Leopoldo vai ao “New Maracanan”
Leopoldo tomou a decisão: iria ver um jogo de futebol no estádio, pela primeira vez em mais de três décadas, para levar seu filho Júnior, tal qual seu pai havia feito quando “Léo” ainda era um menino de 8 anos, e cujas lembranças são as melhores que tem daquela idade.
Imediatamente após tomar a decisão, Leopoldo postou no Facebook que iria conhecer o mítico Maracanã para ver seu amado time do coração jogar, e que iria levar Júnior junto. Em menos de meia hora, apagou a postagem, tamanha a quantidade de ofensas (algumas justificariam um Boletim de Ocorrência) dos “amigos” torcedores de outros times, fora o bullying sobre o financiamento público do estádio, a ausência de patrocínio master na camisa e até sobre as comparações entre os presidentes dos clubes.
“Antes eram só piadinhas divertidas, não me lembro de ver meu pai ofendido desse jeito naquela época”, pensou Leopoldo. Mas logo preferiu se concentrar em comprar as entradas pela Internet e garantir seu lugar na van que iria de São Paulo para o Rio para levar um grupo de torcedores ao jogo. Seria um Domingo sensacional, previu ele.
No esperado dia, o primeiro problema se deu ao chegar ao Estado do Rio, já que a Polícia, aparentemente, precisava revistar cuidadosamente todos os carros com torcedores paulistas, ou algo assim, de modo que um enorme congestionamento se formou. Resultado: chegaram na terra do Pão-de-Açúcar já com quase metade do primeiro tempo transcorrido.
Mas o pior ainda estava por vir. Uma emboscada da torcida rival nas cercanias do estádio causou tumulto, correria e até intervenção da polícia, com tiros de borracha e bombas de efeito moral. Por sorte foi só um susto, pois nem Leopoldo nem Júnior se feriram, apesar do menino ter chorado demais. Na entrada do Maraca, não deixaram pai e filho entrarem com pilhas na câmera fotográfica, e nem com as bandeiras que empunhavam, o que foi outra frustração. Mas tudo bem, pensou Léo, “Júnior vai esquecer isso e só vai se lembrar do jogo”.
Dentro do Maracanã – que não se parecia em nada com o estádio que havia visto em sua infância – apenas Júnior comeu um lanche e tomou um refrigerante, já que o dinheiro levado por Leopoldo para isso não foi calculado para o preço “de primeiro mundo” da arena. Souvenires? Também a preços proibitivos. Mas o maior problema foi ter ficado ao lado de um setor de torcedores organizados (do mesmo time deles) que ficaram xingando, ofendendo e ameaçando os torcedores cariocas que se encontravam nos assentos ao lado de Léo e seu filho. Infelizmente, um saquinho de urina, dirigido aos cariocas, acertou Júnior…
Enquanto limpava o filho no imundo banheiro da arena da final da Copa do Mundo, após 25 minutos de espera na fila, e perdendo o que restava do jogo, Leopoldo tomou uma decisão, que foi sendo fortalecida a cada hora que passou depois, na espera pra sair do estádio (enquanto os torcedores cariocas iam embora) e no congestionamento pra voltar pra casa, onde só chegou de madrugada: nunca mais levaria o filho a um jogo de futebol. Mal sabia Léo que ele não precisava ter tomado essa decisão, já que Júnior, secretamente, já havia decidido que não gostava de futebol e pronto.
O jogo? Nenhum dos dois se lembra do placar.
Publicado originalmente na edição 1983 de 07/08 de março de 2015 do Jornal A Cidade
Ralph Luiz Solera
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