Hacktivismo na cultura pop recente: entre Watch_Dogs e Mr. Robot

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A presença de hackers na cultura pop não é de hoje, nos acompanhando de forma massiva desde os anos 80, com o boom das narrativas distópicas na ficção científica, dos sonhos tecnológicos e com a popularização da internet. Mesmo com essa presença recorrente em diversas obras do cinema, literatura, games e quadrinhos, ideias hacktivistas são bem representadas? 

Obras como a recente, e aclamada, série Mr. Robot e o retorno da franquia Watch_Dogs colocam o assunto novamente em pauta, visto que muitas vezes os hackers da ficção são explorados sob uma visão distorcida. Basta fazermos uma rápida busca por definições do termo que logo notamos certa distorção de valores.

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1441922605699573 Hacktivismo na cultura pop recente: entre Watch_Dogs e Mr. Robot
Hackers, o filme de 1995

Para início de conversa, a palavra não tem relação direta com invasões, quebras de segurança e, muito menos, interceptação de dados. Aparentemente, o termo “hack” surge na década de 50 em um clube de ferromodelismo americano, o Tech Model Railroad Club, quando o Sr. Eccles deixou um alerta sobre  manutenção e gambiarras nos sistemas elétricos:

Mr. Eccles requests that anyone working or hacking on the electrical system turn the power off to avoid fuse blowing ” (em uma tradução beeeeeem livre: O Sr. Euclides solicitou que qualquer um que esteja trabalhando ou fazendo gambiarras no sistema elétrico desligue a força para não explodir o fusível).

Ou seja, o hack tem uma relação direta com a ideia de “contornar o sistema”, um improviso fora da abordagem padrão, e isso requer muito conhecimento. Basicamente, vemos no hacker uma pessoa que se dedica a fundo no estudo de um determinado tema e, como consequência, consegue decifrá-lo em nível muito superior aos meros mortais. A expressão ganhou força com a popularização das redes de computadores, chegando até a versão popularmente consagrada pela cultura pop, havendo nomes específicos para o tipo de uso que um hacker dá para o seu trabalho. Virou quadrinhos, séries, games e filmes para a tela grande, de Matrix ao, já clássico, Hackers de 1995.

O hacktivismo surge justamente no ímpeto de transformar essa perícia com computadores em instrumento de ativismo, como o próprio nome já entrega. São iniciativas que envolvem a transparência de dados, defesa da liberdade, luta por direitos humanos, denúncia ou perpetuação de um ideal político. Mas como isso é culturalmente retratado?

Recentemente foi divulgado o trailer de Watch_Dogs 2 e nota-se uma clara mudança no tom dado. Se ainda não viu, tente notar a diferença.

Esta geração já se acostumou com a ideia de hackers como protagonistas. Personagens a margem da sociedade, discretos e diferentes dos padrões heróicos das narrativas homéricas (e os brucutus dos filmes de ação), deixando a força bruta de lado e usando do conhecimento para alcançar seus objetivos e obter informações. O universo cyberpunk fez desse protagonismo a sua marca, com personagens passíveis existirem em nossa realidade, com talentos e defeitos bem evidentes em meio a uma sociedade corrompida, dominada por corporações e sem perspectiva de futuro. Fiéis aos seus ideais ou completamente desprovidos de um interesse inicial, acabam se tornando um pingo de esperança e justiça em um universo distópico, carregando consigo a possibilidade de mudanças, estejam sozinhos ou em grupo. Anti-heróis, Robin Hoods de seu tempo, distantes dos ideias de perfeição e correspondendo ao “punk” dentro do cyber.

Logo, são personagens que fogem dos padrões do heroísmo clássico, adotando um tom errático, independente e distante do mainstream, utilizando justamente dessa sua posição no underground, longe dos holofotes, como uma vantagem contra o sistema (o grande e real inimigo). Acontece que nos games, especialmente, ainda existe certa resistência de fugir dos padrões de heróis de sempre.

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Screenshot de divulgação de Watch_Dogs 2

Analisemos brevemente o personagem principal do primeiro jogo da franquia Watch_Dogs: Aiden Pearce. Um homem branco, atlético/treinado, armado (bem armado por sinal, como é destacado logo na capa), capaz de acessar facilmente informações de qualquer cidadão, interferir no trânsito e transferir quantias para a sua conta bancária a qualquer momento. Não que tais características sejam proibidas, não é a questão agora, mas fica claro por N motivos que ele não se diferencia dos personagens de ação de sempre. Detém o poder, é o poder, o típico valentão agindo em mérito próprio e sem um ideal bem definido (ou em primeiro plano).

Pouco condiz com o anti-herói a margem da sociedade consagrado na literatura cyberpunk ou dos grupos hacktivistas existentes na ficção e na realidade. Na primeira oportunidade, saca sua arma, faz uma enorme bagunça no meio da cidade e sai correndo no centro dos holofotes. E não adianta culpar o jogador por esse perfil de jogabilidade, você é induzido a jogar assim, seguindo os moldes de GTA e outros sandboxes. No artigo de 2014 da Paste Magazine¹ sobre o tema, também é destacado Adam Jensen de Deus Ex: Human Revolution, um jogo que vendia a possibilidade do jogador escolher sua estratégia entre hacking, stealth, social ou combate, mas que no fim acaba tendo que ser resolvido tudo na porrada mesmo (vide alguns chefões durante a trama).

É justamente aí que notamos a diferença proposta por Watch_Dogs 2, quando logo no seu primeiro trailer conhecemos um protagonista que vai em oposição aos padrões heróicos das narrativas tradicionais, inclusive do primeiro jogo. Não age sozinho, trabalha em prol de ideais comuns (como membro da DedSec, uma clara alusão aos grupos Anonymous e LulzSec da realidade), suas ações preocupam a hegemonia daqueles que detém o poder e por isso é perseguido. Ou seja, Marcus Holloway é uma ameaça ao poder e não o poder personificado. A arma? Um notebook. Os próprios produtores parecem assumir essa mudança, aparentemente desencorajamento o combate corpo-a-corpo e as armas de fogo, já que Marcus deve usar um taser para sua defesa, além de produzir suas próprias armas com impressoras 3D.  O Do It Yourself da exposição de governos e corporações corruptas.

Uma aparente aproximação dos personagens hackers da cultura pop com o hacktivismo também pode ser conferido na série Mr. Robot, na qual Elliot se diferencia dos padrões clássicos de protagonista. A própria diversidade é, de certa forma, também bem explorada, onde personagens com perfis e origens diversas tem forte importância para a trama. A aproximação com a atividade de grupos ciberativistas da nossa realidade, que ganharam destaque na grande mídia nos últimos anos com os casos Snowden, Wikileaks e as ações do Anonymous, é evidente. E mais uma vez, voltamos a nos aproximar do perfil consagrado no universo cyberpunk: aqui o poder não está na força, mas sim na informação…. capaz de levar o sistema e suas injustiças ao colapso.

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Elliot da série Mr. Robot

Quando falamos de valorização da diversidade e da fuga dos padrões na cultura pop, ainda estamos muito longe do ideal, especialmente quando trata-se de protagonistas. Mesmo assim, o surgimento de séries como Mr. Robot e mudanças em franquias como Watch_Dogs demonstram certa preocupação das produtoras em corresponder a expectativa de uma relevante fatia do público que anseia por mudanças. Não a toa, perfis alternativos tem sido alavancados lentamente aos papéis de protagonistas, possibilitando o surgimento de heróis mais próximos da nossa diversa realidade: homens e mulheres com as características que os fazem únicos e reais; não homens fisiculturistas padronizados voando com lençóis amarrados no pescoço.

Em uma realidade que a cada dia mais se parece com as visões distópicas do cyberpunk, nada mais justo que mudar nossos valores e, com isso, a nossa concepção de heroísmo. Há alternativas para a força. Informação é poder (e nada está mais apto para mudar o mundo de hoje do que isso)!

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Leitura relacionada:

¹Why Modern Games Can’t Hack It: https://www.pastemagazine.com/articles/2014/06/why-modern-games-cant-hack-it.html

O Cyberpunk e o Estado Contemporâneo: https://medium.com/@gaelmota/o-cyberpunk-e-o-estado-contempor%C3%A2neo-5c4fcc4faab2

A Short History of “Hack”(http://www.newyorker.com/tech/elements/a-short-history-of-hack)

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Gael Mota

Vivendo entre o utópico e o distópico, o real e o imaginário, sempre encontra paralelos entre o sci-fi e o cotidiano. Cientista, redator e artista por acidente, acredita que o cyberpunk já chegou.

6 thoughts on “Hacktivismo na cultura pop recente: entre Watch_Dogs e Mr. Robot

  1. Cara acho valido qd uma produtora quer fazer um produto pra um publico especifico, como Mr Robot… problema eh qd faz isso mal feito, sem um consultor executivo bom e “do meio” pra impedir que façam bobagem…

    1. Parece sempre haver uma boa resistência dos produtores com questões técnicas, seja na ciência ou qualquer outra área. De certa forma eles ainda acham que isso não é rentável, mas se enganam que muita coisa mudou e o público já anda cansado de ator batendo a mão no teclado de qualquer jeito e se dizer hacker ou filme espacial com furos de física básica.

  2. cara o que vc acha daquele filme “Hackers, Piratas de Computador” com o Robin O’Donnel rs… vc só citou ele… eu acho uma bela bomba hahahahaha

    1. É, Terrarock, esse filme é uma bomba mesmo ahahahaha! Mas bem que na época sonhava em ser como eles!! Acho que é um maravilhoso registro histórico dos anos 90, com seus exageros, sua visão de futuro e a explosão de uma tecnologia revolucionária (hoje já datada). Pra todos aqueles que passaram por essa fase de ICQs da vida e conexão discada, certamente é um filme nostálgico. Mais adiante vou fazer um artigo sobre hackers no cinema pra falar mais especificamente dessas histórias….

    2. Até tinha umas coisas legais no filme, mas achei a visão mostrada dos hackers algo tão caricato…

    3. Totalmente caricato!!! O 90s é uma época de exageros, imagino a galera tentando convencer os investidores do filme que ia fazer um filme descolado o suficiente pra época….. a parte técnica fica em segundo plano e os rollers vem para a primeira fila.

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