De “Tooi Sekai” a “Kimi no Na wa”: o mundo de Makoto Shinkai – Parte 1
“Há tantas coisas que evocam emoções… A maciez da terra na primavera… As nuvens no céu de verão… O cheiro do vento no outono… O som de pingos de chuva num guarda-chuva de vinil… A frieza do ar no caminho da escola para casa… O cheiro do apagador da lousa… O som de um caminhão distante à noite… Ou o sentimento reconfortante de uma loja de conveniência nas altas horas da madrugada…”
Hoshi no Koe – Makoto Shinkai; Mizu Sahara
Nesses últimos tempos, muito se tem falado de Kimi no Na wa, um filme de animação lançado em 26 de agosto desse ano, que tem feito muito sucesso no Japão e vem recebendo comentários positivos de quem já assistiu em outros países. No Japão, o filme de Makoto Shinkai foi a primeira animação não pertencente ao Studio Ghibli que ultrapassou os 10 bilhões de ienes (R$ 304 milhões) em bilheteria, deixando para trás sucessos como Kaze Tachinu (Vidas ao Vento) e ficando logo atrás de Ponyo, Mononoke Hime (Princesa Mononoke), Howl no Ugoku Shiro (o Castelo Animado) e Sen to Chihiro no Kamikakushi (A Viagem de Chihiro), todos filmes do Ghibli.
Makoto Shinkai conseguiu um grande feito, considerando que o diretor está na indústria há menos tempo que o renomado Hayao Miyazaki, diretor e co-fundador do Ghibli. Tal sucesso pode ser uma grande surpresa para aqueles que nunca ouviram falar de Shinkai — e que certamente já ouviram falar e conhecem algumas produções do Ghibli —, mas para os já familiarizados com seus animes, era esperado que algum dia o diretor conseguisse tal feito com um de seus filmes.
Uma pessoa, muitos talentos…
Makoto Shinkai é um dos diretores de anime mais famosos no Japão atualmente, e mesmo fora do país, goza de reconhecimento especialmente entre os mais familiarizados com as animações japonesas. Faz parte de uma geração nova de diretores — começou a criar seus filmes em 1998 — e é considerado “o novo Hayao Miyazaki”, devido não só à inspiração que recebeu dos filmes do diretor veterano, mas também à qualidade de suas animações.
Shinkai nasceu em Nagano, no Japão, em 1973. Se formou em literatura japonesa na Universidade Chuo, em Tóquio, em 1994. Antes de se tornar diretor, trabalhou como designer gráfico na empresa de video-games Falcom, e seu interesse pela animação produzida digitalmente o levou a fazer seus primeiros curtas. Depois de seus primeiros filmes experimentais, um dos quais ganhou prêmios e lhe rendeu certa fama, Makoto Shinkai passou a fazer parte do estúdio CoMix Wave Films (antigo CoMix Wave Inc.), onde continuou trabalhando com filmes. O diretor também costuma criar comerciais para empresas diferentes, desde engenharia civil a água mineral.
Com exceção da trilha sonora, Shinkai produzia sozinho suas animações, pois o fato de saber desenhar lhe permitia fazer storyboards, character designs e ilustrações de forma geral. Atualmente, conta com uma equipe no estúdio, mas é interessante notar como ele costuma se envolver em vários aspectos de suas animações assim mesmo, sendo não apenas diretor de 16 produções (filmes longa-metragem, curtas e comerciais), mas também roteirista (9), editor (9), artista de storyboard (9), criador (7), produtor ou produtor executivo (5), diretor de episódio (5), color designer (3), diretor de fotografia (2), character designer (2), diretor de som (2), escritor de letra de música (2), artista de cenários (2), diretor de animação (1), diretor de arte (1), e até já trabalhou no departamento de som e com efeitos especiais.
A produção de uma animação, assim como filmes de modo geral, costuma envolver muitos profissionais, mas é comum que um filme seja considerado uma criação do seu diretor, assim como um livro é criação de seu autor. O grau de controle sobre o filme pode variar de diretor para diretor, e nem todos se encarregam de outras etapas que não a direção, mas, de qualquer forma, o diretor está presente em várias etapas da produção e supervisiona aspectos importantes do filme, daí levar o crédito pela obra. Além disso, é comum que cada diretor tenha seu estilo particular, que pode ser notado mesmo em filmes de gêneros diferentes, e isso é bastante evidente nos filmes de Makoto Shinkai.
Mesmo naqueles em que não desempenhou todos os papéis citados anteriormente, sempre que Makoto Shinkai está à frente de alguma animação como diretor, é bem fácil reconhecer seu estilo próprio, seja num filme ou num dos comerciais que produziu. O que mais fica evidente no estilo de Shinkai é a atenção que ele dá ao visual de suas animações: seus cenários são sempre muito belos, estando entre os melhores dos animes. Todos os que assistem às animações de Shinkai, mesmo aqueles que não gostam tanto dos temas abordados, admitem que, visualmente, suas animações são excelentes.
Isso fica bem nítido se compararmos suas animações com a de muitos outros animes, os semanais principalmente, que não têm uma animação tão caprichada na maioria das vezes, já que o cronograma corrido costuma comprometer a qualidade da mesma. Sendo assim, dado o maior tempo de preparo e capricho do diretor-ilustrador, os filmes de Shinkai são um colírio para os olhos, especialmente para os fãs de anime já acostumados a ver uma animação de qualidade mediana quase sempre.
A essência de seus filmes…
Os filmes do diretor Makoto Shinkai tratam de temas que são mais relevantes para o público adolescente ou adulto, já que o drama é muito presente em suas obras, assim como o romance, a comunicação, a distância, a saudade e a solidão.
O trecho do início do post pertence ao mangá baseado no filme Hoshi no Koe (Vozes de uma Estrela Distante), do diretor aqui tratado. Esse trecho exemplifica bem algumas sensações que ele nos passa com seus filmes. Apesar de alguns deles conterem elementos de sci-fi, fantasia ou sobrenatural, Shinkai costuma dar destaque ao cotidiano, que caracteriza o gênero de anime que costumamos chamar de slice of life. A presença desses elementos cotidianos reforça a identificação com o espectador, especialmente os japoneses, já que seus filmes contêm muito da cultura e da vida no país. Além disso, seus personagens passam por situações com as quais muitas pessoas conseguirão se identificar: um relacionamento à distância, as emoções do primeiro amor, a importância da família…
A boa recepção, já esperada…
Sua terceira animação experimental, Kanojo to Kanojo no Neko (A Garota e seu Gato), de 1999, apesar da curta duração e do visual branco e preto, fez com que Shinkai ganhasse dois prêmios. No entanto, foi com o já mencionado Hoshi no Koe (Vozes de uma Estrela Distante), de 2002, que os japoneses e espectadores de outros países viram o potencial de Shinkai, que fez toda a animação sozinho, com exceção da trilha sonora. Desde Hoshi no Koe já havia comparações entre Shinkai e Miyazaki, ainda que não tivesse o apelido que tem hoje. Mais de dez anos atrás, Shinkai já era considerado um diretor muito promissor e que, caso continuasse produzindo filmes cada vez melhores, um dia chegaria a ser considerado tão bom quanto Miyazaki. Então, será que o dia chegou?
O sucesso de seu filme mais recente ultrapassou o de filmes do consagrado Studio Ghibli e já está com lançamentos previstos para outros países. A partir de agora, talvez o diretor ganhe mais reconhecimento fora do Japão também, e o apelido de “o novo Miyazaki” passe a ser pronunciado com mais convicção pelos que conhecem seu trabalho, apesar de que o próprio Shinkai afirma ser um exagero compará-lo com o diretor do Ghibli. É certo que o diretor Miyazaki trabalhou com mais filmes e tem um bom número de títulos liderando as primeiras posições dos rankings de bilheteria de animações no Japão, mas Shinkai deu mais um passo em direção ao reconhecimento.
Mais importante que compará-los é saber que, apesar de muitos falarem de uma “decadência dos animes”, ainda temos diretores e animes se destacando. Depois do triste falecimento da animadora do Ghibli nesse ano, a talentosa Makiko Futaki, é inevitável lembrar que os grandes nomes da indústria estão envelhecendo e se aposentando, como Miyazaki, ou até falecendo, como Satoshi Kon. Sendo assim, é muito bom saber que novos talentos (ainda que Shinkai já tenha cerca de 15 anos de carreira) estão se destacando e trazendo animes de qualidade. Se Shinkai será considerado o melhor diretor de animação assim como Miyazaki ainda o é, só o tempo dirá. Ainda é cedo. De qualquer forma, cada um tem seu estilo e suas preferências temáticas, e ambos são ótimos no que fazem.
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Na próxima semana, irei tratar dos filmes dirigidos por Shinkai e aprofundar a discussão a respeito do estilo do diretor, levando em conta os temas abordados e o visual de seus filmes.
Karina Moreira
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Conheci o diretor através de “Kotonoha no Niwa”;adorei a delicadeza e beleza do anime e o senhor Shinkai figura agora entre meus diretores prediletos,atrás apenas de Miyazaki e Oshi no que diz respeito à animes…Existem diversos diretores e artistas do gênero que eu adoro,mas esses em particular me tocam de maneira peculiar.
Boa escolhas. Miyazaki é incrível mesmo, todos deveriam assistir pelo menos alguns de seus filmes. Também gosto de Mamoru Oshii, dirigiu filmes com temas muito interessantes, Ghost in the Shell está no meu top 10 de animes favoritos, por exemplo. Quando se trata de sensibilidade, Makoto Shinkai é um dos meus favoritos também.
Segunda-feira trago a continuação. Obrigada pelo comentário.
Realmente o cara é monstro!
É notável o perfeccionismo nos cenários e a profundidade nos slice of life. Acho que comecei a curtir o gênero depois de assistir algumas animações dele (principalmente Byousoku 5 Centimeter).
Mas agora essa de “o novo Miyazaki”, calma lá, pera lá, aushUshauhsas, veremos. Mas é inegável que o cara já atingiu um nível singular mesmo.
Byousoku 5 Centimeter foi a primeira animação dele que assisti, e cheguei a assistir uma segunda vez uns anos depois, e olha que é raro eu rever animes, hehe. Mas acho que me apaixonei mesmo com Kotonoha no Niwa.
Pois é, esse apelido dele tem ficado cada vez mais forte depois do sucesso com Kimi no Na wa, mas como falei, acho cedo também. Não só pelo fato de o Miyazaki ter mais produções no topo da bilheteria, mas porque o estilo dos dois é diferente em muitos aspectos, mesmo ele tendo recebido algumas influências, daí ser difícil uma comparação, só em termos de sucesso mesmo. Nesse ponto, ele realmente deu um grande passo agora. Vamos torcer pra que ele ainda traga muitos filmes bons pra nós ^^