afastaria e não atrapalharia, antes dela explicar que eram irmãos. Solo jamais agiria daquela maneira!;
6) Por falar em Leia, questionariam desde quando ela era force sensitive? E o fato dela ser irmã do Luke seria tratado como novelização em baixo nível da trama de Star Wars;
7) E o que falar do Jabba? Diriam que foi um personagem vazio, sem passado explicado, colocado às pressas no filme apenas para a sequência inicial, sem contar nada dele, e já para matá-lo, quando deviam tê-lo guardado para alguma continuação, onde ele buscaria vingança;
8) E a morte do Yoda? Será que seria tolerada? O maior Mestre Jedi morrer assim, do nada? E justo quando o Luke voltou para vê-lo? Não deveria haver um conflito final com o Imperador, enquanto o Luke confontaria Vader? Porque treinar o Luke para isso, se Yoda podia ir junto?;
Essa lista pode seguir de forma quase infinita… considerando-se as reclamações atuais.
E os ewoks? Bom, reclamaram deles na época. Para mim nunca foi problema, mas entendo quem não gostou. Em breve publicarei artigo especial sobre o Retorno de Jedi e tratarei mais desse assunto.
Ralph Luiz Solera
Latest posts by Ralph Luiz Solera (see all)
- Análise: a obra máxima do terror é The Thing? - 12/07/2022
- Na mesa: jogo de tabuleiro The Thing: The Boardgame - 11/07/2022
- Série do Obi-Wan expõe o verdadeiro problema dos SW da Disney - 02/06/2022
- Resenha: o box completo de Bone - 17/11/2021
- Piores Filmes do Mundo: Serpente Mortal (Silent Venom) - 06/11/2021
Nao gosto muito dessas matérias tipo “Explicando o final do filme tal…” ou essa que vc fez “Entendendo tal filme…” mas confesso que esse seu artigo foi providencial devido à celeuma que a obra gerou. Os fãs xiitas (haja pelasaco heim que galera chata dos infernos) que ficam falando em erros de roteiro (mas heim?) e de que “O Luke nunca agiria assim” (fala serio) deveria dar uma lida nisso. Aliás, esquece. Aqueles acefalos não iriam entender nem lendo. Que mundo mais pirracento é esse, meu Deus? Roddenberry, vc errou feio na sua previsao de um futuro de paz e integração da humanidade kkkkkkkkk
grande análise, a melhor que li até agora sobre TLJ… amei o filme e agora com essas informações amo ainda mais essa obra linda e maravilhosa que SW nos entregou…
que análise fantástica!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! só achei que a analogia cristã que vc citou não faz sentido
Pneu, toda a obra de Star Wars é ricamente referenciada em contextos bíblicos. A mais emblemática é aquela em que uma mulher humilde, que vive em uma região desértica, acaba gerando uma criança sem a participação de um homem no processo… isso te lembra alguma coisa, em termos de cristandade e Bíblia? 😉
Excelentes argumentos. O que notei por ai nas criticas ao filme foi um misto de decepção de alguns fãs que queriam o filme do seu jeito com um grupo que é contrario a Disney/Marvel… sim, esse movimento existe e esta até respingando em Star Wars, infelizmente.
Filme maravilhoso…
Se o filme não sai como querem, reclamam. O Luke apareceu diferente do que queriam? “Esse não é o Luke”… haja paciência…
mano… do o braço a torcer… fiquei meio puto com o filme, com o que fizeram do Luke mas sei la acho que é o que vc disse né, eu queria algo diferente, não é pq fizeram de outro jeito que é ruim, e depois de ler suas explicações até que entendo o final dado pro Luke… to mais calmo rsrsrs
Fantástico! Parabens!
Excelente analise. Entende de SW, de cinema e de arte. Nao eh fanboy. Nao tem mimimi. Capta as mgs subliminares, metaforas e subtextos. Tem conhecimento tecnico de roteirizacao. Perfeito!
Obrigado, Inácio.
Provavelmente a melhor análise sobre o filme! Parabéns!
Vindo do Hutt, só posso me envaidecer! 🙂
Fantástico! Coisa linda! Isso que é uma análise bem feita, levando em conta aspectos técnicos, interpretação do que foi mostrado, e com mente aberta para as tradições da saga que foram quebradas. Parabens!!!
Parabens pela analuse cara, sensacional.
como vc disse, todo mundo tem o direito de nao gostar de um filme ou de achar ele ruim, mas tem que achar ruim se ele for ruim como filme e nao pq o filme nao atendeu suas expectativas, seu hype… se vc queria outro Luke, isso eh problema SEU, o filme nao tem que atender vc…
30 anos esperando o Luke pra dar um pau no Kylo Renn e talvez terminando o filme matando o Snoke pra ver ele la se fazendo de coitadinho? Cresci vendo Star Wars ser jornada do heroi, e agora, o que temos? Nada.
Aí entra o que falamos a respeito do filme, Ricardo. Não é porque não atendeu uma expectativa pessoal sua – e nem tinha obrigação de fazê-lo – que o filme seja ruim. Até porque algo puramente pessoal, sem embasamento técnico, é subjetivo: eu, por exemplo, achei maravilhoso o destino do Luke no Ep. VIII. Quanto a questão da Jornada, veja bem, George Lucas escolheu esse tipo de enredo para sua trilogia clássica, mas “A Jornada” não é o único tipo de enredo de filme que existe, na verdade, é um dentre diversos que podem ser usados por um roteirista para contar uma história.
Sensacional!!! Perfeita! Pro inferno os chorões que ficam de mimimi “ain mas o Luke tinha que ter sido assim asssim assado”, “ain mas o Snoke ja morreu e eu nem sei quem ele é e como influenciou o Kylo”… ah pra PQP vcs viu que coisa… que tempos esses atuais! Que a Força esteja conosco pra aguentar essa geração de m.e.r.d.a. que so reclama, ve problema em tudo e nao consegue aguentar que um personagem NAO tenha o fim que ele queria… onde foi que a humanidade se perdeu??? “Eu queria o Luke fazendo isso e isso mas o filme nao mostrou” ah meu filho, CRESÇA e seja HOMEM e aceite que nao é pq vc quer algo que o filme vai mostrar.
geraçãozinha lixo mesmo… um o t a r i o fez uma petição pra desonsiderarem o filme… pqp..
Pessoal,
Será que só eu não percebi durante a sessão, ou realmente a 3a lição de Luke pra Rey ficou faltando?
Parabéns pela análise< Maxiverso…. a melhor que já li! "Que a Força esteja com vcs!" abcs
Oi Marcos, obrigado! A terceira lição ficou faltando. Como na vida real, as vezes não conseguimos cumprir tudo que foi planejado, e o Luke não esperava a partida abrupta a Rey. O filme tem outro momento parecido com esse, quanto a sidequest do Finn e da Rose não dá em nada.
Imagino como vc ficou com a morte do Han Solo no Ep 7!!! Ou nao? rs
Cabelo, te confesso que nunca liguei muito pro Solo rsrs… meu “herói” sempre foi o Luke. Ao contrário da maioria, o jeitão malandro do Solo nunca me ganhou. Mesmo assim foi impactante a morte dele – ainda mais do jeito que ocorreu – e fiquei muito triste. A morte do Luke foi diferente, foi épica e heróica, e não tão dramática. E por eu gostar mais do personagem, me tocou mais.
Nao aprovou meu comentario pq nao gostei do filme e falei q o Han Solo era melhor personagem q o Luke? Lamentavel.
Linguicinha, seu comentário anterior não foi aprovado por conter ofensas gratuitas. Você pode dizer que não gostou do filme e que não gosta do Luke sem xingar o autor do post. É permitido.
Uma crítica perfeita!!! Meu parabéns.👏👏👏
Muito boa análise. Li a crítica tb, excelente tb! Esse site ta de parabens!
Belo texto. Muita coisa que notei também como certas conclusões. Curti!
Cara, muito boa sua análise. Li o texto sobre Star Wars ser ficção científica tb. Muito bom, parabéns! Olhar clínico, muito conhecimento teórico de cinema, de ficção, e da mitologia de Star Wars. Dá gosto ler!
Obrigado, Thiago! Volte sempre!
Onde vcs andavam, Maxiverso, que eu nunca tinha ouvido falar? kkk agora estarei SEMPRE aqui! Bjs!
hahaha seja bem-vinda Lidia!
Boa análise. Ansioso pela crítica do Rodrigo. Sempre leio as críticas e análises de vocês!
Amanhã sai a crítica, Anglo!
Parabéns pela análise, a melhor que li.
Queria saber onde encontro sua análise do filme 7? Obrigada
oi Key, infelizmente não analisei o Episódio 7… mas tem outras análises legais nessa linha, se vc quiser ler 🙂
Obrigado, Key!
Se vc n]ao comenta o lance do Luke eu nunca ia me tocar dakelas metáforas messianicas todas… demais!!!
🙂
Queria entender como vcs conseguem assistir um filme e notar todos esses detalhes, sinceramente… eu mal notei que o Luke tava com a b**** escura qd apareceu na base rebelde kkk
kkkkkkkkkkkkkkkkkk eu queria entender tb
Queria saber onde encontro sua análise do filme 7? Obrigada
hahaha, prática e estudo!
Sensacional, como todas suas análises!!! Parabéns!!!
Vlw, Rodrigo!
caraca mano ja tava babando pra ler, to na fila do cinema, ainda bem que vc avisou que tem spoiler, parei na hora kkk celoko, volto depois da meia noita kkk vlw flw
“Mais tarde, Luke se revela um messias de um novo conceito Jedi, com direito a último ritual de passagem, guiado pelo espírito de seu mestre, presenciando a sarça ardente no Monte Sinai para se iluminar definitivamente. Posteriormente, faz uma aparição rediviva temporária para seus seguidores em forma incorpórea (cujos feitos serão perpetuados por meio de lendas e mitologias a seu respeito), e, claro, faz seu sacrifício em benefício dos justos, tendo sua morte por arrebatamento e ganhando assim o direito a se juntar à força criadora de tudo, que rege todas as coisas.” – FANTÁSTICO!! Parabens pela analise!!!
até arrepiou aqui hehehe
Obrigado, Caçador!