Cinema x TV: Uma Disputa Audiovisual
O advento dos filmes on demand e a tentação cada vez mais renovada do público em trocar as salas de cinemas pelo sofá, faz com que a maneira de ver filmes mude constantemente, aumentando a velha “rixa” Cinema x TV. Existem filmes – principalmente os ditos “antigos” – que, por vários motivos, parte de uma geração deixou de ver nos cinemas (com exceção de alguns relançamentos em amostras e festivais). Assim nada mais justo e correto que aproveitemos as opções disponíveis, principalmente agora com o lançamento do Oldflix (espécie de “Netflix” exclusivo para filmes antigos) para que possamos ver aquele clássico de anos atrás.
Quando foi criada a TV, o cinema imediatamente se viu ameaçado. Como convencer as pessoas a trocarem o conforto das suas casas pela sala de cinema? Assim, os estúdios começaram a investir em grandes produções e em formatos das telas cada vez maiores como o CinemaScope (telas gigantescas que praticamente circundavam os espectadores num ângulo de 180°). Assim, a disputa permanece até hoje, passando pela época do VHS, DVD/Blu-ray e agora via Netflix. Em contrapartida os estúdios investem cada vez mais em filmes com grande apelo comercial e em 3D, por exemplo (mesmo que tal tecnologia não seja recente e ainda tenha uma serie de problemas como a questão do óculos e o próprio fato da linguagem cinematográfica não ser bem usada pelos diretores quando usam tal tecnologia).
Entretanto, a questão que desejo comentar é a experiência entre ver um filme na TV e um filme no cinema, suas diferenças e os impactos na mente do espectador. Com tal argumento devemos ser categóricos: jamais a experiência de ver um filme na tela grande será superada, por mais acostumados que estejamos em vermos filmes em casa ou por mais moderna que seja sua TV. Jamais! Um longa metragem é idealizado, visualizado e realizado para uma tela grande, onde a total escuridão da sala é um aliado para total imersão naquele espaço ‘inóspito e desconhecido’, assim o público é inserido de maneira que a TV jamais conseguirá. Ratificando: você pode ter a última TV lançada no mercado, com full HD e 4k, mas ainda sim você será refém de uma tela diminuta e de todas as distrações que sua casa oferece (como telefone, ida ao banheiro, cozinha, campainha e os comerciais que quebram o fluxo do filme penado para ser exibido sem interrupções). Até mesmo a decoração da sua residência, que a todo o momento “grita” que você não esta inserido naquele mundo que passa na tela, é um ingrediente que influencia nossa percepção/inserção.
Como diria o roteirista Jean-Claude Carrière, em seu livro “A linguagem Secreta do Cinema”:
“E dentro deste tempo congelado há outra forma de seleção, criada pelo silêncio. Por duas horas, não falaremos, exceto os murmúrios, e, como nós, os vizinhos da plateia respeitarão esse voto de silêncios temporário. Apenas os fótons irradiados acima de nossas cabeças poderão se expressar. Só eles existirão”.
Se mesmo na tela grande, muitas pessoas prestam pouca atenção de maneira consciente em detalhes do filme como, por exemplo, a fotografia, montagem, figurino, imagine na TV! Pense no que é você deixar de apreciar uma fotografia digna de um Oscar, com o premiado Emmanuel Lubezki (O Regresso, Birdman e Gravidade) que não seja dentro de uma sala escura e tela grande. É um crime cinematográfico!
Podemos lembrar que até mesmo os créditos finais de um filme (algo que na TV é completamente ignorado por causa próxima atração) têm uma função: após o filme, somos imediatamente jogados para a realidade. Todavia, os créditos finais e a iluminação, que gradativamente vai sobrepondo a escuridão, são fatores importantes para uma “transição” menos abrupta daquele universo que você acabou de participar. Pegando novamente uma passagem do livro de Carrière, podemos usar um conceito dito por Fellini sobre a TV que exemplifica bem a percepção do público com a TV diferida do Cinema:
“A capacidade de mudar de canal a qualquer hora, aniquila a narrativa, de prosseguir à procura de uma coisa a mais […] originou espetáculos de fogos de artifício que jorram das pontas de nossos dedos. O próprio espectador é destruído por esse papel febril. A sequência de imagens não pode resistir a ele. Despedaça-se em suas mãos. E ele afunda junto”. Ou como diria Hitchcock : “A televisão é como as torradeiras: carrega-se no botão e sempre sai a mesma coisa.”
Outro interessante exemplo: por muitos momentos temos a impressão de que um filme que não gostamos de ter visto no cinema, ao revê-lo na TV, não achamos tão ruim assim. Neste caso esta sensação se deve por você não dispensar a mesma atenção que teve ao vê-lo nos cinemas. Ou seja, normalmente o filme continua ruim mesmo. Um detalhe importante que pode passar despercebido, mas se nos atentarmos por um momento vamos perceber um questão psicológica de extrema importância: ao assistir um filme na TV você jamais é subjugado pelo filme, devido ao fato do ‘poder’ que você exerce sobre a TV. Você comprou aquela TV (ou pertence a alguém) e a imagem é projetada em sua direção vinda de uma tela pequena. Entretanto, no cinema, você é dominado pela tela grande, pelo escuro e sem distrações (claro, tirando aquela pessoa sem educação e suas barulhentas guloseimas). Neste caso a imagem é projetada por trás do espectador e conta com o fato de que, normalmente, você não saber o que virá, aumentando a sensação de fragilidade diante da tela.
Podemos usar como exemplo a franquia Atividade Paranormal. Admito não ser um dos grandes exemplos cinematográficos, mas tem uma característica particular: os filmes, que são feitos ao estilo falso documentário, foram bem sucedidos, não pelo roteiro (óbvio), mas pelo fato de conseguirem causar um desconforto e apreensão no espectador. Todavia, para isso, era fundamental que o público estivesse vulnerável à tela grande e à escuridão total que se encontra para que a tensão planejada pelo diretor tivesse efeito.
Assim, sempre que possível vá ao cinema. Seu poder de apreciação e capacidade analítica de um filme somente será aperfeiçoado dentro de uma sala de cinema.
Acredite, a experiência é única e inigualável!
Rodrigo Rodrigues
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eu gosto de ver filme em casa justamente pra poder parar e ir no banheiro
Grande texto… muito pertinente. Mas tem gente q prefere ver em casa mesmo, deitado no sofa, podendo parar qd quiser pra ir no banheiro… nao é?
Aragão , obrigado pelo comentário e elogio.
Ver um filme em casa é um hábito normal e todos fazemos. Sem problema
O problema quando isso se tornar um padrão e abandonamos o cinema.Este sim é o maior problema junto com todos os aspectos psicológicos e artísticos que perdermos ao ver um filme em casa…
Agradeço sua visita e convido a continuar conosco acessando nosso conteúdo.
Abraço.
caro Rodrigo
esse é um texto que se pudesse eu aplaudiria!
fenomenal!
estou compartilhando com meus amigos cinéfilos…
Bárbara
Muito obrigado
Já me sinto agraciado pelos seus elogios rs
Tentei apenas compartilhar o pouco que sinto e sei.
É importante que saibamos que existem muitos aspectos inseridos ao ver um filme.
Obrigado
Abraço
Rodrigo, parabens pela reflexão. Eu sempre falo isso pros meus amigos, que um filme (pelo menos os que valem a pena) não são entretenimento descartável – a esses eu dedico a TV. Um bom filme é uma obra de arte e deve ser apreciada da forma correta, no formato para o qual foi idealizada. Fico feliz em ver mais gente propagando esse conceito. Ansiosa para ver mais textos nessa linha! Abraço!
Gláucia
Muito obrigado pelo comentário e elogio.
Aprendemos a ver um filme realmente dentro do cinema. Somente dentro de uma sala totalmente escura que temos condições de ver mais que somente um historia , mas toda outros aspectos cruciais de um obra de arte (independente boa ou não rs) . Neste caso até mesmo os filmes ruins ensinam algo rs
Eu que agradeço e fico feliz por saber que cooperei de alguma maneira e que tenha gostado.
Continue acompanhando o site Maxiverso e convido para também ler as criticas do site.
Abraços
Legal esse lance da psicologia… é um conceito ja aceito pela comunidade cientifica, esse negocio de vc se sentir dominado pela tela grande? Queria saber sobre isso.
Liliam
Obrigado pelo comentário.
O fato de ser dominado pela tela grande é mais que comprovado. Até porque fisicamente é inegável. Não tem como você dominar psicologicamente uma tela grande ao contrário da TV e todos os elementos que te distraem (decoração, telefone, a casa em si etc)
O grandes estudiosos do cinema sempre afirmaram vários destes aspectos (no texto mencionei Jean-Claude Carrière e Fellini).
Você pode se ater mais pesquisando em obras sobre cinema como a própria ‘A linguagem Secreta do Cinema’ (recomendo muito) ou que falem sobre as teorias cinematográficas …
Agradeço e continue acompanhando nosso site
Abraço
Ótimo artigo o seu mas acho que tem outros fatores que acabam forçando as pessoas a assistirem os filmes em casa, como o preço absurdo que muitos cinemas cobram
Lido.
Entendo e concordo.
Claro que o preço do ingresso influencia.
Mas é muita questão de hábito. Sempre existem alternativas e muitas opções para ver filme no cinema sem que pese tanto no bolso, como meia entradas, sessões mais cedo etc..
Agradeço o comentário e continue nos acompanhando.
Abraço
Excelente texto! Muita gente, mesmo podendo, deixa de ir ao cinema pra ver em casa… eles não sabem o quanto estão perdendo com isso…
Luíza Parente
Obrigado pelo comentário e elogios
Realmente a perda cinematográfica é enorme ao ver pela TV. Deixamos de interagir com um mundo novo sempre que deixamos de ver no Cinema.
Espero que continue sempre que possível indo ao cinema.
Abraço e continue acompanhando o site