A relação entre leitores e autores nos quadrinhos do Homem-Aranha
Sua aparição despretensiosa na última edição da revista Amazing Fantasy, em agosto de 1962, marcou o mundo dos quadrinhos e definiu o estilo e característica da Marvel Comics que vivia seu ápice criativo no início da década de 1960. Desde o lançamento do Quarteto Fantástico, em 1961, a empresa apresentou diversos títulos novos em pouco tempo, como O Incrível Hulk (1962), o Thor, que fez sua primeira aparição em Journey into Mystery #83 (1962) e o Homem-Formiga, que surgiu na revista Tales of Astonish #27.
Em meio a tantos sucessos, Stan Lee, lendário editor-chefe e co-criador do universo ficcional da Marvel, em parceria com o artista Steve Ditko, que trouxe à vida no papel o nosso “amigo da vizinhança”, decidiram apostar em um herói adolescente, o primeiro jovem que não era parceiro de um personagem adulto, repleto de problemas pessoais e dilemas existenciais comuns a alguém de sua idade, e com os famosos “grandes poderes” que os trouxeram “grandes responsabilidades” e lançaram a primeira história do Homem-Aranha na Amazing Fantasy #15.
Em poucas edições o “cabeça de teia” se tornou o “Super-Homem” da Marvel, em alusão ao carro-chefe da concorrente DC Comics. No livro Excelsior! The Amazing Life of Stan Lee (2002), o biografo George Mair e Stan Lee destacam que “(…) com o Homem-Aranha encabeçando a nova galeria de heróis da Marvel, as vendas dos títulos de histórias em quadrinhos da Marvel explodiram de 7 milhões de cópias em 1961 para 13 milhões de cópias em 1962”. Assim que o aracnídeo ganhou sua própria revista, Amazing Spider-man, na terceira edição, foi criado um espaço para as cartas dos leitores e resposta do editorial chamado Spider’s Web.
Sean Howe, autor do livro Marvel Comics: A História Secreta, relata que os editores e artistas da Marvel resolveram usar do espaço das cartas dos fãs para se aproximar dos leitores. Na décima edição do Quarteto Fantástico, Stan Lee e Jack Kirby deixaram um recado na fan page onde publicavam algumas cartas dos leitores, em que diziam para pararem de dedicarem as cartas aos “queridos editores”, eles, Stan e Jack, liam as cartas e respondiam, pois queriam sentir que conhecem seus leitores e que eles os conhecem.
Nas revistas do Homem-Aranha, essa proximidade com o leitor se deu desde o início da Spider’s Web. Cartas apontando defeitos no personagem, as histórias que mais gostaram, as identificações com os dramas vividos pelo herói, e até mesmo sugestões para os rumos das histórias do “escalador de paredes”. Na primeira edição da Spider’s Web, na Amazing Spider-man #3, um leitor, chamado Frank Glen, chega a direcionar sua carta ao herói, dizendo sentir muito ele não ter sido aceito pelo Quarteto Fantástico [se referindo à trama da Amazing Spider-man #1] e acrescenta que enviará uma carta ao grupo de super-heróis em seguida. Isso denota a rápida aceitação do personagem e a relação de intimidade que o leitor desenvolveu com o mesmo.
Outro leitor, chamado Fred Bronson, em sua carta expressava seu descontentamento por conta do Homem-Aranha estar sendo perseguido pela polícia, uma vez que o fictício editor-chefe do jornal O Clarim Diário moveu a opinião pública contra o herói, fazendo com que todos acreditassem que o herói mascarado fosse um bandido. Inconformado, porém otimista, o leitor, ao querer desejar melhores momentos ao herói, diz: “Se o Homem-Aranha for tratado corretamente e fizerem ele aparecer para o público como um super-herói normal, ele vai se tornar um dos melhores.” E então, espirituosamente os criadores do herói respondem agradecendo e perguntando provocativamente: “Mas diga pra gente: o que é um super-herói normal?”
As aventuras e tramas de Peter Parker como Homem-Aranha foram crescendo conforme a demanda de seus leitores e com o passar dos anos os artistas da “Casa das Ideias” tiveram que buscar cada vez mais novas maneiras de surpreender os fãs do quadrinho. Um dos episódios mais notáveis se passou em junho de 1973, na Amazing Spider-man #121,envolvendo tragicamente Gwen Stacy, a namorada de Peter. A morte de Gwen foi debatida na edição número 124 da Amazing Spider-man, onde o editorial iniciou com uma nota oficial dizendo ter recebido uma avalanche de cartas de leitores. Leitores chocados, em luto e revoltados, contrastaram com as cartas daqueles que reconheciam o realismo como ingrediente essencial nos quadrinhos da Marvel e os que ansiavam por reviravoltas nos quadrinhos do Aranha.
A controvérsia foi tamanha que na edição 125 da revista a discussão continuou fazendo com que o editorial elaborasse uma resposta oficial justificando o acontecimento. Em nota, os artistas responderam as acusações sobre a morte de Gwen ser infundada explicando detalhadamente as razões que levaram a personagem morrer e a impossibilidade de Peter salvá-la de seu destino.
Na edição de Marvels (1994), de Kurt Busiek e Alex Ross, publicado pela Panini na coleção de novelas gráficas da Marvel, da editora Salvat do Brasil, em 2013, John Romita, artista e diretor de arte da Marvel conhecido por sua grande contribuição nos quadrinhos do Homem-Aranha, rememora, em um texto, a ocasião em que se reuniu com Gerry Conway e Roy Thomas, para dar uma “chacoalhada” nos leitores do aracnídeo. “Recordo-me que a morte da Tia May era uma opção, mas sugeri a Gwen. (…) Até hoje, outras pessoas, como Stan, acham que foi um erro. Mas no final, obtivemos o efeito que queríamos.” Romita ainda acrescenta, “(…) não acho que a morte de qualquer outro personagem tenha afetado tanto os leitores desde então.”.
Depois de expandir suas teias até as telas da televisão através de séries de desenhos animados famosas como Spider-man and His Amazing Friends (1981), Spider-man The Animated Series (1994 – 1998), no final dos anos 90 os direitos do Homem-Aranha passaram a pertencer a Sony Entertainment, que adaptou as histórias do herói em grandes produções cinematográficas.
O sucesso inicial da franquia nos cinemas, interpretado por Tobey Maguire, foi seguido de uma derrocada que se iniciou após o desfecho frustrante da primeira trilogia, em 2007. O surgimento da Marvel Studios, estúdio responsável pelo Universo Cinematográfico da Marvel a partir do filme Homem-de-Ferro, de 2008, fez com que a Sony optasse por reiniciar a franquia do Aranha nos cinemas, dessa vez com Andrew Garfield, em uma versão mais “moderna” do personagem. Mesmo apostando em levar para as telas o fatídico destino de Gwen Stacy no segundo filme do reboot, O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro, em 2014, a Sony não conseguiu garantir a continuidade do personagem nessa nova versão.
As cansativas tentativas de adaptar o herói a altura da expectativa dos fãs geraram grande demanda em trazer o Homem-Aranha para os estúdios da Marvel, para que o jovem herói pudesse participar das interações com os outros personagens da Marvel. Após uma longa novela, o aracnídeo fez sua estreia esse ano, dessa vez na pele de Tom Holland, como “calouro” dos títulos de super-heróis produzidos pelos estúdios da Marvel, no filme Capitão América: Guerra Civil (2016). A participação é resultado de um acordo estabelecido entre a Sony e a Marvel que fará com que o Aranha retorne à “Casa das Ideias” no filme anunciado pelos dois estúdios para 7 de julho de 2017.
Entre muitos rumores acerca do filme, podemos contar com o retorno de Tom Holland no papel de Peter Parker/Homem-Aranha e Marisa Tomei como Tia May, além da presença de Robert Downey Jr., mais uma vez em sua carismática interpretação de Tony Stark/Homem-de-Ferro, a direção será de Jon Watts com roteiro de John Francis Daley e Jonathan M. Goldstein.
O título do filme, que ainda está em pré-produção, será Spider-man: Homecoming, mesmo título do quadrinho Amazing Spider-man #252, em 1984. Podemos destacar como principal característica da HQ o fato do cabeça de teia aparecer com uma nova roupa, a atualmente conhecida roupa preta, fruto do contato com o Simbionte, força alienígena que se uniu ao traje do aracnídeo aprimorando seus poderes. A alteração do traje rendeu muitas cartas para os editores, de acordo com eles, o volume de cartas foi seis vezes maior que o de costume. Entre fãs que gostaram da mudança e aqueles que preferiam a velha vermelha e azul, os editores apontaram 58% de aprovação, 38% de reprovação e 6% de indecisos dentre as cartas que foram recebidas no endereço da editora e publicadas parcialmente na edição número 259.
As histórias do Homem-Aranha dos anos 80, vieram de encontro com a crescente demanda dos leitores por personagens com perfil de “anti-herói”, como Wolverine e Justiceiro, gênero que influenciou o “amigo da vizinhança” tornando-o não mais tão amigável em suas novas aventuras com o traje preto.
Nós do Maxiverso também queremos saber o que vocês acharam da última adaptação do “atirador de teias” na telona e o que esperam do próximo filme! Qual sua versão favorita no cinema? E quais quadrinhos, desenhos ou jogos do personagem marcaram sua memória? Parafraseando o imortal Stan Lee, irreverente porta-voz da Marvel Comics, “nuff said, True Believers” (o bastante foi dito, verdadeiros fãs).
Raul Cassoni
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saudade dos formatinhos Abril hehehehehe
Raul estamos fazendo uma matéria sobre o Homem Aranha pelos rumores do novo filme e vou citar coisas desse seu artigo, linkando sua matéria, ok? Vc autoriza? – Silvana
tem gente que le tudo e no final pergunta algo que o texto ja falou… Brasil, um país de tolos… rsrsrs
falow ae mister brain
o cara ta certo, Caio… e nem por isso ele é fodao… mas que ele ta certo, ta
Como é bom entar em um site em que os autores ENTENDEM daquilo que escrevem!!!
Parabéns!
A maioria dos sites de nomes mais famosos, tirando os portais claro, estão entulhados de caras metidos a entendidos, que sabem pouco ou quase nada dos temas abordados (e o pouco que sabem pesquisaram em uma Wikipedia da vida).
Aqui não!
Parabéns!
No aguardo do texto sobre a história da Capitã Marvel!!!
Obrigado, meu caro. Fico feliz que tenha gostado do texto e de nosso conteúdo. Pode deixar que em breve vai sair o da Ms Marvel.. falarei sobre a Capitã, mas o foco será a Ms Marvel.. para entender melhor é só aguardar o texto 😉
Abraço
excelente artigo, parabens pelo trabalho, pela pesquisa, dá gosto ler algo assim, enriquece nosso conhecimento da história dos quadrinhos e do personagem, agora vou deixar um pedido, um artigo sobre o teioso na linha do que vc fez pra Mulher Maravilha, pegando mais a origem do aracnídeo e avançando pelos anos até os dias atuais com os principais destaques, e deixo outro pedido rsrsrsrsrs um arquivo sobre o Thanos nessa mesma linha, pq tem o filme dele em breve e pouca coisa tem sobre ele na Internet, apesar que aqui mesmo tem um excelente artigo sobre as Jóias do Infinito… parabens!
Boa ideia, Zuca! Esse artigo do Homem-Aranha como vc sugeriu seria bastante trabalhoso pq tem história pra caramba, mas é possível rss.. e a ideia do texto do Thanos é uma boa.. não tinha pensado nisso ainda e realmente deve ter muita gente querendo saber mais sobre ele.
Abraço!
pq só com o Aranha ocorre isso?
Oi Andrea, não foi só com o Aranha isso. Se formos pensar, a chave para o sucesso desses personagens é a identificação com os leitores. Desde o Superman, pelo fato de ser um estrangeiro simbolizando americanos descendentes de imigrantes, como os próprios autores, ou mais pra frente o Quarteto Fantástico, que trazia contradições e dilemas nas relações dos personagens, além de se passar em Nova Iorque, onde os autores instigavam os leitores com referências do cotidiano da cidade, ou até mesmo os X-Men, ao trazer uma discussão sobre inclusão social que pode ser interpretada por diversos pontos de vista. Enfim, são muitos quadrinhos que geram essa relação com os leitores. Em alguns textos nossos falamos mais sobre esses que citei e outros.
Em relação ao Homem-Aranha, o fato de ser um jovem, que na época em geral seria o “sidekick”, o ajudante de algum herói, no caso nessa história era o próprio herói. Além disso ele passava por diversas dificuldades corriqueiras aos jovens dessa idade, estes fatores contribuíram muito para seu sucesso e para o sucesso do que se tornou a “fórmula Marvel”.
Espero que tenha respondido =)
Abraço.
pelo que vi o teioso sempre foi o grande chamariz da marvel (pelo menos até os X-Men) perante os leitores
Oi Marcelo, realmente o Homem-Aranha sempre foi o carro-chefe da Marvel. Apesar dos méritos do sucesso inicial da companhia ter vindo dos quadrinhos do Quarteto Fantástico, o Homem-Aranha foi responsável por gerar maior identificação com os leitores e significante diferença nos números de vendas da Marvel. Mas quanto ao que vc disse sobre os X-Men, para a surpresa de muitos, os X-Men foram realmente emplacar apenas nos anos 70. Desde sua criação em 63, nas mãos de Stan Lee e Jack Kirby, os mutantes foram uma promessa que não se cumpria e suas vendas eram tão tímidas que cogitaram cancelar o título. Nos anos 70, com Len Wein, Dave Cockrum, John Byrne e Chris Claremont, foram empregadas mudanças radicais na série que à partir de então caiu no gosto popular e virou o sucesso que conhecemos hoje.
Mas isso é história pra um looongo papo que não vai caber num comentário.
Um abraço!
que texto maravilhoso… ta favoritado aqui pra ser relido muitas vezes!!!
Obrigado, Thiago. Fico feliz que tenha gostado! Abraço
Caro Raul achei seu texto primoroso. Já faz tempo que acompanho esse site, que pra mim é uma grata surpresa que se revela cada vez melhor e com conteúdo da mais alta qualidade em uma Internet cada vez mais cheia de fanboys e haters que só sabem falar abobrinhas do que eles não gostam em favor de sua editora favorita. Nada como encontrar um site sóbrio, que não escolhe lados, e que aborda ambos, sem preterir o outro. Mas isso tudo de nada valeria se os artigos fossem no nível da imensa maioria dos sites que encontramos por aí, com ortografia ruim, péssima argumentação e conhecimento raso e superficial (normalmente midiático e recente, que ignora a longa história do assunto abordado). Não é o caso de vocês, aqui tudo tem alta qualidade, os autores demonstram um conhecimento incrível daquilo que falam e todos os textos que li me deixam maravilhado, pois termino de ler sabendo muitos mais do assunto tratado do que quando comecei. Parabéns a você e a todos aqui pelo excelente trabalho realizado. Vida longa e próspera ao site de vocês!
Obrigado Rogério, fico lisonjeado com seus elogios. Concordo contigo, é muito chato quando os textos e discussões sobre quadrinhos se tornam um desfile de gostos pessoais. Claro que tenho minhas preferencias, mas na hora de escrever isso não pode falar mais alto. Agora fala pra gente, quais são as suas preferencias? Quais quadrinhos vc costuma ler? Abraço
Raul eu amo Moebius, os quarinhos europeus tb me fascinam como TinTin, alem dos herois como o Aranha, o Demolidor e o Capitão América, e na DC o Batman, claro!!! Mas mesmo tendo lido muita coisa, sempre me acho pouco conhecedor perto de gente como vc. Abraço!
Rogério, a necessidade faz o homem. É por ter leitores assim como você que preciso continuar sempre estudando e aprendendo mais! Abraço
eu sempre recomendo esse site pro meu círculo de amigos, todos leitores de quadrinhos, e agora vejo que fomos surpreendidos com mais esta belissima materia sobre meu personagem favorito… obrigado a vcs!!!
Nós que agradecemos, Lincan. Fico feliz em saber que tenha gostado da matéria.. mas diz pra gente, já que o Aranha é seu personagem favorito, quando que vc caiu na teia dele? Qual foi o primeiro contato com as aventuras do aracnídeo? Abraço