De “Tooi Sekai” a “Kimi no Na wa”: o mundo de Makoto Shinkai – Parte 3

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Nas semanas anteriores, vimos um pouco sobre quem é Makoto Shinkai na primeira parte e, em seguida, o aspecto visual de seus filmes, na segunda parte. Para finalizar o especial sobre o diretor, resta falar mais detalhadamente sobre o conteúdo de seus animes. Como o próprio Shinkai chegou a afirmar em entrevista, ele prefere criar animes intercalando o tipo de história. Podemos notar essa preferência ao observar suas animações em ordem: algumas de suas primeiras eram realistas, no sentido de retratar uma história contemporânea. Depois, o diretor passou para o sci-fi e, em seguida, voltou ao realismo mais slice of life, depois experimentou com a fantasia, voltou ao realismo e assim por diante.

Apesar da variação nos gêneros dos animes, o diretor afirma que sua especialidade são os mais contemporâneos, e além disso, todos eles costumam ter pontos em comum em relação à temática: quase sempre têm romance e tocam em situações que levam à distância, à saudade, à solidão e, diante de uma separação, o papel da comunicação. O slice of life, ou seja, o cotidiano, também está presente na maioria deles e é justamente por isso que podemos reconhecer uma essência japonesa muito forte nas suas histórias, seja nas situações apresentadas, seja nas interações entre personagens. Passemos a elas.

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A localização…

A maioria dos animes de Makoto Shinkai se passa no Japão e seus personagens são japoneses. Mesmo naqueles com elementos de sci-fi e cenas no espaço, como Hoshi no Koe, ou mesmo havendo um mundo à parte como no filme de fantasia Hoshi wo Ou Kodomo, uma parte dessas histórias se passa no país onde o diretor nasceu e mora até hoje. Seus animes costumam mencionar cidades e locais reais, e mostrar situações também reais, com as quais os japoneses se identificariam facilmente, tanto os que moram nas cidades maiores, quanto os que moram nas cidades menores, pois alguns de seus animes também dão destaque para a vida no interior do país. Isso é facilmente notado pelos belos cenários que mostram com muitos detalhes as paisagens naturais e urbanas, como já vimos, e também elementos da vida no Japão.

A título de exemplo, praticamente todos os seus animes mostram metrôs ou trens, até mesmo os comerciais que Shinkai criou têm alguma cena em que um metrô ou trem aparece. Esse tipo de transporte é bastante utilizado no país, e muito mais comum lá do que no Brasil. Para se ter uma idéia, Brasil e Japão possuem quase a mesma extensão de malha ferroviária, mesmo o território do Japão sendo 22 vezes menor que o nosso. Além disso, mais da metade da malha ferroviária japonesa é eletrificada. No Brasil, apenas 3%, aproximadamente. O Japão é conhecido pelos seus trem-bala (coisa que não temos aqui) e, juntamente com as linhas locais, é possível viajar por todo o país.

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Em destaque, as linhas de trem-bala (shinkansen), que no mapa vão de Kyushu até o norte de Honshu. Em março deste ano de 2016, foi inaugurado um shinkansen também em Hokkaido. No mapa, as menores em azul claro cortando todo o país são as linhas locais. Não é de se surpreender que quase todos os animes de Shinkai (e muitos outros também) tenham esse tipo de transporte, já que ele é bastante comum na vida dos japoneses. Seja nas grandes cidades ou no interior, muitos dos filmes do diretor nos mostram as diferentes faces do Japão através da locomoção dos personagens. Em Byousoku 5 Centimeter podemos vê-las claramente. Além dos locais representados, um outro elemento muito presente nas animações de Shinkai que exerce influência na paisagem é a passagem do tempo, muito ligada às estações do ano.

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As estações…

Não seria exagero afirmar que as estações do ano (kisetsu) têm grande influência na vida dos japoneses, diferentemente do que ocorre no Brasil. Aqui, mal sabemos em que estação do ano estamos porque as mudanças não se parecem com os clichês que simbolizam as estações, então é algo ao qual o cidadão comum pouco dá importância. No Japão, por outro lado, as estações sempre tiveram, e têm ainda hoje, uma presença mais marcante na vida das pessoas, até das que vivem nas grandes cidades.

Lá, as quatro estações são muito bem definidas, e além delas, há também uma estação das chuvas (tsuyu) e até uma dos tufões. As estações se fazem presentes não só na literatura e na poesia (os poemas haiku são um bom exemplo), mas também em eventos anuais (como o hanami, época de observar as cerejeiras floridas), nas roupas usadas (o uso do yukata no verão, por exemplo), nas comidas sazonais, nas mudanças do uniforme escolar, etc.

estações_japão De “Tooi Sekai” a “Kimi no Na wa”: o mundo de Makoto Shinkai – Parte 3Shinkai também parece apreciar as estações do ano, visto que seus animes costumam dar grande ênfase às mudanças trazidas por elas. Cerejeiras floridas na primavera, calor e barulho de cigarras no verão, chuvas abundantes no meio do ano, neve cobrindo a paisagem no inverno… A bela animação não poupa os detalhes ao representar esses momentos. As estações também influenciam a vida dos personagens. Para começar, Shinkai costuma fazer uso delas para indicar a passagem do tempo, algo importante em muitas de suas histórias.

Fundamental em Hoshi no Koe, o tempo é fonte de angústia pela demora da chegada das mensagens da garota que se encontra no espaço, cada vez mais distante da Terra. Em Byousoku 5 Centimeter, vemos claramente a ansiedade do protagonista com os atrasos do trem, devido à forte neve. Em Kimi no Na wa, temos uma distorção temporal importante na história. Para citar alguns exemplos.

De todos os animes do diretor, os que colocam mais importância nas estações são Byousoku 5 Centimeter e Kotonoha no Niwa. Começando por este último, a estação das chuvas é muito importante para o desenrolar da história, já que os dias chuvosos determinam o encontro dos dois personagens principais, e o término da estação acarreta em mudanças no relacionamento de ambos. Em Byousoku 5 Centimeter, elas são fundamentais para a história. Até o nome do anime faz referência à velocidade em que caem as pétalas de cerejeira (5 centímetros por segundo), uma das árvores mais simbólicas da primavera no Japão.

Na história, dois amigos de infância vivem momentos felizes, mas, depois do ensino fundamental, acabam em cidades diferentes. A mudança das estações faz com que os personagens sintam claramente a passagem do tempo estando longe um do outro, e o conteúdo de muitas das cartas que trocam entre si fazem referência às estações. O porquê disso também se deve a um costume japonês de começar as cartas, depois das saudações, com uma frase relacionada ao clima ou à estação. As cartas também falam das mudanças dos dois com o passar do tempo. As transferências de suas famílias para outras cidades só aumenta a angústia do casal apaixonado. E por falar nisso, é hora de analisar o romance contido nas histórias de Shinkai.

O amor e a separação…

No Japão, existem palavras diferentes para denominar o que chamamos de amor: ai (愛), koi (恋), renai (恋愛) e até mesmo o empréstimo do inglês “love” (ラブ), cada uma usada em situações diferentes, apesar de que em certos casos, como exprimir o amor por uma pessoa, a palavra suki (好き), que significa literalmente “gostar”, é a mais utilizada. Pode parecer curioso o fato de os japoneses terem mais de uma palavra para designar o amor, mas fazerem uso sobretudo do que se pode traduzir como “gostar”. No entanto, isso se deve a diferenças culturais sobre as quais é possível escrever um livro inteiro. Basicamente, os japoneses não costumam expressar seus sentimentos tão abertamente quanto nós, ocidentais, e o amor que uma pessoa sente por outra geralmente fica subentendido de outras formas durante o relacionamento.

Essa diferença cultural quando se trata de expressar sentimentos fica bem visível nos animes de Shinkai. Seus personagens, geralmente um casal apaixonado, apesar de se gostarem, não tendem a verbalizar isso de forma muito clara. Além disso, o desenrolar de suas histórias geralmente carrega a idéia de que o amor está ligado ao sofrimento em potencial. Muitos de seus personagens, após passarem do estágio de felicidade por estarem juntos, geralmente sofrem com uma mudança que desencadeia uma separação, e é este o momento mais importante no romance dos filmes de Shinkai. O diretor consegue demonstrar muito bem um amor que não consegue se realizar, um amor não correspondido, ou que se transforma em saudade. O adjetivo koishii (恋しい) talvez seja o que melhor represente isso.

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Acima, cenas de Byousoku 5 Centimeter. Abaixo, cenas de Kotonoha no Niwa.

“Naquele momento, senti como se eu conhecesse onde se encontram a eternidade, nossos corações e nossas almas. Senti como se tivéssemos compartilhado todas as experiências dos meus 13 anos. E então, no momento seguinte, fui tomado por uma tristeza insuportável. O calor de Akari, e sua alma, como eu poderia recebê-los, e aonde eu deveria levá-los? Senti tristeza porque não tinha essas respostas. Eu claramente soube que, daquele momento em diante, não estaríamos juntos para sempre. O peso esmagador do futuro de nossas vidas e a incerteza do tempo pairaram sobre nós. Porém, a crescente ansiedade que havia me tomado, em breve, desapareceria. E tudo o que restaria seria a sensação de seus lábios macios.”

Byousoku 5 Centimeter – Makoto Shinkai

No Japão, apesar de o amor ser celebrado em diversas manifestações da cultura popular, de acordo com Mark D. West, ele também é “muitas vezes representado como um problema — uma condição irresistível, destrutiva e arriscada.” Quem conhece os filmes de Shinkai sabe que o amor não é retratado tão negativamente, mas que o diretor também não o retrata como um mar de rosas. Aí entra o obstáculo que Shinkai costuma retratar nos seus filmes: a separação.

Nos seus filmes, a separação pode ser causada pela distância física: em Byousoku 5 Centimeter, a garota precisa se mudar para outra cidade, o mesmo ocorre com o garoto, e assim os dois vão se distanciando cada vez mais fisicamente, dificultando seus encontros. Algo parecido ocorre em Tooi Sekai: o casal precisa se separar e aproveita os poucos momentos juntos antes da partida. Em Hoshi no Koe, a distância física é extrema, já que a garota precisa partir para uma missão no espaço, cada vez mais distante da Terra, o que causa um atraso muito grande no envio de mensagens pelo celular, atrapalhando a comunicação entre o casal.

Mas a separação também pode se dar por outros fatores. Em Kanojo to Kanojo no Neko, o amor que o gato sente por sua dona nunca poderá ser correspondido exatamente, já que o que os separa é justamente o fato de ele ser um gato e ela, um ser humano. Em Kumo no Mukou, Yakusoku no Basho, um coma é o que separa o trio de amigos, além dos diferentes caminhos que dois deles seguem na vida. Em Hoshi wo Ou Kodomo, a morte é a causa da separação. No comercial Dareka no Mazanashi, apesar de tratar do amor familiar, a vida adulta é a causa do distanciamento entre os personagens. Em Kotonoha no Niwa, apesar de a distância física ocorrer em certos momentos, o maior fator de distanciamento é, na verdade, a diferença de idade (um jovem de 15 anos e uma adulta de 27) e a pertença a grupos sociais diferentes (o jovem é um estudante e a moça, uma professora).

Especialmente nas situações em que a distância física se faz presente, a comunicação é importante nos trabalhos de Makoto Shinkai. Seja por celular (Hoshi no Koe, Kimi no Na wa), seja por cartas (Byousoku 5 Centimeter), a comunicação (ou a falta dela) é central nessas obras. Como foi dito anteriormente, os sentimentos não são comunicados tão abertamente, mas estão nas entrelinhas da comunicação verbal e também se encontram nas atitudes dos personagens, sendo exceção um dos momentos mais importantes Kotonoha no Niwa. Ainda assim, de modo geral, a qualidade do que é indireto nos relacionamentos mostrados em seus animes é tocante e envolvente, além de apresentar ao espectador ocidental um dos aspectos mais marcantes da cultura japonesa.

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Referências:
How to Say “I Love You” in Japanese – Japanese.about
Lovesick Japan: Sex, Marriage, Romance, Law – Mark D. West
The Japanese Mind – Osamu Ikeno; Roger Davies (org.)
The Japanese Words for Love – Japanese.about

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Karina Moreira

Formada em História, é membro do Grupo de Estudos de Histórias em Quadrinhos de Franca (GEHQ). Há anos não consegue viver sem sua dose diária de animes e mangás, o que aumentou seu interesse pela cultura japonesa, e espera conseguir dominar o complexo idioma dos kanji um dia... De vez em quando, gosta de desenhar e passar a madrugada rindo de vídeos de pegadinhas.
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2 thoughts on “De “Tooi Sekai” a “Kimi no Na wa”: o mundo de Makoto Shinkai – Parte 3

  1. Muito bom texto!
    Uma palavra boa pra descrever o sofrimento do amor a distância seria a “saudade”, mas acho que a palavra não consta no dicionário japa (etimologicamente), né?
    Comprei os dois volumes do mangá do 5 centímetros, mas ainda não deu coragem de ler hahahaha
    Fora que você falando do Kotonoha no Niwa (que nem sinopse eu tinha lido ainda) já me pregou desprevenido. Agora preciso realmente ver, urgente!
    E por último bela escolha daquela imagem da estação de trem, sério, é muito detalhe pra um retângulo tão pequeno kkkkkk

    1. Muito obrigada!
      Então, saudade é uma boa palavra. No japonês, a que conheço que carrega o sentido de saudade e de amor ao mesmo tempo é o adjetivo koishii (恋しい), que pode ser usado tanto para coisas das quais você sente falta, ou pessoas. Pra pessoas, existe a variação do adjetivo hitokoishii (人恋しい), que é mais específico. Uma próxima de saudade seria o substantivo kyoushuu (郷愁), também traduzido como nostalgia. Mas veja que ao contrário das palavras anteriores, essa não tem o kanji de amor (koi – 恋) na sua composição, sendo que os kanji que formam essa última carregam o sentido de terra natal e lamentação.
      Legal! Eu tenho os dois volumes de 5 Centímetros por Segundo também. Quem sabe eu escreva sobre essas adaptações pra mangá um dia.
      Veja sim, acho que você vai gostar de Kotonoha no Niwa, é um dos meus favoritos dele. E que bom que curtiu a imagem, também gostei dela ^^
      Obrigada pelo comentário 🙂

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