Crítica: Conspiração e Poder (Truth)
Conspiração e Poder (Truth)
Direção: James Vanderbilt
Elenco: Cate Blanchett, Robert Redford, Denis Quaid, Topher Grace, Elisabeth Moss, Bruce Greenwood, Stacy Keach e David Lyons.
Um dos grandes méritos deste Conspiração e Poder (Truth, no original) é poder servir de maneira contundente a questão jornalística/política, como os melhores filmes do gênero, filho do clássico Todos os Homens do Presidente, de Alan. J.Pakula. Num ano em que Spotlight foi o grande vencedor do Oscar de melhor filme, chega a causar certo desapontamento, tristeza – e consequentemente preocupação – ao concluirmos o contraste do longa do diretor James Vanderbilt com o jornalismo praticado precisamente na imprensa brasileira.
Jornalismo que a muito deixou de seguir os princípios básicos da função: busca pelo fatos, curiosidade e capacidade de fazer as perguntas corretas. Todavia, o que temos hoje é a falta de capacidade pura, tanto da mídia, quanto de parte do público de dialogar, sem agredir seu interlocutor por preferências (políticas ou não) diferente das suas. Jornalismo este, além de estar concentrado nas mãos de poucos grupos, descontextualiza as informações para benefício próprio, raramente se desculpando pelos seus erros. Caso o façam, jamais na mesma proporção, onde a intenção principal sempre será condenar inconscientemente tal pessoa ou seguimento na cabeça do grande público.
Mary Mapes (Blanchett) faz parte da equipe do renomado 60 Minutes da rede CBS. Após obter informações sobre a vida militar do então presidente George W. Bush, em plena campanha para a reeleição, ela começa a investigar o passado do mandatário que teria obtido privilégios para não combater na Guerra do Vietnã. A equipe é composta também pelo jovem repórter Mike Smith (Grace), a jornalista Lucy (Moss), o ex-militar Charles (Quaid) que contam com a ajuda da lenda Dan Rather (Redford), que além de servir com âncora moral, ter o respeito de toda a classe, é um exemplo de profissionalismo. Entretanto, a investigação traz riscos incalculáveis para todos, por envolver as eleições presidenciais e o futuro da nação. Mesmo que inicialmente, por expor de maneira abrupta demais a informação, e num flashback desnecessário, em pouco tempo o roteiro começa a deixar claro sua intenção: servir de lição para todos os envolvidos nas apurações das notícias que, apesar da confiança nas informações levantadas, sempre terão seus trabalhos questionados.
O bom roteiro do próprio diretor baseado no livro de Mary Mapes é inteligente ao abranger não somente a questão política, mas o papel da imprensa em tempos de pouca credibilidade, cujos recursos provém de anunciantes ( “noticiários não pagam contas” e “ninguém lê mais jornais, como ratificou um determinado personagem). Resultando , em muitos casos, que as informações sejam editadas para melhor entendimento do público, criando uma linha tênue entre a audiência e necessidade de realmente informar o público corretamente. Assim, nada mais gratificante vermos que, ao ter suas provas contestadas, numa virada bem feita pelo roteiro, a equipe de Mapes vai a fundo para confrontar as acusações quanto à integridade dos documentos levantados (Infelizmente algo raro numa época que as notícias são compartilhadas nas redes sociais sem qualquer preocupação, apenas para alimentar o fascismo e ignorância da população, já tomada pelo ódio).
Tal argumento é válido como visto na cena em que Mapes é agredida na Internet por adjetivos que estão muito em voga na boca nas redes sociais de hoje (‘feminazi’, comunista e esquerdista) que servem apenas para ratificar o fascismo e a ignorância de pessoas que não respeitam nada que não seja seu próprio preconceito. Válido também pela direção por abordar a questão do argumentum ad hominem, misturada com misoginia, quando, durante a audiência (dominada por homens), Mapes é questionada – com uma resposta a altura – se desejava ir ao banheiro antes de iniciar a sessão. A pequena pergunta em si, possui um grande contexto sexista por acharem que uma mulher não possui vontade própria de decidir sobre suas vontades.
A montagem eficiente comprovada pelos cortes elegantes e fluídos, acompanhados na maioria das vezes com aproximação discreta da câmera, complementa a narrativa e o relacionamento entre a equipe, sem jamais perder o ritmo ágil do filme, como visto logo no início do filme quando a equipe está sendo montada. A fotografia, a cargo de Mandy Walker, faz um trabalho correto ao conseguir personificar de maneiras distintas os ambientes e personas, como visto nas cenas ocorridas no escritório de Dan Rather , onde as luzes baixas e aconchegantes refletem o clima de tranquilidade na personalidade do próprio Dan. Em contrapartida, em ambiente jornalístico, a direção assume a palheta azulada para exemplificar aquele local onde somente a frieza do fato deve prevalecer.
Cate Blanchett novamente apresenta uma bela atuação, com seus gestuais que são hipnoticamente elegantes e Robert Redford engrandece cada segundo em cena com sua militância de um ator incansável, no alto de seus quase 80 anos. Mesmo que, por breves momentos, principalmente em seu final, a direção tente dramatizar por demais abusando um pouco do sentimentalismo – mas nada que tire o brilho das interpretações. Assim , soa interessante que o relacionamento entre Mapes e Dan seja construído metaforicamente pela ausência do pai biológico dela que se mostra uma pessoa odiosa (ainda que jamais o vemos em cena), onde Dan é visto como espécie de mentor pessoal e profissional sendo constantemente chamado por Mapes de “pai”.
Ciente de que o longa trata de um assunto que põe em jogo a credibilidade de todos , a direção é corajosa a assumir esse ponto de vista sem jamais deixar que ninguém se assuma como herói. Entretanto, sem parcialidade, a direção incentiva o próprio público a se por no lugar da protagonista e fazer a pergunta básica que poucos querem fazer: “Por quê?”. Como o jornalismo no Brasil chegou ao fundo do poço publicando falsas denúncias, planos e notícias nunca comprovadas, apenas para satisfazer financeiramente um grupo e inflamar a opinião pública, nada mais útil que possamos sempre, por momentos que sejam , refletir os bastidores das notícias.
Precisamos, mais do que nunca, de discernimento, empatia e análise crítica, para não cairmos na vale da ignorância que, no final, pode arrastar a todos (excluindo claro, aqueles que demandam do poder).
Coragem amigos, coragem.
Cotação 4/5
Rodrigo Rodrigues
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Ola Rodrigo. Bela critica. Quanto ao jornalismo em si, discordo quando vc diz que ele nao deveria publicar as coisas sem provas… isso pq a funcao de noticiar eh noticiar de forma tempestiva. Ou seja, deve se dar a noticia, mesmo que ainda seja uma suspeita. Se mais tarde a suspeita for infundada, ai sim deve se noticiar isso tb. Mas nao da pra noticiar apenas qd se chega as provas e tudo foi esclarecido… isso seria um mero press release. O erro, a meu ver, da nossa imprensa, nao e noticiar sem provas, mas sim fazer isso seletivamente, so contra um dos lados, dando mais enfase a apenas um lado politico e nao o outro, por interesse. Pose-se noticiar as suspeitas, se elas existem, mas de forma igualitaria, sem manipulacao. Abraco.
Caro Sacomani
Obrigado pelo elogio e comentário.
A meu ver entendo que estamos falando com o mesmo objetivo e entendo o ponto de vista.
Entretanto acho que mesmo não seletivamente um mínimo de base para expor uma noticia deve ser buscado – talvez eu não tenha sido tão claro
Senão ficamos a mercê de palavras ao vento e mesmo se desculpando, o estrago jamais será reparado caso não se confirme. Isso é ruim independente do partido ou grupo que a imprensa favorece.
Acho que tudo é questão de bom senso independente do lado. Não sei se chegou a ver o filme, mas ele trata exatamente do que falou.
Abraço e continue acompanhando o site e expondo suas opiniões.