Crítica: Elis
Elis
Direção: Hugo Prata
Elenco: Andreia Horta, Caco Ciocler, Gustavo Machado, Lúcio Mauro Filho, Natália Rodrigues, Zecarlos Machado, Júlio Andrade e Rodrigo Gandolfo.
Abranger praticamente toda a vida de uma personalidade numa biografia cinematográfica tem seus riscos. Suas origens, motivações, amores, profissão, amigos, auge, influências externas, morte e legado são assuntos demasiadamente complexos para serem explorados e totalmente passíveis de falhas, principalmente se usados dentro de uma narrativa expositiva e frágil que em muitos casos apostam exclusivamente na caracterização do protagonista para atrair o público.
Assim chegamos a este Elis, dirigido por Hugo Prata que logo em seus segundos iniciais usa todos os recursos possíveis (a atriz numa contraluz interpretando “Como Nossos Pais”) para imediatamente apelar para a memória afetiva do público e consequentemente uma identificação. Para, logo em seguida, irmos imediatamente à chegada da cantora e de seu pai Romeu (Machado) ao Rio de Janeiro em pleno momento em que a ditadura militar se instala no país para participar de uma entrevista numa gravadora (criando assim uma interessante metáfora de “confronto” entre a cantora e o regime que acabou de nascer).
A partir deste momento, o longa tenta passar a limpo todo o panorama pessoal e profissional da cantora que mudou para sempre a música brasileira com sua inesquecível presença de palco. O problema é que a direção, com medo de ousar, claramente aposta numa narrativa apenas correta, mas que neste caso não podemos dizer como um elogio em si (o que me levou até pensar se não seria feito para uma futura exibição na TV, mas divago…).
Contando com uma montagem que joga as situações de uma ponto “A para B” de maneira abrupta e por momentos com problemas de espaço tempo, o público fica no meio de um capítulo de série (ou novela) onde é difícil que determinado acontecimento abordado tenha uma melhor identificação, como confirmamos numa cena em que depois da reunião na gravadora, a direção corta imediatamente para a protagonista já na praia (provavelmente por acharem que qualquer lugar do Rio de Janeiro, basta atravessar a rua para chegar à areia), ou quando após a consolidação do romance com Ronaldo Bôscoli (Gustavo Machado), já na cena seguinte, os dois estão casados com direito a noiva sendo carregada no colo.
Entretanto, mesmo com uma aura de querer sempre apelar para as lembranças da cantora, e por parecer mais uma vontade de parecer um clipe aleatório do que necessariamente contar uma historia, a montagem acaba rendendo alguns interessantes momentos quando, num estado de fragilidade de seu casamento com Bôscoli, a direção entrecorta a cena com a cantora participando um ensaio com César Camargo Mariano (Ciocler) sinalizando o futuro relacionamento com o pianista. Mas, infelizmente é muito pouco para uma obra deste porte.
O roteiro de Luiz Bolognesi e Vera Egito em conjunto com o próprio diretor realmente peca ao abraçar uma longa jornada sem sequer tentar apresentar algo, um diferencial dentro de sua história que não fossem fatos amplamente conhecidos do público. Tal convencionalismo somente não torna tudo uma grande superficialidade expositiva com assuntos que poderiam render melhores momentos, mas acabam também sendo subutilizados ou até mesmo desnecessários, como a vida sexual da cantora (ou quando o filme tenta abordar assuntos como o crescimento da musica que passa da bossa nova, MPB, Tropicália até chegar numa espécie de manifesto do diretor quando Elis critica a indústria fonográfica).
A direção, por momentos, trata a cantora como um misto de histerismo e inocência, principalmente por retratar a cantora praticamente uma refém dos sentimentos, uma vez que, sendo personagem sinônimo de personalidade, parece que a de Elis Regina, assim como o filme ,vai de um ponto a outro sem muito critério.
A fotografia de Adrian Teijido se não é algo que soe natural, pelo menos é correta ao emular através de sombras e contraste o clima underground da boate Bottles, assim como o uso contraluz em diversos momentos (alguns casos desnecessários), como podemos ver na cena em que Elis assina seu primeiro contrato em SP. Assim, como o uso de uma palheta amarelada no inicio do filme, a direção de artes consegue imprimir um tom satisfatório com toda sua recriação de época que não permite que o espectador saia dos momentos retratados, como vistos nos carros e figurinos de elenco em geral.
Até que chegamos naquela que é o principal chamariz do longa que é a interpretação de Andreia Horta como Elis Regina. É visível que a atriz trabalhou cuidadosamente todos os trejeitos e cacoetes de Elis Regina, tanto sua risada e seus famosos gestos ao cantar. Todavia, temos de lembrar que interpretar não passa necessariamente ao ato de imitar e a linha entre as duas é bem tênue.
Sendo assim, é problemático que todo esforço e belo trabalho da atriz seja seguidamente usado de maneira expositiva como houvesse a necessidade de toda hora martelar na cabeça do espectador a qualidade do seu trabalho (podemos usar como exemplo o filme Jobs em que Michael Fassbender jamais deixa o personagem sobrepor sua interpretação). Tal narrativa chega a prejudicar diretamente o trabalho de Andreia, principalmente com o uso dos constantes closes de maneira exagerada sempre que a personagem ri, ou quando, depois da mudança para o visual que marcou a cantora, a câmera trata quase como uma divindade, tudo como estivesse dizendo: ”Olha como ela se parece, viu? Viu?”.
Tal lógica é aplicada em outros personagens, uma necessidade gritante da direção em explicitar aqueles personagens que fazem parte da nossa cultura popular, ou como tentasse criar uma intimidade com o espectador, como numa determinada cena em que a protagonista faz um pedido a um personagem de maneira tão explicita que soa completamente forçado (“Me beija… Nelson Motta”) ou quando num outro momento, o Ronaldo Bôscoli recita: (“como diria meu ex-cunhado…, o poetinha Vinicius de Moraes…”)
Mesmo com a necessidade de tentar traçar o panorama da cantora é decepcionante que o filme se negue a desenvolver de maneira mais aprofundada os personagens secundários que foram importantes na vida de Elis Regina dentro de boas caracterizações do elenco. Assim temos, por exemplo, um Lúcio Mauro Filho interpretando um Miéle boêmio como se espera e que em pouco tempo de tela não compromete ou um Lennie Dale (interpretado de maneira um pouco afetado mas integra por Júlio Andrade). Contudo, é elogiável a atuação de Gustavo Machado transformando um Ronaldo Bôscoli num babaca que causa sempre desconforto com sua personalidade egoísta e machista.
Enfim, mesmo que ainda sirva para manter viva a figura da cantora, Elis não se torna uma obra relevante dentro do que foi mostrado em várias outras ocasiões.
Cotação 2/5
Rodrigo Rodrigues
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