Crítica: Invisível
Invisível
Direção: Pablo Giorgelli
Elenco: Mora Arenillas, Mara Bestelli, Agustina Fernandez, Fabiana Urna e Estrela Straus
Quando escrevi sobre o longa Manifesto (crítica aqui) protagonizado por Cate Blanchet, a obra serviu para discutir o próprio papel da arte, e também como uma analogia (como o Cinema sempre se propõe fazer) sobre nossa sociedade atual, principalmente pelo fato de semanas antes, um grupo político com ideologias fascistas proibiu uma exposição artística dentro de um museu. Assim, este eficiente Invisível, do diretor argentino Pablo Giorgelli, além de mostrar uma adolescente com seus dilemas de uma gravidez indesejada, serve também um exercício social e de empatia sobre o aborto justamente quando uma ala fundamentalista e retrógrada da política brasileira decide que mesmo em caso de estupro, o aborto é proibido . Ou seja, 18 deputados homens acabaram tomando o corpo da mulher como uma propriedade privada para atender suas convicções religiosas e se manterem no poder através de parte da população igualmente conservadora e cúmplice. Problema que acarreta milhares de mortes anuais, principalmente das mulheres das classes mais baixas, por procedimentos sem qualquer controle, e que caso fosse legalizado, provavelmente não ocorreriam como acontece em países em que o procedimento é permitido. E aí que o filme traz sua mensagem maior: a legalidade do aborto, a decisão caber somente a mulher , e claro, a discussão de como podemos encarar tal situação.
Como na Argentina tal procedimento é proibido, é emblemático que a obra sirva ao debate para este problema de saúde pública sem necessariamente abraçar a causa de maneira generalizada , pelo contrário, o foco é o impacto na vida de Ely (Arenillas) e os dilemas pessoais, principalmente com a questão do aborto em si. Uma jovem independente, em fase de transição para a vida adulta e que morando com a mãe adoecida precisa encontrar seu lugar num mundo que pouco lhe oferece saídas (Interpretada por uma Mora Arenillas de maneira introspectiva, a atriz é capaz de criar uma ótima identificação com sua personagem de poucas palavras e sempre pautando sua presença em tela permeada de dúvidas e medos). E se em Juno de Jason Reitman, por exemplo, temos uma atmosfera ainda que madura, mas por vezes com uma tônica mais leve em sua abordagem, aqui sempre estamos inseridos num clima mais realista e frio, tanto que a direção aposta sempre nas cores sépias para representar aquele cenário com poucos momentos de afeto e carinho entre mãe e filha, como por exemplo nas cenas em que tomam café juntas. Não que não haja amor entre elas, pois há e isso é o que as mantêm juntas; mas é tão difícil para ambas as partes levarem adiante algum sentimento sem que não seja constantemente criado um clima de frustração e desesperança mútuo – ainda agravado pelo estado de saúde da mãe provavelmente atingida pela depressão. Um sofrimento calado em que ambas não conseguem forças ou maneiras de saírem daquela situação.
Portanto, é interessante também que a própria narrativa seja baseada na delicadeza e nos detalhes de momentos pautados pelo silêncio como forma de enviar sua mensagem (e de maneira eficaz, diga-se de passagem). E para isso não faltam exemplos de como à direção Giorgelli se mostra eficiente ao conduzir de maneira segura tais sequências (quase o filme todo) sem usar grandes recursos ou saltos narrativos , como no fato da personagem surgir inicialmente sempre comendo devido ao aumento de apetite causado pela gravidez, ou o fato de sabemos que o pai da criança é o chefe da jovem e que a concepção se deu numa dos vários encontros entre os dois – numa cena que mesmo ocorrendo após sabermos da gravidez, não perde o impacto dramático para conhecermos o passado da personagem. Assim a dinâmica e intensidade dos conflitos são igualmente bem construído mostrando a força da estória sem apelar também para tantos diálogos, apostando sempre na jovem atriz para engrandecer os assuntos abordados. Tanto que ficamos cientes do contexto que envolve o filme (panorama social argentino) através das noticias na TV, que acaba simbolizando a vida da protogonista como mais um exemplo, principalmente em famílias de baixa renda, que a desigualdade social pode trazer – uma vez que a própria mãe de Ely, provavelmente passou pelo mesmo ciclo da filha por não existir a figura paterna no filme e que teve dificuldades na criação da mesma, transformando sua relação numa espécie de “herança”.
E, como visto, não podemos falar do filme sem comentar o tal momento social argentino em que elas estão inseridas: um sistema que provém pouco auxilio e incentivo a melhores condições, uma vez que a protagonista se mostra sempre desmotivada com os estudos dentro de um país como a Argentina em que 32 % da população – como o próprio longa informa – está inserida na pobreza. Portanto, é simbólica que sua insatisfação seja representada na cena em que os alunos cantam o hino Argentino, e Ely silenciosamente se nega a cantá-lo (no Brasil, por exemplo, 1/4 dos partos feitos são realizados em menores de idade, o que denuncia nosso grave problema de educar os jovens sobre planejamento familiar). Portanto, não adianta querer esconder o problema atrás de uma proibição com princípios religiosos, uma vez que quem tem poder aquisitivo maior sempre tem um suporte mais qualificado. Nossos problemas, como acontece na Argentina retratada no filme, são oriundos das diferenças nas estruturas sociais e econômicas que boa parte da população está submetida.
Em qualquer lugar do mundo, as mulheres (adolescentes ou não), estão sujeitas a uma grave complicação tanto física quanto psicológica quando envolve um aborto. Fora o fato de serem recriminadas pela sociedade que as cobram um conduta moral (o famoso e hipócrita “não se dá o respeito”) , que parece não levar em conta que há um homem envolvido também, ainda são consequentemente empurradas para clínicas clandestinas e drogas abortivas que acabam pondo suas vidas em risco sem qualquer amparo legal. Como podemos comprovar no momento em que Ely busca informações na internet com a única amiga em que confia para comprar remédios no mercado negro – inclusive é interessante que um personagem diga que é mais fácil um homem comprar que uma mulher, provando que há misoginia até para isso. E em seu final, entendendo que o filme serve mais para questionar que propriamente responder (algo elogiável dentro de obra cinematográfica), a direção permite que sejamos compelidos a imaginar e a se identificar com uma gama de sensações e indecisões dentro da mente de Ely.
E independente da decisão da protagonista e como será dali para frente, infelizmente para muitos ela é apenas mais uma dentro de um mundo invisível que o próprio título sugere.
Nota 4/5
Rodrigo Rodrigues
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melhor filme brasileiro que ja assisti, isso sim, nao fala besteira
Caseiro
Bem vindo.
Deseja expor melhor sua opinião? Não ficou muito claro para mim.
Estou a disposição para debater sua visão sobre cinema em si e críticas de filmes
Abraço
Tava na duvida de assistiria ou nao… agora decidi nao ver. Filme q so questiona e nao responde nao merece meu tempo. Ou so merece o tempo q levo pra ler uma critica… assim como o filme, pela metade, nao completarei a acao.
Nao assista É muitooo fraco
Quis dizer melhor filme argentino kkk foi mal ae galera desculpem