Crítica: Lady Bird – A Hora de Voar
Direção: Greta Gerwig
Roteiro: Greta Gerwig
Elenco: Saoirse Ronan, Laurie Metcalf, Lucas Hedges, Timothée Chalamet, Beanie Feldstein, Jordan Rodrigues, Bob Stephenson, Marielle Scott, Odeya Rush, Lois Smith e Tracy Letts
Nota 5/5
Quando se tem 16 ou 17 anos, por exemplo, o mundo é um território hostil e desconhecido mesmo que, por momentos, a adolescência nos forneça um poder ilusório de invulnerabilidade e juventude eterna dentro de uma realidade própria. Somos uma montanha russa de emoções, de medos e alegrias que se misturam com planos e desejos na mesma velocidade que tais preocupações, em muitos casos , sejam apenas lembranças quando adultos. E ao nos tornamos um, somos beneficiados pelas experiências dos anos passados, mas até certo ponto amaldiçoados pela juventude que nos impedia de agirmos mais com a razão que por impulso – isso quando agíamos. Neste aprendizado, vamos deixando para trás antigas amizades e que agora somente vivem apenas em fotos e recordações. Assim como as primeiras paixões tidas como eternas, o afloramento sexual onde a primeira vez (tão esperada e que nem sempre acontece como imaginamos), a formação ideológica e relacionamentos familiares. Contudo, isso é que nos faz o que somos hoje e nosso amadurecimento, nossas dúvidas (e preocupações) são influências diretas que vão se adaptando de acordo com nossas decisões e responsabilidades futuras.
Escrito e dirigido de maneira quase autobiográfica pela atriz (e agora diretora) Greta Gerwig, Lady Bird: A hora de Voar (subtítulo obviamente desnecessário) é uma obra cheia de sentimentos fazendo com que a identificação com a jovem seja algo imediato num panorama completo de pontos importantes da sua formação. Remetendo diretamente a obras igualmente icônicas como As Vantagens de Ser Invisível e Boyhood (e até mesmo soando como uma versão juvenil de Frances Ha), o longa tem em suas caracterizações de personagens multidimensionais e bem desenvolvidos em suas abordagens que fogem a qualquer tipo de caricatura, uma espécie de espelho para nossas lembranças e afetos. Ademais, ao ser protagonizado por uma adolescente, seus conflitos tomam algumas direções e temas particulares que diferem um pouco sobre o ponto de vista dos filmes citados, engrandecendo ainda mais o estudo deste universo.
Vivendo na cidade de Sacramento, Califórnia, mais precisamente no ano de 2002 (num mundo pós 11 setembro com jovens iniciando o uso do celular), Christine McPherson é uma típica adolescente: cheio de conflitos, medos, deslocada, intempestiva, por vez egoísta, doce e amiga. Mas ao se intitular “Lady Bird”, a jovem demonstra um independência incomum e renegando suas origens, sonha estudar em Nova Iorque e dar vazão a sua veia artística dentro das rotinas religiosas do colégio, mas sem necessariamente tornar o local uma prisão ou com lideranças opressoras.
Parecendo, assim, que os religiosos sempre estão cientes da impossibilidade de conter um comportamento de indivíduos em época de extremas mudanças e conflitos parecendo sempre dispostos a ajudar de maneira amável, como no fato que, depois de uma brincadeira que normalmente renderia uma punição, a protagonista receba conselhos e ajuda para evoluir com seus sonhos – a menos que, durante uma dança, não fiquem tão próximos para dar ”espaço para o espírito santo”. E para engrandecer tal atmosfera, elementos comuns a este mundo estão lá: paixonites por um professor, amiga com autoestima baixa pelo seu corpo e posição, mesmo que exale sempre um comportamento alegre que mascare sua condição de não se achar feliz. Mas repetindo, sem qualquer estereótipo ou abordagem que comprometa a identificação com aqueles indivíduos.
Auxiliado pela atuação segura e intensa da Saoirse Ronan e na dinâmica com os outros personagens , Lady Bird é um longa de sensações e lembranças sem necessariamente buscar a trabalhar de maneira completa os arcos dos personagens, até porque, assim como os exemplos de filmes citados anteriormente, a obra retrata uma fase importante da vida daquela protagonista. Lembranças de passar momentos, por exemplo, refletindo “Vinhas da Ira” pelo rádio com a mãe, e que por mais passageiro possa aparentar serão estes momentos que irão fazer falta lá na frente.
Portanto, é no conflito entre Christine e sua mãe Marion (uma excelente Metcalf) que somos compelidos a nos por no lugar de ambas, ao mesmo tempo e com interpretações distintas. Se entendemos e nos identificamos com os dramas da protagonista, não podemos rechaçar o comportamento materno e sua lógica. Por mais que possa aparentar cruel seu comportamento, ainda conseguimos ver que suas atitudes diante da filha servem tanto como um instinto de preservação, acrescido de sentimento de tentar criar um escudo para problemas típicos da vida adulta como desemprego e problemas financeiros.
Uma dinâmica que a direção faz questão de representar através de cortes alternando as figuras de Marion e Christine como se pusessem uma no lugar da outra. Obviamente que tal caminho não é, e nunca será fácil, pois como mãe, Marion tem suas falhas e defeitos, uma herança passada de geração a geração denunciada pelos problemas que ela mesmo teve quando jovem. Ademais, ela é vista como alguém que não sabe como ajudar a filha, o que é simbolizado em diálogos sinceros como: ”Eu quero que você seja um versão melhor de mim mesma”, mas sem saber que a filha já pode ser a melhor versão possível dela. Inclusive, é sensível que os relacionamentos sejam vistos de maneira conflituosa através de questões como se o amor que desejamos possa ser entendido como algo além da nossa própria compreensão, como no diálogo da irmã Sarah (Smith) e Christine, dizendo que amor e atenção podem ter o mesmo significado.
Assim, é importante mencionar a presença da figura paterna de Christine, interpretado de maneira delicada e cheia de afeto por Tracy Letts. Um homem que, mesmo simbolizando os problemas financeiros motivados por um mercado de trabalho cada vez mais selvagem que desvaloriza a experiência, surge como uma âncora moral familiar. Larry emana altruísmo e nobreza ao servir como elo entre os sentimentos da esposa e filha de maneira doce e respeitosa. Pautando a narrativa sempre com humor sem que isso desequilibre os conflitos, a diretora mostra habilidade em transitar entre tabus de maneira eficiente como na cena que Christine confronta uma professora sobre aborto e até mesmo o desfecho de uma transa, como se dissesse: ”por mais vergonhoso que possa ser, isso é apenas o início, relaxa”. Ou até como na cena em que ela rouba um pote de hóstias (não comungadas), ficando entre o limite do pecado e libidinoso de maneira juvenil. Portanto, a direção, por mais simples que a narrativa se apresenta, é eficiente ao simbolizar as mudanças na vida de Christine como o fato do design de produção mostrar o quarto da protagonista multicolorido permeado de figuras e pôsteres que serão apagados para sempre juntos com os nomes escritos nas paredes.
Enfim, Lady Bird é simples e eficiente em deixar que o fluxo dos acontecimentos sigam seu próprio ritmo permitindo que, mediante a novos desafios e sensações de Christine, nos convençam que o importante não é estar certo, e sim que seja verdadeiro. Até porque todas aqueles rostos, locais, rotinas e experiências estarão definitivamente atrelados a nossa existência.
Rodrigo Rodrigues
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Lady Bird: A Hora de Voar é um filme que alcança isso através do despojamento, algo típico no chamado indie americano, e este título é um exemplar deste estilo, mas que aqui funciona de forma eficiente. É impossível não se deixar levar pelo ritmo da historia. Amei o grande elenco do filme, quem fez possível a empatia com os seus personagens em cada uma das situações. Sem dúvida veria novamente.